Juízo arbitral e os contratos de locação



Há de se registrar que não procuramos discutir acerca da constitucionalidade da Lei 9.307/96, mas sim trazer a guisa um problema que assola grande parte das relações contratuais.

Ainda que em parcas linhas, calha mencionar o fato de alguns contratos de locação trazer em seu contexto cláusula que confere ao juízo arbitral a competência para dirimir qualquer discussão acerca das matérias inerentes à locação efetivada entre as partes.

A nosso ver, esse dispositivo só é merecedor de atenção em determinadas situações, tendo em vista seu caráter excepcional. Para a sua insurgência é preciso que fique demonstrada, de forma inequívoca, a igualdade entre as partes contratantes.

Com relação aos contratos firmados entre Imobiliária e o particular, não resta qualquer dúvida que a cláusula estabelecida de forma unilateral pela pessoa jurídica demonstra o seu vultoso domínio na negociação, já que se o particular se negar a assinar o termo, deverá suportar o gravame de nunca conseguir locar um imóvel. Eis um exemplo em que não se pode aceitar a prevalência da competência arbitral, caso a parte assim desejar.

É fato notório que tal comportamento é rotineiro no mundo imobiliário, ou seja, os contratos firmados com o particular são impostos pela Imobiliária, tanto é verdade que os contratantes não se unem para a elaboração do documento.

Assim, entendemos que a nomeação de juízo arbitral nos contratos de locações em que as partes não participam de sua elaboração deve ser vista com ressalvas, pois caso uma das partes se negue a discutir a causa perante o juízo imposto, deve ter o seu direito em buscar o judiciário para uma melhor apreciação.

Aliás, tal comportamento é condenado pela legislação pátria. É o que preceitua a parte final do artigo 122, do Código Civil de 2002, senão vejamos, verbis:

"Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes. – Grifo Nosso.

A doutrina atribui à parte final do dispositivo acima elencado o nome de condição puramente potestativa. Tal condição é considerada arbitrária, eis que se sujeita ao arbítrio de uma das partes.

Segundo o magistério de Pontes de Miranda, considera-se condição puramente potestativa (1970, p. 157),

"A potestativa pura estabelece o arbitrário, que é privação do direito, da relação jurídica; deixa-se aberto o caminho para o fáctico, de jeito que, para o jurídico, há contradictio in adiecto; o querer puro, sem limites, repugna ao jurídico; é o domínio do 'se quiser', do 'faça o que queira'. Ainda se a condição se dirige a técnico (engenheiro, advogado, ou outrem) e se formula 'se quiser', não tem ele de apurar se convém, nem, de qualquer maneira, tem de pesar circunstâncias; é a potestatividade pura: si velit"[1].

Conforme lição de Silvio Rodrigues, diz-se condição puramente potestativa (2003, 245),

"aquelas em que a eficácia do negócio fica ao inteiro arbítrio de uma das partes sem a interferência de qualquer fator externo; é a cláusula si voluero, ou seja, se me aprouver".[2]

Também merece frisar que a arbitragem permite às partes um meio alternativo de solução dos litígios, podendo, qualquer delas, optar pela composição da demanda por meio do poder judiciário.

Nesse sentido faz-se oportuno trazer a guisa o entendimento esposado por Mario Luiz Elias Junior:

"Da leitura da Lei, observa-se que sempre quando houver lesão ou ameaça de direito patrimonial e a parte afetada não aceitar a arbitragem, restará aberta a possibilidade de se requerer a tutela estatal, ou seja, de acionar o Poder Judiciário, a quem cabe decidir a respeito da instituição da arbitragem na hipótese de resistência de uma das partes signatárias da cláusula compromissória"[3]. Grifo Nosso

Ademais, J. E. Carreira Alvim, em seu Tratado Geral da Arbitragem, tece as seguintes observações, (2003, pág. 213/214,

"...diz que a cláusula compromissória é ato mediante o qual as partes convencionam remeter a árbitros o conhecimento de todas ou de algumas das questões que surjam, no futuro, entre elas, relativas a matérias ou assuntos que assinalam, subtraindo-as dos tribunais de jurisdição ordinária (Arredondo). A cláusula consubstancia uma obrigação sujeita a condição, de que se produza, no futuro, controvérsia entre as partes. Precise-se, contudo, que para Arredondo o ato jurídico é o fato voluntário em que a vontade é dirigida à obtenção de um efeito jurídico determinado, sendo, portanto, um negócio jurídico de caráter bilateral.

Admitir-se o caráter de negócio jurídico da cláusula compromissária e do compromisso arbitral não infirma a sua natureza de pacto convencional, porquanto, na base de uma e outro está a vontade das partes, que, pela própria estrutura da arbitragem, se move em mais de uma direção, ora impulsionada por uma causa comum, imediata, cumprindo uma função processual, ora por causas opostas, mediatas, de satisfação do próprio interesse, na busca da realização da pretensão material.

Na maioria dos ordenamentos jurídicos, a cláusula compromissória tem definição legal, sendo, no direito brasileiro, 'a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato' (art. 4, LA). Trata-se de autêntica obrigação de fazer relativamente a litígio futuro, que pode ou não ocorrer, mas ocorrendo, pode ser mantido na via arbitral por acordo espontâneo das partes, ou judicialmente, se uma delas resistir em cumprir a cláusula compromissória".[4] – Grifo Nosso.

Vê-se, pois, que é necessário acordo espontâneo das partes.

Ademais, conforme o ensinamento do nobre doutrinador é possível o uso da via judiciária, caso uma das partes venha a resistir em cumprir a cláusula compromissória.

Merece nota, ainda, que o estudo da causa pelo poder judiciário é preceito com assento constitucional, conforme dispõe o art. 5, XXXV, da Constituição Federal, senão vejamos, verbis:

"Art. 5 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;"

Ademais, nesse sentido já firmou entendimento jurisprudência pátria:

"EMENTA:  AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUÍZO ARBITRAL. A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO QUE PREVÊ A ARBITRAGEM NÃO TEM O CONDÃO DE AFASTAR A DEMANDA JUDICIAL, PENA DE FERIR art. 5ª, inc. XXXV, da CF. LEGITIMIDADE ATIVA DA SEGUNDA AGRAVADA. Tem legitimidade ativa a parte que figura como interveniente garantidora das obrigações assumidas no contrato de locação objeto da demanda principal, em face da existência de contrato acessório de prestação de garantia, sendo principal devedora e responsável pelos valores avençados entre as partes. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70011513652, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Augusto Monte Lopes, Julgado em 01/06/2005) – Grifo Nosso.

Assim sendo, pecam aqueles que defendem a supremacia do julgamento de acordo com a lei de arbitragem, já que tal posicionamento fere, de morte, não só os dispositivos das leis infraconstitucionais, mas principalmente a própria Constituição Federal.

Bibliografia

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado – Parte geral; Tomo 5; 3ª edição; Rio de Janeiro: Editora Borsoi, 1970.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte geral; Volume 1; 34ª Edição; São Paulo: Editora: Saraiva, 2003, atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10-1-2002). P. 245.

Mario Luiz Elia Junior. Texto inserido no Jus Navigandi nº 1117 (23.7.2006).
Elaborado em 05.2006.



Autor: Gustavo Sirena


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