A VACA



Era uma terça-feira, dia de quente sol, tempo extremamente tórrido. Como não agüentava mesmo o sufocante calor, tomei um banho e fui a um bar tomar uma boa fria e conversar com uns amigos quando ele chegou. Sujeito baixo, bigodudo, mal vestido, calçado apenas com um chinelo, último modelo. Sim, último, pois o primeiro jamais calçara. Veio conversar comigo. Falou da mulher, da crise financeira do país, do governo (grande novidade), dos problemas do dia a dia. Eu não estava muito interessado no que ele dizia. De repente ele me ofereceu o porco. Lutou bravamente para que eu ficasse com o porco. Eu não estava a fim de comprar nada, muito menos pagar alguma coisa. Ele insistiu, disse que precisava vender aquilo, pois tinha mulher e filhos( como se eu tivesse alguma culpa sobre isto), que era o único jeito, o único recurso que tinha ele para manter a vida. E me ofereceu o porco, eu não queria saber de porco algum. Caso eu precisasse comprar alguma coisa, preferiria comprar uma vaca. Não me dava muito bem com porco.

No mesmo instante ele me ofereceu uma vaca. Uma vaca inteira. Gavava a vaca dele, disse que eu tinha bom gosto, com esta vaca eu poderia formar até um rebanho, ou melhor, poderia até mesmo formar uma fazenda. Não sei onde fui-me meter falando que preferiria uma vaca. O moço não largou mais do meu pé. Vendo que não tinha outra saída e para me ver livre do homem, comprei a vaca. Ele foi embora. Eu meti a vaca no bolso e continuei conversando com os amigos. Em casa tirei a roupa, juntei outras peças, mandei para a lavanderia. Esqueci-me da vaca no bolso da calça. A lavadeira lavou toda a roupa, passou-a direitinho com a vaca e tudo sem perceber de nada. Eu fiquei meio preocupado e... se a lavadeira achasse a vaca no bolso da calça? Provavelmente ela não ma devolveria. No finalzinho da tarde ela trouxe a roupa. Fui direto dar uma olhada no bolso da calça. Lá estava a vaca toda amarrotada, porém perfeita ainda. E eu que já estava com medo de ter perdido o rebanho que iria formar com aquela vaca.

Peguei a vaca cuidadosamente, passei-a a ferro, coloquei dentro de um livro e pus o livro na estante. No outro dia chega uma moça e me toma um livro emprestado e foi exatamente aquele da vaca. Lá se vai o livro com vaca e tudo. Só que eu aí esqueci-me de quem carregara o livro com a vaca. Procurei a vaca em todo canto da casa, procurei no lixo, indaguei dos vizinhos e nada. Ninguém dava notícia da vaca, ninguém vira vaca alguma por aquelas bandas, aliás eles sabiam muito bem que eu não morria de amores por animais. Após realizar uma pesquisa apurada no bairro, aparece a garota que emprestara o livro. Havia feito o trabalho, elogiou o livro, disse que era bom, fizera todo o trabalho, que iria tirar uma boa nota, que agradeceria muito e blá...blá...blá...blé...blé...blé... Eu nem ligava com o que a garota me dizia, já me acostumara com todo este lenga-lenga a respeito de meus livros, que não é por serem meus, mas são bons mesmo. Eu quase dormia no sofá quando a moça me agradeceu de novo, disse que eu a salvara de um zero, que empregara o livro para o José, um colega seu, ele também estava fazendo o trabalho. Disse que o colega era muito bom, gente finíssima, me entregaria o livro sem falta. Não gostei muito, mas com tanta garantia acedi. Ela ia saindo quando... " Ah, sim! No livro tinha uma vaca". Caí das nuvens. Quis saber imediatamente onde morava o fulano. Corri à casa dele procurando pela vaca. Encontrei-o estudando. Emprestara o livro à Sabastiana, coitada, também estava fazendo o trabalho. A Sebastiana entregou o livro ao Fernando, um estudante cobrador de ônibus que também estava fazendo o trabalho. Na casa dele me disseram que fora trabalhar e levara o livro. Danei-me para a empresa. Peguei o itinerário dele, porém quando eu ia para o norte, ele descia para o sul e vice-versa. Por azar com a minha vaca no ônibus. Quando o encontrei, o relógio passava das cinco. O livro não estava mais com ele, emprestara ao professor, que gostou da obra e iria retirar alguns dados dele. O livro estava lá, mas a vaca sumira. Disse o professor que jogara a vaca no lixo, pois achou que aquilo não prestava mais. Fui no departamento de obras da prefeitura e lá obtive informações sobre o lugar em que colocavam o livro. Procurei a vaca no lixo o dia inteiro, nada. No outro dia pus anúncio na TV, nos jornais a respeito de minha vaca. Daria uma boa parcela de dinheiro a quem a encontrasse. Apareceu gente de todo lado, todos no lixo procurando a vaca. Apareceu vaca de todo o tipo e idade e touro e cachorro e veados e principalmente porcos. Como tinha coisa porca naquele lixo! Minha vaca, nada.

Com a cabeça baixo por perder a vaca, retornei para casa. Já me propusera a esquecer a vaca e o rebanho todo, porém pensava muito nos últimos acontecimentos. Onde se metera aquela vaca?

Um dia, quando já nem pensava mais naquilo, voltei ao mesmo bar, encontrei os mesmos amigos, conversei os mesmos assuntos, pois fazia o mesmo calor e apareceu-me o mesmo homem e novamente me ofereceu o porco. Eu não quis saber de porco. Ele me ofereceu a vaca. Narrei a ele tudo o que me passara a respeito da vaca anterior. Ele disse que já sabia de tudo, que lhe contaram tudo, que ficou muito chateado comigo por não ter responsabilidade e não guardar as coisas como devia. Era bom para aprender e insistiu para ficar com a nova vaca, que desta vez eu montaria um rebanho, disse ele que tinha certeza. Como eu me mantinha totalmente chateado, ele me mostrou a vaca. Um brilho nos meus olhos se fez presente. Ali estava minha vaca. Tomei a vaca das mãos do homem, beijei a vaca, olhei bem a vaca e perguntei que bicho dera na semana anterior: "Vaca, senhor". Esta vaca que está na sua mão. Quase caí da cadeira. Estava explicada a minha paixão por aquela vaca. Agradeci bem ao homem, perguntei que presente queria por achar a minha vaca. Não queria nada. Só que eu teria que comprar dele todas as vacas que aparecessem dali por diante. Concordei com ele, achei até muito justo e passei a comprar-lhe todos os bilhetes de loteria que indicassem vaca. Apesar de ter minha fazenda de porcos, estou quase ficando pobre novamente, pois não sei onde o homem arruma tanto bilhete de vaca para me vender. E eu, coitado, nunca mais fui sorteado com bilhete de vaca. Estou quase voltando para os porcos.


Autor: Henrique Araújo


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