Os Males da Socialização no Brasil



Muitos dos problemas que tornam o Brasil um país socialmente doente têm uma raiz em comum: a socialização. Violência, alienação, individualismo excessivo, corrupção e desonestidades, "alcoolismo social", muitas são as patologias que surgem do perverso modo como as pessoas são integradas à sociedade e "educadas" pelas relações sociais vivenciadas ao longo da vida, desde a primeira infância até a vida adulta.

Combinado ou não com a educação capenga existente, o processo socializatório proporcionado pelo universo sociocultural brasileiro é o maior responsável por determinar os comportamentos e valores que cada pessoa vai seguir por grande parte de sua vida, se não pelo restante dela, com poucas chances de reversão pessoal.

A verdade é que muitos e muitos indivíduos estão sendo corrompidos por valores e realidades pessoais bastante perversos, ao melhor estilo Rousseau ("O ser humano nasce bom, a sociedade o corrompe"). Preceitos nocivos, como a "desonestidade esperta" e o "alcoolismo social", semeiam costumes perigosos que muitas vezes evoluem a crimes, tornando o povo brasileiro muito vulnerável a sérios problemas que, por sua vez, comprometem seu progresso socioeconômico e fomentam situações frequentes de ameaça à vida e à segurança material.

***

Problemas ajudados pela socialização

Vale especificar a contribuição da má socialização para várias das mais notáveis patologias sociais que assolam o Brasil desde décadas atrás, tendo ou não piorado com o passar dos anos. É considerável que há interrelações evidentes entre diversas questões.

a) Violência urbana

Atualmente o mais notável dos problemas brasileiros, vem piorando há muitos anos, pelo menos desde os primeiros anos da redemocratização. Um tipo de crime merece uma atenção mais dedicada: os assaltos nas ruas em que se roubam celulares, bolsas, carteiras e outros pequenos objetos de valor, o delito mais praticado e temido atualmente pelos habitantes das cidades.

Assaltos de rua são "aprendidos" numa socialização muito perversa, principalmente em comunidades pobres. O jovem que vive numa comunidade de alto risco social, economicamente pobre e marcada por assassinatos e tráfico de drogas, tem uma maior probabilidade de assimilar que, no mundo em que vive, a vida de outrem não tem tanto valor e o consumo de drogas é uma forma válida – por ser tão disseminada – de se refugiar de uma realidade escassa de oportunidades de ascensão social. Pesa também a falta de opções de lazer, muitas vezes tendo-se como único ambiente de descontração os bares, recantos do alcoolismo.

Soma-se a isso, em muitos casos, uma socialização familiar caótica e tempestuosa: filhos de pais alcoólatras costumam conviver com a violência doméstica – sendo inclusive vítimas de agressões – e carecer de diálogo familiar edificante. Falta-lhes uma legítima educação doméstica. Crescem sem ter assimilado bem o que é o amor ao próximo e a compaixão. Desenvolvem-se num lar que lhes nega tudo aquilo que é necessário para o amadurecimento de uma pessoa reta e cidadã e lhes inspira uma revolta psicológica que ninguém se dispõe em tratar.

Soma-se ao caos do lar violento a vivência nas ruas locais, já citadas como exibidoras de um mundo em que o valor da vida não tem vez e drogas leves e pesadas são "populares", e na escola, onde não se costuma prover uma educação decente, voltada para a cidadania e orientada ao tratamento da realidade social local.

Uma pessoa que não encontra uma educação boa e construtiva em nenhum ambiente de convívio social e encontra nas drogas um falso refúgio de uma vida cheia de crueldade terá uma tendência enorme a sucumbir à tentação do crime. Não verá impedimentos morais em começar a praticar assaltos para satisfazer o vício de drogas e fazer desse crime uma autêntica fonte de renda – por trocar o produto de roubo por narcóticos ou dinheiro com outros criminosos.

Essa é uma explicação apenas parcial, uma vez que ainda seria necessário expor fatores econômicos, a questão do caráter individual e constatações sociológicas mais avançadas e faltou falar de roubos de carros e bancos, que envolvem muitos outros fatores que geralmente transcendem as causas acima citadas.

b) Cultura da violência

O Brasil está muitíssimo longe de uma autêntica cultura de paz. Diversos valores, alguns dotados de profundas raízes históricas e outros mais recentes, contaminaram a mentalidade coletiva de modo que a violência se tornou banalizada e até um costume moralmente viável.

Desde a primeira infância, a coerção a atos de desobediência é feita pelos pais com castigos físicos – costume que hoje, entretanto, está em decadência nas cidades – como tapas e golpes de cinto ou chinelo. É assim que se começa a ensinar que a violência é um recurso não só aceitável como também útil.

Em seguida, um bombardeio de lutas violentas vem pela televisão, desde o final da primeira infância. Desenhos animados bastante violentos não necessariamente fazem as crianças se tornarem violentas, mas transmitem aos meninos que ser agressivo é preciso para se dar bem na vida. Há uma séria carência de opções televisivas que não exibam festivais de golpes corpo-a-corpo ou disparos de energia destrutiva ou de armas de alcance.

Assim vai se edificando a experiência social de crianças e adolescentes machos que ostentam, às vezes pelo resto da vida, a crença de que a prática da violência é algo inevitável, corriqueiro e até divertido.

Somando-se a isso, há uma constante influência cultural que induz meninos e homens, mesmo os distantes de uma vida de crimes, a lançar mão da agressividade em várias ocasiões. Herança não combatida de costumes ancestrais de defesa da honra pessoal e da virilidade, a reação violenta para situações como a namorada estar sendo olhada por um rapaz paquerador é preconizada como "o melhor a se fazer".

O homem que recusa o uso da força para determinadas ocasiões em que a violência é "recomendada", preferindo usar algo como advertências não-violentas, costuma ser taxado por outros rapazes de "afeminado", "frouxo", "babaca" e outros atributos considerados depreciativos, num sistema de sanção social contra quem não segue os valores da maioria.

No âmbito da violência das ruas, as pessoas, ao passo em que vão convivendo com uma realidade que a banaliza e até a exalta, passam a vê-la com naturalidade. Nem os muitos assassinatos que estampam alguns jornais e programas de TV sensibilizam mais a população. Corpos baleados e ensanguentados na rua tornaram-se curiosos "espetáculos" que atraem mais pessoas que um circo pequeno.

Menor ainda está a comoção por assaltos e agressões: a indignação dos pais em saber que um(a) filho(a) foi roubado(a) na rua e perdeu vários objetos de valor desvanece no dia seguinte ao crime sofrido; amizades – mesmo as mais próximas – de uma pessoa assaltada não expressam mais tanta solidariedade por ela; agressões na rua recebem, em vez de apartação, uma plateia de pessoas tão acostumadas com a realidade violenta que passaram a contemplar brigas ao ar livre como se fossem filmes interessantes passando na TV.

Não menos importante é a interferência da religião em muitas cenas de agressões de intolerância religiosa e homofobia. Muitas igrejas, em especial pentecostais, doutrinam seus/suas fiéis para que rejeitem com ódio a homossexualidade e as crenças ou descrenças de quem não é cristão, baseando-se em versículos bíblicos moralmente violentos. Assim sendo, fazem-se não raramente cenas de severa violência contra gays e contra terreiros de candomblé e umbanda, centros espíritas e imagens católicas.

A homofobia cristã influenciou a sociedade a tal ponto que o ódio à homossexualidade estendeu-se aos valores seculares. É bastante frequente que pessoas que não frequentam igrejas assumam não gostar dos gays e de seus costumes e homens de vida secularizada confessem que agrediriam pessoas do mesmo sexo que estivessem numa cena caliente em público ou lhes distribuíssem cantadas.

c) Corrupção e desonestidade

Reclama-se muito de políticos corruptos presentes em Brasília e nas casas legislativas de qualquer cidade e estado brasileiros. Contudo, não é irrelevante que a corrupção quase generalizada no meio político nasceu, em parte, da própria cultura que se estabeleceu. O respeito às leis é corriqueiramente desdenhado pelas próprias pessoas comuns e dá-se lugar à "desonestidade esperta" em muitas ocasiões.

Não é tão raro que vejamos uma pessoa acima de suspeitas praticando atos indecorosos, com a desculpa de que envolvem objetos de pouco valor. Um exemplo é o furto de produtos pequenos, como bombons e canetas, em lojas desprovidas de sistema antifurto – um ato conhecido como "shoplifting" – e o de papéis higiênicos e sabonetes em instituições públicas. Outras explicações utilizadas é que "só uma coisinha dessa não vai fazer diferença para um prédio desse tamanho" e que a instituição "tem muito dinheiro e vai repor depois" o(s) produto(s) furtado(s).

Também figuram como um aspecto tornado cultural as demonstrações perversas do chamado "jeitinho", em que se incluem atos como não devolver objetos de valor ou dinheiro perdidos, suborno de guardas de trânsito para se escapar de multas, pagamentos de taxas paralelas para aprovação fácil de uma carteira de motorista e oferecimento de dinheiro para que terceiros façam por inteiro um trabalho de conclusão de curso universitário. A desonestidade é utilizada sob forma de esperteza para se driblar o que está estabelecido pela lei.

Uma pessoa dotada de tais comportamentos é mais passível que uma plenamente honesta de transferi-los para o meio político uma vez que concorra a um mandato e consiga ser eleita. É provável que não terá vergonha de, por exemplo, desviar 60 mil reais, para proveito pessoal, das verbas de uma determinada empreitada, com a desculpa de que "é menos de 0,5% do total da obra".

Costuma-se também menosprezar quem não é adepto do "jeitinho" e de outras formas de "microcorrupção", considerando-se "tola", "burra" e "sem esperteza" uma pessoa que prefere manter-se na retidão legal a lançar mão de atitudes escusas para "se dar bem na vida".

A "desonestidade esperta", tornada uma parte da cultura de muitos(as) brasileiros(as), é assimilada na socialização ao longo da vida, muitas vezes desde a escola. Desde o ambiente escolar, acostuma-se a tratar a honestidade e o zelo à legalidade como algo "idiota" e a recorrer a meios de se subverter a lei para o atendimento de prazeres materiais pessoais ou para se evitar as consequências penais de infrações mais sérias. Falta na educação da maioria das instituições de ensino uma educação dirigida à ética.

d) Alienação e conformismo

A sociedade brasileira das classes média e baixa tem um longo histórico de alienação e conformismo e de desvalorização da mobilização popular por mudanças. Excluído da maioria das revoltas anticolonialistas e anti-imperiais dos séculos 18 e 19 e dos processos de independência política e proclamação da república, o povo em massa só participou de forma decisiva dos episódios históricos do país nas Diretas Já e nos protestos contra Fernando Collor.

Hoje, mesmo esmagada por sérios problemas de violência urbana, corrupção política, desigualdades sociais e opressão econômica por aumentos de tarifas públicas, a população não esboça reações massivas. A oposição a tais problemas acontece quase sempre por iniciativas de movimentos estudantis e sociais, dificilmente havendo participação de outras pessoas. Quando há protestos populares, são geralmente pequenos e mal divulgados.

Atualmente, três fatores socializatórios pesam de forma mais decisiva na manutenção dessa letargia: a influência hipnótica da mídia televisiva, a supressão da disponibilidade pelo trabalho – popularmente chamada falta de tempo – e a carência de uma educação escolar e doméstica voltada para o fomento da cidadania e da mobilização sociopolítica popular. Os três são muito poderosos e agem de forma interrelacionada, embora cada um tenha sua própria ênfase.

Influência da mídia - Os efeitos da mídia, intencionados ou não pelo empresariado que detém a posse das emissoras de televisão, enfatizam o desapego dos telespectadores à realidade em redor e ao seu papel de cidadãos dotados do poder de transformá-la.

A transmissão de programações ricas em encenações (como novelas) e variedades (como programas musicais e apresentações de auditório voltadas a temas banais) costuma dar prioridade marginal a questões sociopolíticas e introduzem a audiência num estado mental análogo ao transe, ocultando o mundo em volta enquanto a TV está ligada num programa não-jornalístico. Sua temática variada também ocupa grande parte das conversas de vizinhança, rodas de bar e bate-papos entre colegas, numa extensão do alheamento pessoal à situação sociopolítica da localidade, da região e do país.

Já o jornalismo televisivo, embora escancare alguns fatos que marcam o estado de coisas transitório ou histórico, transmite-os de uma forma que a população parece não ter o que fazer para ajustar a realidade em que está inserida. Fornece-se a informação de tal modo que nada parece ter solução, o povo não encontra um papel na questão e esforços de reação social popular, por mais opções que haja para acontecerem, nunca são julgados como adequados e moralmente aprováveis. A pessoa que assiste ao noticiário tem as conclusões de que o Brasil e o mundo assim são por essência e assim sempre serão e que nada que a sociedade faça como meio de intervenção adiantará algo.

Resignado perante o "mundo sem solução" que os telejornais desencorajantemente lhe mostram e encantado pela hipnose do restante da programação, o indivíduo vê sua mente ocupada com futilidades de importância artificialmente elevada e tem o pensamento cidadão, de que ele pode, junto a uma massa crítica, mudar o status quo da região, do país e do mundo, desabilitado. Esse sentimento que mescla alienação e conformismo reproduz-se em cadeia na mentalidade de toda uma população e imobiliza-a para qualquer atitude coletiva de reação sociopolítica popular.

É dessa forma que a televisão, como instrumento central no cenário sociocultural brasileiro, socializa a população do país. Desde a ditadura militar, vem consistindo em introduzi-la e acostumá-la, da adolescência à terceira idade, a uma cultura de pensamento despolitizado e conformado com a realidade existente.

Trabalho e indisponibilidade de tempo – É a mais frequente justificativa dada por quem responde negativamente a convocações de mobilização popular. A verdade é que não se pode culpar a população que, de fato, vive ocupada e não é permitida a participar de protestos pelas empresas onde trabalham.

Estas, por sua vez, temem a perda de receita que aconteceria caso liberassem seus/suas empregados(as) para manifestações. O ganho de dinheiro ainda é encarado por elas como algo superior aos anseios por um país melhor. Por isso, a única forma hoje de trocar um dia de trabalho por um de cidadania máxima é forjando um atestado médico ou deixando um recado de doença para o patronato mais liberal – a saber, algo que não garante a presença do indivíduo num evento que dure dias ou semanas seguidos.

As pessoas, presas na permanente indisponibilidade de entrar em movimentos de mobilização por motivo de ocupação em trabalho, algemadas a um capitalismo que não as libera para lutar nas ruas por mudanças, formam uma massa impedida de manifestar-se como povo descontente. A única via desbloqueada é a do conformismo. Como ninguém pode sair da loja para compor massas críticas, parece não haver como mobilizar uma população grande. Muitos(as) então dizem: "Não posso lutar, então o jeito é me conformar."

Falta de educação cidadã – É notável que apenas uma minoria da população brasileira teve ou está tendo acesso a uma educação escolar que prezava ou preza pela formação cidadã, pela transmissão da lição de que as pessoas podem, com vontade, união e perseverança, fazer algo para mudar a região, país e/ou planeta onde vive. Menor ainda é a quantidade de gente que, vinda de quem não teve tal preparação, conseguiu alcançar uma iluminação autodidática de sabedoria social e começar uma vida de engajamento cidadão.

Também são pouco difundidas a leitura de livros esclarecedores sobre política, sociedade e possibilidades de mudança e a transmissão midiática de incentivos à cidadania – sendo estes últimos trazidos em maior parte por blogs e sites de mídia independente na internet. Pelo contrário, em vez de cultura útil e educativa a enriquecer o conhecimento e aprimorar a visão de mundo, o conteúdo de acesso mais largamente disponível são justamente atrações "sem conteúdo", vide a programação televisiva que "ocupa" e hipnotiza tanta gente, que prefere a TV ao livro.

Castigadas pela ignorância educacional e alheias a fontes de inspiração social, tendo o televisor e o rádio como grandes provedores culturais e sendo alheadas da mobilização pelo empresariado que não quer perder lucro, as pessoas são sujeitas a uma socialização alienante que as distancia de qualquer iniciativa de começar um processo de reviravolta sociopolítica orientada de baixo para cima.

e) Valores nocivos trazidos pelo capitalismo

Consumismo, fanatismo materialista e ganância acima da ética são os principais valores patológicos trazidos pelo boom capitalista industrial-financeiro que dirige o Brasil desde a década de 1950. Desde aquela época, a socialização da população urbanabrasileira é centrada no cultivo desses preceitos que têm feito tanto mal para o meio ambiente e corroído os valores ético-morais de sociedades de todo o planeta.

Somos influenciados desde a infância pela cultura da compra como meio de satisfação psicológica, e isso vem induzindo a diversos comportamentos perversos. Em primeiro lugar, somos seduzidos pelos pretensos encantos de se comprar, por exemplo, uma roupa da moda, um carro ou mesmo um refrigerante.

As propagandas na televisão, nos jornais, nas revistas nos mostram que, quando compramos uma bebida, alcoólica ou não, compramos animação, alegria, alto-astral. Quando desembolsamos por uma roupa de marca tal, estamos obtendo o glamour, a sofisticação e até o prestígio de uma top model. Quando obtemos um determinado carro, levamos junto um punhado de juventude e felicidade e um estado de bem com a vida.

Além da sedução publicitária, o capitalismo contemporâneo trouxe o paradigma da (falsa) necessidade de comprar. Desde criança, o indivíduo é convencido de que ter mais o faz ser "melhor", mesmo que o "mais" não tenha uma necessidade utilitária. Deseja-se comprar o máximo possível para satisfazer uma sede de aquisições culturalmente induzida. Tem-se então o consumismo.

Essa sanha de se obter o máximo de dinheiro e objetos de notável valor não demora para ser concebida pela pessoa como um objetivo de vida, uma ambição que muitas vezes se torna superior a qualquer outra meta a constar do projeto de vida. Enriquecimento intelectual, busca de paz interior, sede de sabedoria, reconhecimento de méritos não-econômicos, contribuição por um mundo melhor, esses objetivos edificantes são relegados à margem do viver pessoal e o materialismo fanático, o viver pelo ter, torna-se a meta suprema.

Em nome de uma vida materialista centrada no ganho de dinheiro e na supervalorização do ter, muitas pessoas carentes de educação ética passam a considerar que vale tudo para alcançar o enriquecimento. Inclusive lançar mão de artimanhas desonestas e até criminosas, como a pirataria comercial, a forja de trabalhos de conclusão de cursos universitários e, no caso de políticos corruptos, desviar dinheiro público para proveito pessoal. Essa vertente antiética do paradigma capitalista ajuda assim na propagação da desonestidade como valor socialmente elogiado.

A socialização capitalista é algo de que ninguém dentro da sociedade urbanizada brasileira pode escapar de sofrer, embora algumas poucas pessoas consigam desprender-se de grande parte dos paradigmas impostos por esse sistema socioeconômico. Apenas quando surgir concluída uma proposta de economia que varie do capitalismo e do desacreditado socialismo, os comportamentos sociais de "culto" à riqueza financeira e material poderão ser questionados por um número significante de pessoas.

f) "Alcoolismo social"

O consumo de bebidas alcoólicas é hoje parte da cultura brasileira. Poucos são aqueles que afirmam nunca bebê-las, enquanto uma esmagadora maioria é adepta do seu consumo social – dizem: "bebo socialmente, em ocasiões sociais". Cerveja é, ao lado do refrigerante e da água, um dos líquidos mais comumente bebidos no Brasil.

Poderia ser um costume inofensivo caso não houvesse incentivos velados ou explícitos de ingestão imoderada de álcool na música (por estilos como "forró" estilizado e swingueira) e em valores como a valorização social da embriaguez em festas – o chamado "alcoolismo social". Consequências perniciosas ocorrem, tais como acidentes graves de trânsito causados por motoristas bêbados e a violência doméstica – que, como citado mais acima, ajuda a induzir jovens filhos de pais alcoólatras à revolta psicológica que pode levar a uma vida de crimes.

g) Especismo, carência de compaixão e maldade contra animais

No Brasil, assim como em todo o mundo, a socialização em casa, na escola e em outros ambientes veste a mentalidade das pessoas com valores antropocêntricos, especistas e desdenhosos em relação à vida animal não-humana.

Mitos são repetidos insistentemente pela mídia, como a inferioridade dos bichos perante os humanos e a essencialidade insubstituível da carne, do leite e de outros alimentos oriundos da exploração animal. Churrascos são praticados com naturalidade e sem a mínima noção da crueldade envolvida na produção daqueles pedaços de carne e do valor da vida perdida pelos animais na pecuária. Animais domésticos são comprados e muitas vezes aprisionados ou abandonados, sendo tratados como objetos com preço e sem vida própria e tendo seus sentimentos ignorados.

O movimento de defesa animal ainda é bastante fraco para ter poder de influenciar porções grandes da população e drenar o poder dos costumes especistas entranhados. Precisará adquirir muito mais força para enfim ter o poder de promover uma socialização populacional em harmonia com animais não-humanos.

***

Efeitos da educação

A educação escolar atual no Brasil, com a exceção de poucas escolas de didática e abordagem pioneiras, não está ajudando a combater os problemas surgidos na socialização da população brasileira. Muitas vezes, até ajuda a piorá-los.

Exemplos notáveis são:

- os livros didáticos e aulas de biologia e geografia abordando com naturalidade, respectivamente, os alimentos de origem animal e a pecuária e pesca enquanto pouco ou nada dizem sobre vegetarianismo e argumentos ético-ambientais da defesa animal;

- a falta de debates sobre ética na relação entre animais humanos e não-humanos;

- o uso mais que frequente de uma linguagem androcêntrica, falando-se "o homem" quase sempre que se refere ao ser humano indistinto de sexo;

- o não-debate tematizado na socialização favorecedora da agressividade e violência dos meninos e homens no Brasil;

- a carência de discussões sobre como o capitalismo poderia ser sucedido, substituído;

- a escassez de debates escolares em torno da proteção dos(as) estudantes contra a alienação sociopolítica, o conformismo e outros comportamentos de caráter prejudicial;

- o pouco uso da transdisciplinaridade – ligação do conteúdo didático com conhecimentos culturais e realidades socioambientais extraescolares;

- o não-aproveitamento da oportunidade de se lançar discussões sobre a situação socioambiental da comunidade em torno de grande parte das escolas: mantém-se um ensino precário – no caso das públicas – e distanciado da realidade que prejudica a própria instituição de ensino;

- a falta de ênfase na importância de movimentos de mobilização popular focados na cobrança de soluções para problemas sociopolíticos brasileiros;

- a não-prioridade a formas menos conhecidas de preservação e ação socioambiental, tais como vegetarianismo, boicotes e ativismo;

- a pouca atenção ao problema ético de recorrer a atos desonestos em prol da vantagem pessoal.

Deve ser promovida uma renovação generalizada na abordagem didática das escolas brasileiras caso se queira plantar novos valores saudáveis que suplantem os antigos preceitos prejudiciais. Aliás, os efeitos negativos dos atuais princípios e costumes da população brasileira devem ser largamente discutidos antes de se tomar a iniciativa de promover tal reforma.

***

Soluções para os males socializatórios

Além da sugerida mudança na educação brasileira, outras questões mais devem ser enfatizadas, como a reeducação ética e cidadã dirigida a adultos.

Um esforço de guinar a socialização no Brasil para uma edificação cidadã, ética e pacifista só funcionaria de verdade se abrangesse um processo de ressocialização de toda a população já saída das escolas. Não se pode pensar em mudanças vislumbrando-se apenas as pessoas mais jovens e descartando-se todo o restante do povo.

A vida é um permanente processo de aprendizado. Aproveitando-se essa propriedade, deve-se discutir como será possível fazer uma educação pós-escolar para a população há muito egressa do ensino escolar sem que seja necessário pôr todos(as) de volta a uma sala de aula e comprometer suas rotinas.

Um método de facilitar o aprendizado perpétuo das pessoas seria induzi-las a momentos de reflexão transformadora. Poucas hoje têm a oportunidade de modificar seus valores e hábitos a partir de tais ocasiões, e a maioria dessas poucas só a tem por já serem predispostas desde cedo a mudar. As formas de como estender a todos(as) a passibilidade à mudança ainda merecem ser elaboradas, analisadas e discutidas por educadores.

É necessário substituir muitos dos princípios que brasileiros(as) são induzidos(as) a adotar ao longo da vida. Inibir ou abolir a valorização da violência, a "desonestidade esperta", a alienação, o "alcoolismo social" e outras patologias sociais do processo de socialização que cada um(a) sofre ao longo da vida é imprescindível para que possamos vislumbrar um futuro socialmente próspero, pacato e próximo da harmonia entre pessoas e entre humanos e outros animais.


Autor: Robson Fernando


Artigos Relacionados


A Ética Docente Como Influência No Ensino – Aprendizagem De Crianças Nos Anos Iniciais Do Ensino Fundamental

O Discurso / Mídia / Governo

Resumo Histórico Sobre Os Médicos Sem Fronteiras

A Viagem

Papel Da Religião No Poder

Papel Da Religião No Poder

Para O Dia Das MÃes - Ser MÃe