Educação - As regras do jogo mudaram - Artur Victoria projecta o Colégio Luso Internacional do Porto



Antes da entrada no século XXI as regras do jogo – na area da educação mudaram. O próprio jogo é tão diferente que muitas vezes não possuímos as habilidades necessárias para conseguir perceber os seus objectivos. A saída lógica reside na análise e no estudo aprofundado das situações, na conceptualização de novos paradigmas capazes de explicarem as realidades emergentes. Daí a primazia da educação como veículo libertador de medos e esclarecedor dos caminhos a percorrer.

O processo educativo capaz de alcançar estes objectivos tem de ser fundamentado na visão do mundo como um todo, na aceitação equãnime da diversidade cultural e linguística, na afirmação do valor devidamente reconhecido da cultura de cada indivíduo e de cada grupo, na concepção do ser humano e do agregado social como organismos em desenvolvimento contínuo. Este novo conceito de processo educativo tem surgido em formas diversas e mais ou menos completas, como sejam educação multi - cultural, multilinguística, mais vulgarmente como educação internacional.

Para muitos, educação internacional pode a princípio não parecer mais do que um bom programa de línguas (ou não seja o turismo uma fonte de riqueza importante), de conhecimentos de geografia adequados, de mantermos aquelas virtudes de cordialidade e de hospitalidade com que nós, Portugueses, sempre gostamos de nos caracterizar. Educação internacional pode ainda parecer para outros, a busca de se saber o que passa na arena internacional, o desenvolvimento de um bom plano de estudos contemporãneos.

Será ainda para muitos uma espécie de Arca de Noé, onde se arrebanham alunos das mais variadas partes para se lhes ensinar história e geografia, matemática e física, em todas as línguas, ou numa língua franca pré - estabelecida.

Será ainda para tantos, o prov idenciar uma educação adequada ao número sempre crescente de alunos marginalizados: a criança imigrante recém chegada que não pode funcionar bem em português, o filho ou filha do homem ou mulher de negócios, euroburocrata, ou diplomata estrangeiro que aqui chega.

Será ainda para quantos a realização da urbs cosmopolita e consciente da variedade e da riqueza da gente de muitas partes.

Todas estas propostas, se bem que parcialmente válidas, não conseguem responder cabalmente aos problemas, ansiedades, e desafios que nos são constantemente lançados. A falta de preparação que caracteriza a nossa tentativa de resposta às exigências do mundo dos nossos dias reflecte-se nos medos e terrores de que falámos há pouco, e que se traduzem quantas vezes na emergência do lado negro da nossa humanidade frágil: nos sentimentos de racismo desumanizante, nos complexos de superioridade e de inferioridade étnicas paralizadores, nos chauvinismos inúteis que dilaceram a temporalidade efémera da nossa existência.

A recuperação do controle da nossa realidade inclui um processo educativo dinâmico que prepare homens e mulheres para uma sociedade onde as hierarquias não sejam tanto hierarquias de poder impositor, mas hierarquias de cooperação, onde as diferenças não sejam motivo de discriminação, mas circunstãncias catalizadoras de desenvolvimento, onde o conceito de unidade não seja sinónimo absoluto de uniformidade. A metáfora da aldeia global parece, pois, bastante apropriada.

Uma aldeia não se caracteriza por pessoas - cópias umas das outras. Antes, cada aldeão, cada membro da comunidade, tem uma fisionomia única, ocupa um lugar bem definido, possui uma personalidade, ao mesmo tempo, distinta e socialmente viável. A aldeia, ao invés da cidade, coopera mais do que compete, e o seu progresso é geralmente o resultado dum esforço comum. Quer isto dizer, que o mundo do futuro vai ser a Nova Jerusalém, a Civitas Dei, a sociedade utópica revisitada? Claro que não. O que é certo, é que o mundo, tal qual o conhecemos, já não é mais. Em seu lugar há algo de diferente, que, no fazer da história, nós criámos. Esse acto de criação, se bem que autêntico, não é aparentemente percebível.

E porquê?

A visão paradigmática que nos últimos trezentos anos nos tem servido de instrumento ordenador da realidade, é altamente impessoal e mecanicista. O problema fundamental do século XVII caracterizava - se pela preocupação com a noção de ordem, quer intelectual, quer social. O mundo era concebido como um conjunto de forças em competição constante, exigindo, por isso, o estabelecimento de ordem para que a harmonia reinasse e o progresso fruísse.

Este paradigma, cuja metáfora reveladora é a noção de máquina, crismado por Joanna Macy de "patriarcal", por Don Oliver de "modernidade" e por Richard Katz de "paradigma da escassez," inclui também  o conceito de causa única - efeito único, com a inferência de que todas as relações humanas são percebidas como ocorrendo numa progressão linear de causa e efeito. Para além das ciências sociais, este paradigma informou até muito recentemente toda a metodologia das ciências modernas. Seth Kreisberg, num brilhante estudo sobre este assunto, diz o seguinte:

A visão duma sociedade constituída por entidades separadas e competidoras, reforça, ou talvez cria, a noção de que poder significa defesas fortes, invulnerabilidade, inflexibilidade, em resumo, domínio. O poder consiste em entidades separadas lutando entre si por fortalecimento, controle, superioridade, e pelos seus interesses próprios.

Este conceito de poder,  - poder¬impositor (em inglês, "power over"), enunciado na época moderna por Hobbes e continuado por Max Weber, Bertrand Russell e outros, parece relacionado com formas menos desenvolvidas de relacionamento humano, e tem servido de justificação moral a muitos actos de agressão política e social. No modelo mecanicista, qualquer tentativa de prevença-o da desordem, ou de restauração da ordem, é considerada como "boa", dado que tal esforço é exercido para a realização do bem último da comunidade.

O bem último da comunidade não é, todavia, o resultado dum consenso estabelecido por uma sociedade dinâmica. No modelo mecanicista, o bem último da sociedade é um conceito estático e prescrito.

As nossas escolas funcionam ainda de acordo com este modelo. A função educacional é concebida como um aglomerado de elementos distintos: professores que sabem e que ensinam, alunos que não sabem e que aprendem, administradores que sabem mais do que ninguém e que mandam. O currículo, prescrito e intocável, passa do professor para o aluno como um testamento bíblico a ser ditado, recolhido, e reproduzido pontualmente Qualquer desvio desta norma é considerado como um acto mais ou menos subversivo, merecedor de correção e de castigo.

Professores e alunos são assim considerados como entidades competidoras a serem mediadas pelo currículo. Daí que na escola tradicional qualquer reforma significa , acima de tudo, uma revisão curricular, ou, quando muito, uma revisão da hierarquia. A análise das relações entre as diferentes entidades raramente é concebida em termos horizontais: a piramide permanece, neste modelo, como a figura gráfica desse relacionamento.


Autor: Artur Victoria


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