Crítica Textual do Novo Testamento



ESTUDO SOBRE OS MANUSCRITOS DO NOVO TESTAMENTO

INTRODUÇÃO

Durante quase 1500 anos, o Novo Testamento foi copiado à mão em papiro e pergaminho. Hoje, existem cerca de 5.500 manuscritos espalhados em museus e bibliotecas do mundo. Há desde pequenos fragmentos a Bíblias inteiras escritas em grego e o mais antigo manuscrito neotestamentário é um pedaço de João cap. 18, do Século II com apenas algumas palavras, descoberto no Egito e que provavelmente foi copiado do original.

Sabemos que não existem manuscritos autógrafos (escritos pelo próprio autor) de nenhum livro do Novo Testamento, diante disto, podemos nos fazer algumas perguntas:

1)As inúmeras versões existentes hoje são próximas ao original ou pretensamente iguais?

2)Até que ponto os textos discrepantes entre os manuscritos comprometem a mensagem geral inspirada.

3)Os textos duvidosos, acrescentados posteriormente são parte significativa ou não no contexto geral da Bíblia?

4)Quando lemos o NT, será que estamos lendo realmente os autores apostólicos? Não teria alguém no decorrer dos Séculos descumprido a ordem de Jesus em Apoc. 22.18 e 19?

Para responder a essas e outras perguntas que certamente irão surgir no decorrer do estudo, a disciplina usada é a Crítica Textual. Daí podemos ver o tipo do problema com que lida a crítica textual uma vez que o que está em jogo é a confiabilidade total do NT, e que como já foi dito, não existem mais os manuscritos originais, dependemos assim, de cópias e cópias das cópias dos textos-fontes escritos pelos autores apostólicos.

A Bíblia é plenamente inspirada por Deus na sua composição original, mas, a crítica textual do NT visa dar uma segurança ao leitor quanto à fidelidade das versões modernas, incluindo as versões em português que usamos.

Mas o que é a crítica textual? Antes devemos desmistificar a palavra "crítica". No contexto científico, diferente como no senso comum, crítica não é uma opinião negativa a respeito de algo, mas, uma análise metódica e científica com um propósito definido.

No estudo do texto bíblico, existem dois caminhos: A crítica textual (que estuda os diferentes manuscritos, suas variações textuais e versões) e a crítica histórica (que estuda as questões como composição, o autor, a data, o lugar e as circunstâncias em que foi escrita a obra em análise).

A crítica bíblica quando bem usada está a serviço da fé, com o objetivo de descobrir os fundamentos racionais e verdadeiros deixando de lado o dogmatismo e as presunções religiosas.

A razão para a perda prematura dos autógrafos neotestamentários certamente foi o uso intenso que estes escritos foram submetidos e a durabilidade do papiro antigo, não era muito maior que o nosso moderno papel, provavelmente os manuscritos foram lidos e relidos até se desfazerem completamente.

Por isso, alguns foram copiados antes de se deteriorarem por completo, essas cópias se transformaram em originais e assim sucessivamente, num processo contínuo que durou até a invenção da imprensa em meados do Século XV, neste processo de cópias, alguns erros foram cometidos, resultado natural das imperfeições humanas e à medida que se ampliavam os números de cópias, ampliaram-se as divergências entre elas e essas variações têm dado margem a céticos mal intencionados no que se diz respeito à pureza do texto original.

Uma paradoxialidade surge no estudo da crítica textual: O número de manuscritos chega a alguns milhares e seu estudo torna-se deveras difícil, mas, a enorme variedade de manuscritos permite uma maior solidez e confiabilidade no estudo pela análise baseada nas "colações" (comparação usando métodos lingüísticos) do texto.

Essencialmente, o NT estava completo antes do final do ano 100, sendo que a maioria dos livros foi escrita entre 20 e 50 anos antes e a maioria das cópias existentes hoje, as mais completas são do Séc. IV, uma distância de apenas cerca de 300 anos. Pode parecer muito, mas, as grandes

obras clássicas dos gregos, que não são nunca questionadas em sua autenticidade, ultrapassam os 1000 anos da morte de Eurípedes, Sófocles, Ésquilo e Tucídites, e um tempo um pouco menor para Platão. Já para os grandes autores latinos como Terêncio e Tito Lívio, 700 e 500 anos respectivamente.

Além do grande número de manuscritos próximos, temos o testemunho e as citações dos Pais de Igreja que usavam profusamente os manuscritos. Os problemas da crítica textual são maiores devido à superabundância de fontes e não da falta delas.

Apesar destas dificuldades, devemos enfatizar que as variantes textuais dizem respeito a questões de pouca ou nenhuma importância. São variações relativas de ordem de palavras na frase, uso de diferentes preposições, conjunções, acompanhamentos de determinados verbos ou o uso de alguns sinônimos e essas variações, não afetam nenhum ponto importante e representam em termos quantitativos menos de 2% do texto total. Assim, seja na análise do fato histórico, seja em questão de fé e prática, podemos confiar plenamente no que temos em mãos hoje.

OS MANUSCRITOS

Quando manuseamos hoje um exemplar das Escrituras Sagradas, temos em mãos, as mais modernas técnicas gráficas e editoriais e não nos demos conta dos estágios primitivos por que passaram as Escrituras, tanto no preparo quanto na transmissão do texto.

Até a invenção da imprensa, o texto era transmitido através de um processo laborioso de cópias manuais em que eram empregados materiais rústicos como peles de animais. Os pergaminhos eram feitos de peles de ovelhas ou carneiros que após serem banhadas com cal, eram raspadas e colocadas para secar em uma moldura de madeira, depois de secas, as folhas eram costuradas e enroladas em hastes de madeira, formando um rolo que poderia ter até 10 metros de comprimento.

A escrita sobre o pergaminho era feita com estiletes de cobre, bronze ou penas de ganso.

Por ser caro, às vezes os pergaminhos eram raspados para dar lugar a um escrito mais importante (palimpsesto). Como para a crítica textual o escrito mais antigo é mais importante, foram criadas técnicas não destrutivas para recuperar o texto anterior. O nome pergaminho, provavelmente se deriva da cidade de Pérgamo, na Ásia menor, onde o processo foi criado.

opapiro, é uma planta com um caule mais ou menos da espessura de um punho, abundante no Rio Nilo, no Jordão e nas margens do lago Hulé na Fenícia (Jó 8.11), ele era batido e lavado, as fibras eram cortadas em tiras e colocadas em duas camadas transversais que eram alisadas postas a secar, depois de secas, era passada uma resina vegetal que colava as camadas.Após isso, as folhas eram coladas umas as outras formando um rolo.

Já os Códices, se originaram em Roma no início da era cristã, a palavra tem origem latina e não tem equivalente em grego, as folhas de papiro eram costuradas em forma de livros e se tornou largamente aceita pela facilidade de manuseio, um códice podia conter todos os evangelhos e todas as epístolas em um só livro a um custo muito inferior ao rolo de papiro ou mais ainda do pergaminho.

TIPOS DE ESCRITA

Os mais antigos manuscritos do NT estão escritos em grego na forma em que eram feitos os documentos literários: A escrita uncial ou maiúscula, eram sempre escritos em papiro até o Século IV, são conhecidos e catalogados 96 fragmentos de códices. Eram letras grandes e regulares separadas umas das outras. É uma escrita bela e de fácil leitura.

Havia também a escrita cursiva, com letras menores e ligadas umas às outras, usada para correspondência particular e escritos corriqueiros, contratos e testamentos. Podemos supor que os manuscritos originais foram escritos de forma uncial porque o papiro dificultava a escrita de forma cursiva devido às suas irregularidades.

FORMATO E DIAGRAMAÇÃO

Os milhares de manuscritos bíblicos apresentam uma grande variedade de tamanho e forma. Geralmente os destinados a uso privado eram menores e os destinados a uso litúrgico, tinham tamanho maior. Dois dos mais importantes códices são os identificados como Vaticano, feito em pergaminho, consiste de 759 folhas, contém quase todo o AT e a maior parte do NT: Só faltam Hb. 9.15a 13.25, I e II Timóteo, Tito, Filemon e Apocalipse. Foi escrito no início do Século IV, em três colunas por página, com letras pequenas e claras, de rara beleza, entrou para a Biblioteca do Vaticano em 1475 e seu manuseio e estudo só foi autorizado em 1857, e o Sinaítico, descoberto em meados do Século XIX por Constantin von Tischendorf, é feito em pergaminho de excelente qualidade e contém em 347 folhas boa parte do AT e todo o NT. Foi escrito por três escribas no Egito na primeira metade do Século IV, a escrita é bela e sem figuras, com quatro colunas de texto por página.

Já o códice Alexandrino (porque foi escrito no início do Século V provavelmente em Alexandria, no Egito) foi feito em pergaminho fino, consiste de 773 páginas e contém todo o AT e quase todo o NT, só faltando o último capítulo de Mateus, João e todo o livro de II Coríntios, sendo o melhor manuscrito no que diz respeito o livro de Apocalipse.

OS MANUSCRITOS GREGOS

O mais antigo conhecido é o Papiro Rylands , é um pequeno fragmento adquirido no Egito em 1920 por P. Grenfell para a Biblioteca John Rylands da Inglaterra. Com cerca de 6,5 x 8,5 cm, contém parte de João 18.31 a 33 de um lado e 37 e 38 do outro numa forma de escrita do início do Século II. É o mais antigo fragmento de manuscrito de João conhecido e certamente foi copiado do original, daí sua importância.

Já os Papiros Bodmer II a XV, integram o grupo dos mais importantes e preciosos para a crítica textual, foram adquiridos no Egito por Martin Bodmer para a biblioteca que leva seu nome em Genebra, foi escrito de maneira um tanto quanto descuidada no final do Século II ou início do III. Tem todo o evangelho de João, Lucas, I e II Pedro, Judas e outros escritos apócrifos como o Conto da Natividade de Maria, o fragmento de um hino, a homilia de Melito sobre a Páscoa e fragmentos de Salmos 33 e 34.

O Papiro Chester Beatth tem este nome por causa de seu descobridor que o encontrou no Egito em 1930. Hoje está no Museu Beatth em Dublim. Tem 134 folhas que contém os quatro evangelhos, Atos, todas as epístolas de Paulo, só faltando as pastorais. É datado no final do Século II ou início do III. A escrita é pequena e numa única coluna. A importância deste manuscrito é seu testemunho da importância das epístolas paulinas e Hebreus cerca de um Século antes de surgirem os primeiros unciais.

O Códice Efraimita é um palimpsesto, o mais importante do NT, foi escrito no Século V no Egito e foi trazido para a Europa no Século XVI. Contém toda a Bíblia com uma coluna de texto por página. Foi escrito de forma relativamente descuidada. O texto original foi decifrado numa difícil tarefa por Tischendorf e encontra-se na Biblioteca Nacional de Paris.

O Códice Beza é o mais antigo códice bilíngüe do NT, foi escrito no final do Século V, provavelmente Europa ocidental, consiste de 406 páginas e contém em duas colunas por página, o texto grego e a tradução para o latim. Contém todos os evangelhos, a maior parte do livro de Atos e todas as epístolas católicas, menos III João. O manuscrito estava em Lion na França em 1552 quando o Mosteiro de Santo Irineu foi saqueado pelos huguenotes e entregue a Teodoro Beza, um discípulo de Calvino, em 1581, Beza o doou à Biblioteca da Universidade de Cambridge, onde se encontra até hoje.

Os Lecionários eram os manuscritos gregos com porções do NT destinadas à leitura nos serviços de culto, prática herdada das sinagogas, onde trechos da lei e dos profetas eram lidos nas reuniões. Usavam-se principalmente os evangelhos, Atos e as epístolas, passagens arranjadas de modo a permitir seu uso de acordo com os dias da semana. Eram confeccionados em pergaminho e escrita mista (uncial e minúscula), o livro de apocalipse não se encontra em nenhum dos 2280 lecionários conhecidos e são também os manuscritos menos estudados pela crítica textual devido à sua finalidade de culto.

Os Óstracos, outro material de escrita usado na antiguidade, são fragmentos de jarros quebrados ou porcelana. Milhares deles foram encontrados no Egito e na palestina, continham frases curtas escritas com objetos pontiagudos, são recibos, receitas, testamentos, enfim, a literatura do dia a dia dos que não podiam comprar o papiro. Muitas porções de versículos foram encontrados em óstracos, principalmente narrativas da paixão de Cristo e fragmentos do Sermão do Monte. São de pouca ou nenhuma importância para a crítica textual.

Os Talismãs são o último grupo dos manuscritos. Eram uma espécie de amuleto, preparados em madeira, cerâmica, pedaços de pergaminho ou papiro contendo pequenas porções das escrituras e foram feitos entre os Séculos IV ao XIII. Por se destinarem de proteção contra o mal, o trecho mais usado é o pai-nosso; não possuem valor para a crítica textual. As versões modernas são as caixinhas de "Promessas Sagradas" ou bíblias em miniatura, usadas por algumas famílias ainda hoje.

ANTIGAS VERSÕES

Depois dos manuscritos gregos, a maior fonte de estudo para a crítica textual do NT são as antigas versões que surgiram em função do crescimento do cristianismo nas diversas regiões do Império Romano, onde os diversos grupos étnicos não dominavam a língua original dos escritos do NT. Tais versões começaram a aparecer já no II Século. As mais importantes são a siríaca, a latina e a copta.

O siríaco era falado na Síria, Mesopotâmia na Palestina. Como a Igreja rapidamente entrou nestas regiões onde surgiram grandes centros cristãos como Antioquia e Edessa que não dominavam o grego, surgindo assim, a necessidade da versão para a língua local. Aceita-se que as primeiras versões foram feitas por volta do ano 150, ou pouco depois.

As versões latinas que se distinguem são duas: a Antiga Latina, feita até o final do Século IV e a Vulgata Latina, preparada por Jerônimo entre 383 e 405. As evidências indicam que surgiram no norte da África, provavelmente em Cartago e que daí, espalharam-se pela Europa como na Itália, Gália, e Espanha, locais onde a língua predominante era o latim. Portanto, as versões latinas, são divididas em dois grupos: a africana, mais fluída e livre e a européia, uma nova versão, um pouco mais elaborada.

Para o AT, Jerônimo baseou-se em manuscritos hebraicos, mas, para o NT, apenas revisou traduções latinas existentes. Em vista disto, as versões baseadas na Vulgata, devem ser usadas com cautela. Esta versão foi alcançando muito lentamente aceitação, até que no século VIII e IX, impô-se de modo universal, a Vulgata Latina continuou sendo usada e copiada até o Século XIII. O título de "Vulgata" significa comum, ou de uso público.

O copta representa o último estágio de desenvolvimento da antiga língua egípcia, que consistia de diversos dialetos e era escrito com caracteres gregos misturados com as línguas locais, devido à grande colônia judaica no Egito, o cristianismo lá entrou cedo, particularmente em Alexandria.

Há ainda um bom número de antigas versões do NT como a Gótica, a Armênia, a Georgiana, a Nubiana, a Arábica e a Eslava, mas, de menor importância para a crítica textual por não haverem sido traduzidas de manuscritos gregos.

O último grupo de documentos do NT são as citações patrísticas, são comentários, sermões, cartas e outros trabalhos dos escritores cristãos, os chamados Pais da Igreja entre os Séculos IV e V. São tão numerosas que praticamente se poderia reconstituir o NT com elas, mesmo sem a ajuda dos manuscritos gregos. A dificuldade é que essas citações foram feitas de memória, pelo que são inexatas e breves.

A FORMAÇÃO DO CÂNON E A HISTÓRIA DO TEXTO ESCRITO

Nos primórdios do cristianismo, quando ele não contava com a simpatia nem judaica nem romana, os livros do NT, incluindo-se os autógrafos, nem sempre contaram com as melhores condições para serem preparados. À exceção de Lucas que valeu-se de sua condição intelectual e suporte financeiro que lhe permitiu um melhor esmero no preparo de seus livros( Ver Lc. 1.1-4; At. 1.1). Paulo também era erudito, mas tinha uma deficiência visual e algumas de suas cartas, foram escritas na prisão, evidentemente sob condições adversas. Algumas vezes, usaram os serviços de "amanuenses" ou irmãos bem intencionados, contudo, é pouco provável que fossem escribas profissionais.

Os originais, certamente começaram a ser reproduzidos ainda no período apostólico (ver Col. 4.16; 2 Pe 3.15,16) e as primeiras variantes textuais logo começaram a surgir e a se multiplicar nas cópias seguintes e em se tratando de obras normalmente extensas, é de se prever que ocorram imperfeições. Ainda ocorria outro problema: as cópias eram manuseadas intensamente e poderiam ser facilmente mutiladas, especialmente nas partes iniciais e finais.

Outra fonte de divergências era que os antigos cristãos não tinham o mesmo cuidado que os judeus com os escritos e não demonstravam a mesma veneração, o fato vem de que os escritos ainda não terem sido aceitos como "Escritura Sagrada".

Somente a partir de 150 que Justino começa a enquadrar as "memórias dos apóstolos" na mesma categoria dos livros do AT e depois dele, Clemente, Inácio, Policarpo e outros passaram a demonstrar grande veneração com os escritos apostólicos, mesmo com o cânon ainda não estando definido. Este processo se estendeu até o final do Século IV e os primeiros concílios eclesiásticos que visavam classificar os livros realizaram-se em Hipona, em 393 e Cartago, em 397. Há que se ressaltar que esses concílios não impuseram algo novo às comunidades cristãs, mas sacramentar o que já era prática.

O TEXTO IMPRESSO

Nos Séculos XV e XVI, dois fatores contribuíram para uma nova fase na história textual do NT, a imprensa, que tornou os trabalhos de reprodução textual mais rápidos e baratos, além de acabar com os erros de transcrição.

O segundo fator foi o movimento renascentista que redescobriu os valores artísticos e literários da Antiguidade Clássica, como conseqüência, os escritos gregos serviram para se revisar a Vulgata, abrindo caminho para o surgimento da crítica textual.

Através de Gutemberg, o alemão que inventou a imprensa, a Bíblia foi impressa, mas, era a Vulgata de Jerônimo em dois volumes e nos outros 50 anos, pelo menos outras cem edições se seguiram. O texto impresso em grego demorou mais duas décadas para ser reproduzido devido às dificuldades de se fazerem caracteres gregos confiáveis, isso só foi conseguido por volta de 1510 por Francisco Ximenes de Cisneros (1437-1517), cardeal e arcebispo de Toledo.

Nesta mesma época, o famoso escritor e humanista holandês Erasmo de Roterdã, produziu o primeiro NT em grego que chegou ao domínio público, sendo muito bem remunerado por um editor da Basiléia e em 1516, a primeira edição dedicada ao Papa Leão X estava pronta.

Os manuscritos usados por Erasmo eram limitados e do Século XII e contentou-se com outros três manuscritos usando a Vulgata Latina para completar alguns versículos ilegíveis. Esta edição, por ter sido elaborada com relativa pressa, veio com alguns erros tipográficos que foram corrigidos nas versões posteriores.

A segunda edição foi a base da tradução do NT para o alemão por Martinho Lutero. A obra de Erasmo sofreu muitas críticas devido a alguns comentários sobre a tradução, as diferenças em relação à consagrada Vulgata e comentários pessoais de Erasmo sobre a vida de alguns sacerdotes nas notas filológicas.

Do ponto de vista crítico, o texto de Erasmo, era inferior ao de Ximenes, mas, por ter sido escrito primeiro e por ser mais barato, alcançou maior aceitação. O texto de Erasmo fixou-se sendo impresso pela Sociedade Bíblica Britânica servindo de base para todas as principais traduções protestantes de 1633 até 1881, inclusive a de João Ferreira de Almeida em sua edição Revista e Corrigida, nome que tem desde 1898, muito usada em nossas Igrejas ainda hoje.

AS EDIÇÕES MODERNAS

Durante o Século XIX, a predominância do texto de Erasmo foi interrompida e os esforços dos pesquisadores de dois Séculos anteriores foi finalmente reconhecido, assim, a crítica textual foi reconhecida como ciência ou seja: o uso de princípios metodológicos, o tratamento científico das fontes, organização e datação de manuscritos baseados nas modernas técnicas de epigrafia, etc. Apesar disto, os críticos ainda estavam procurando um texto o mais próximo possível do original. O rompimento definitivo com o texto recebido, mesmo sob muitos protestos, fez surgir o período moderno da crítica textual.

Muitos pesquisadores se destacaram no estudo da moderna crítica textual:

* Karl Lachmann (1793-1851), professor de Filologia Clássica na Universidade de Berlin, foi o primeiro a aplicar as técnicas da pesquisa textual, em 1830, propôs-se a reconstruir o texto original, usando manuscritos do Século IV, manuscritos unciais e as versões da Antiga Latina e da Vulgata, perseguindo este objetivo por cinco anos, usou além destes manuscritos, as citações de Irineu, Orígenes, Cipriano. A recepção de seu trabalho não foi boa, foi criticado pela limitação de suas fontes, mas, posteriormente, seu trabalho foi reconhecido e valorizado por ter sido o primeiro a usar técnicas modernas de reconstrução textual.

* Constantin von Tischendorf (1815-1874) de Leipzig. É o homem a quem mais deve a crítica moderna textual do NT. Iniciou suas pesquisas com apenas 25 anos e se considerava um "comissionado" a restaurar o texto autógrafo, descobriu em suas viagens ao Oriente Médio, centenas de manuscritos, salvando muitos da destruição. Escreveu cerca de 150 livros e artigos sobre crítica textual. Entre 1841 e 1842, preparou uma excelente edição do NT em grego com 16 edições. Um material valioso até os dias de hoje. Em 1859, Tischendorf fez uma revisão no seu trabalho baseado no Códice Sinaítico, uma descoberta sua, por sinal; representando um retorno de seu trabalho ao final do IV Século.

* Samuel P. Tregelles (1813-1875), foi contemporâneo de Tischendorf, foi outro que advogou o uso do texto crítico em detrimento ao recebido. Seu interesse pela crítica bíblica começou quando tinha menos de 20 anos de idade e depois de dezenas de anos de trabalho, publicou em Londres em 1872 sua edição crítica. Empreendeu várias viagens pela Europa procurando manuscritos e fez as colações de maneira tão criteriosa, fazendo diversas correções no texto recebido, usando também citações patrísticas e antigas versões.

 

 

 

 

 

* Brooke Westcott (1825-1901) e Fenton Hort (1828-1892), professores de Teologia na Universidade de Cambridge, publicaram em 1891 a mais notável edição do NT grego até então, resultado de um trabalho de 28 anos baseado no Códice Vaticano. Aperfeiçoaram os princípios metodológicos e os aplicaram na reconstrução do texto com imparcialidade. Esta versão foi aceita em 1904 pela Sociedade Bíblica Britânica, a maior e mais influente da época.

* Herman von Soden (1852-1914), americano que era pastor e professor em Berlim quando publicou de surpresa, uma monumental obra crítica do NT em 1913.Com um patrocínio forte,

enviou 40 estudantes aos mosteiros e bibliotecas do Oriente e Europa para coletarem manuscritos e um grande número de colações foi possível, mas, as fontes foram tantas que seu trabalho acabou se tornando um retrocesso em relação aos trabalhos anteriores.

* Erwin Nestle (1883-1972), lançou em 1927 uma excelente obra, dando continuidade aos estudos dos críticos anteriores, remodelando e comparando estas obras com as citações patrísticas e manuscritos recentemente descobertos revisou a versão alemã de Lutero e em 1940, a Imprensa Bíblica Brasileira, recém fundada, iniciou uma revisão no texto da tradução de Almeida, usando como base os textos gregos de Nestle e Westcott/Hort que ficou pronta em 1949 e que só sairia na chamada Versão Revisada em 1967. A versão Revista e Atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil, também foi feita baseada na versão de Nestle.

* Augustin Merk (1869-1945), pesquisador católico publicou em 1933 o Novum Testamentum Graece et Latine pelo Instituto Bíblico de Roma, revelava uma grande influência da Vulgata Latina, mas, o aparato crítico era de excelente qualidade com o uso de manuscritos minúsculos e citações de Taciano. Posteriormente em 1964, apareceu uma edição póstuma com algumas revisões baseadas em alguns manuscritos estudados sendo a obra reimpressa em 1984. Os tradutores da Bíblia de Jerusalém, lançada em português em 1981, fizeram largo uso das edições de Merck.

* Kurt Aland, um dos maiores nomes da crítica textual do NT do Século XX, apareceu em 1952 como um editor associado ao texto de Nestle. Em 1979, o "Nestle-Aland" como ficou conhecido, dirimiu algumas diferenças textuais com a co-edição de Bárbara Aland quando sua contribuição demonstrou pela primeira vez para o leitor que o que estava lendo vinha diretamente dos manuscritos e não de outras versões. Por isso, e por ser abrangente e ao mesmo tempo compacto, continua sendo o NT grego mais apreciado e usado pelos pesquisadores em geral.

* Eugene A. Nida, Secretário do Departamento de Traduções da Sociedade BíblicaAmericana, foi o organizador de um projeto que em 1966 lançou o The Greek NewTestament, edição crítica do NT destinada a satisfazer as exigências dos tradutores daBíblia em todo o mundo, servindo de padrão para traduções para muitas línguas que ainda não tinham versões próprias. Em vista disto, no aparato crítico só foram incluídas variantes sem maior importância exegética e feitas algumas revisões na pontuação para facilitar a tradução para línguas mais modernas. O trabalho foi terminado em 1968 e apresentou uma edição com poucas variações textuais. Em 1975 fez uma nova revisão que serviu de base para o Novo Testamento na Linguagem de Hoje, lançado em 1988 pela Sociedade Bíblica do Brasil. Um texto moderno e confiável, embora alguns estudiosos preferissem que ele fosse menos interpretativo.

CONCLUSÃO

Assim, depois de mais de 500 anos da invenção da imprensa, mais de mil edições surgidas após Erasmo e centenas de estudos, a crítica textual do NT chegou a um estágio de desenvolvimento que a concordância entre os estudiosos quanto ao texto é tão grande que mesmo que uma nova edição venha a surgir e divergir em alguns pontos, o texto que temos hoje é plenamente aceito e as descobertas comprovam que o número de variações é por demais pequeno para desacreditar a obra como um todo, assim, temos hoje certeza que o nosso NT deve estar bem próximo do texto primitivo dos escritos que foram incluídos no cânon.

BIBLIOGRAFIA

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HALE, Broadus David. Introdução ao estudo do Novo Testamento. Ed. rev. amp. Rio de Janeiro, Juerp, 1986.

MEIN, John. A Bíblia e como chegou até nós. Rio de Janeiro, Juerp, 1990.

WALKER, Williston. História da Igreja Cristã. 3. ed. Rio de Janeiro, Juerp; São Paulo, Aste, 1981.

PAROSCHI, Wilson. Crítica Textual do Novo Testamento. 2 ed. São Paulo, Sociedade Religiosa Edições Vida Nova; São Paulo, 1993.


Autor: Francisco Gonçalves Lopes


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