A BESTA ESTÁ NA TERRA HÁ MUITO TEMPO
Como
dizer que uma instituição secular funda-se na mentira, no engodo, no embuste? O
tempo, que transforma montanhas em vales, muitas vezes atenua o erro e semeia a
virtude onde só havia o vício e as intenções não valiam senão por interesses
mesquinhos. Então, que dizer de uma religião com milhões de seguidores? Que
dizer da fé que se amoldou em um fictício construto de tradições pagãs elevadas
à condição de dogma fundamental? Que dizer da esperteza de um governante sedento
de poder e de sacerdotes não menos desejosos de autoridade eclesiástica?
Uma
doutrina horrível nasceu da comunhão dos interesses de Constantino e de vários
Bispos da então iniciante fé cristã. No começo do século IV o Imperador
Constantino autorizou os cristãos à profissão de sua fé, realizando poucos anos
depois um concílio na cidade de Nicéia em que, ao pretexto da discussão de
divergências teológicas, cunhou uma doutrina bem delineada aos seus interesses
e sob os contornos de suas próprias convicções. Buscando massificar sua
influência e dominação através da fé cristã, retirou os cristãos das catacumbas
em que se reuniam e deu-lhes templos e liturgia. Já aí desestruturou um dos
fundamentos do cristianismo primitivo, promovendo a edificação de igrejas para
quem, até então, livremente adorava seu Deus nas reuniões livres e na concepção
de ter no coração o templo sagrado da fé. Adotou o mito solar dos egípcios e as
datas pagãs, demarcando no calendário eventos como solstícios e equinócios sob
designações outras.
O
próprio Cristo teve sua história recontada ao preço da destruição de centenas
de escritos, restando apenas quatro evangelhos que rascunham o mito solar sob a
trindade que a cultura dos faraós narrava desde a antiguidade, ecoando com a
trindade dos indianos e de outras tradições inclusive do médio oriente.
O
maior dos Mestres que esteve entre nós teve sua vida recontada sob eventos e
narrativas que se repetem nos evangelhos canônicos em detrimento de centenas de
outros evangelhos, por assim dizer, cassados. Jesus, o grande Avatar da Era de
Peixes, que nos ensinou a Lei do Amor, reuniu os seus seguidores e os
identificou por dois peixes. A doutrina de Constantino instituiu o culto à
cruz, venerando um instrumento de tortura e morte.
Aprendemos
a ver no sofrimento de Jesus a prova de seu Amor pelos homens, subvertendo o
conteúdo de seu ensinamento à conta de uma discutível homenagem à dor, ao
assassínio, venerando pelo sofrimento aquele que nos veio trazer a noção de
elevação do espírito a Deus, de incondicional amor ao semelhante, de
merecimento por sublimação da conduta e, fundamentalmente, de um viver de
alegria, paz e comunhão com o Alto.
Aprendemos
a ter em mente a imagem de um mártir ensangüentado, humilhado, ferido,
torturado e traído, mantendo esquecido o homem que brincava com as crianças,
que sorria, que ensinava por parábolas e caminhava com seus discípulos, livre e
feliz por trazer a boa nova de amor e de libertação para todos sem distinção.
O
concílio asseverou que o Mestre era o próprio Deus encarnado. Trouxe o Criador
à Terra, confundindo-O com Seu nobre filho, para confundir o homem na crença de
que, tendo sido Jesus morto na cruz, o próprio Deus assim foi ofendido.
O
cristão foi condenado a ser o profitente de uma fé erguida sobre o assassinato
de seu Deus enquanto homem. Eis aí o veneno mortal inoculado em séculos dessa
monstruosa doutrina: o homem tomou o próprio Deus em suas mãos e o matou numa
cruz.
A
maior das ironias: tomou a cruz como símbolo de sua fé.
A
Besta está na Terra há muito tempo. Campeia no sentimento devastador de culpa e
castigo que a idéia de redenção oculta na ironia suprema de que o assassinato de
Deus seria a nossa absolvição...
Autor: Marco Aur�lio Leite da Silva
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