CALAR É PRATA, ESCUTAR É OURO...



O homem tem uma 'mania' de reduzir, é o que se pode chamar de reducionismo. Essa prática é um processo natural necessário para que se possa perceber e tentar compreender o mundo e ocorre sempre que percebemos à nossa capacidade de entendimento, ou seja, reduzimos quando entendemos a forma da estrutura de nossa mente.

            Devemos tomar cuidado, pois o reducionismo é como o ego: indispensável, mas questionável.            Diante de um determinado fenômeno, nós o percebemos e reduzimos o que foi percebido à nossa estrutura de compreensão — ao nosso conhecimento. Mas, reduzir algo ao nosso conhecimento é o mesmo que reduzi-lo à nossa ignorância. Daí surge a necessidade de um segundo passo — a reampliação —, que nada mais é do que conferir o que foi percebido de forma mais ampla. Fazemos isso comparando o percebido em primeiro plano com compreensões pessoais prévias – pré-formatadas– e, a seguir, procuramos reampliar o que havia sido reduzido através do diálogo e outras formas de interação e convivência já vividas.

            O problema é que nem sempre é fácil voltar a ampliar depois da redução inicial. Isso se dá porque tendemos a reduzir nossas compreensões às dimensões do nosso ego, que é frágil, medroso e teme a reampliação. A tememos porque ela nos põe à prova, isto é, leva-nos a confrontar nossas percepções e entendimentos com os dos outros. Como está socialmente preparado para ser competitivo, o ego invariavelmente vê os outros como adversários e, portanto, sente-se sempre ameaçado por eles. Por isso, pensar segundo modelos predeterminados e buscar apoio em referenciais que julgamos inquestionáveis (pressupostos) é uma forma de remediarmos as nossas fraquezas. É um modo de pôr em prática o ponto de vista empirista, que diz que existe uma realidade externa que é a mesma para todos.

            Se essa tese fosse correta, a cognição (ato de adquirir um conhecimento) seria um fenômeno passivo. Assim sendo, todos entenderiam o mundo da mesma maneira. Nessa ordem de idéias, quem não percebesse a "verdade" universal estaria com problemas e, portanto, precisaria de ajuda para alcançar o nível de percepção dos outros. Isto é: para perceber as coisas como "todo mundo" — o que equivaleria a entender a vida e pautar a conduta segundo as normas do senso comum. Entretanto, sabemos que percepções padronizadas levam a comportamentos estandardizados, e esse é o principal problema da redução não seguida de reampliação ou ainda de uma reampliação inadequada.

            A tendência do homem para a eliminação é mais forte que a sua necessidade de integração. Não sabe ouvir. Quando alguém nos diz alguma coisa, em vez de escutar até o fim logo começamos a comparar o que está sendo dito com idéias e referenciais que já temos.

            Esse processo mental — chamado por alguns de automatismo concordo-discordo — quando levado a extremos, é muito limitante. Ouvir até o fim, sem concordar nem discordar, tornou-se extremamente difícil para todos nós.

            A lógica binária do sim/não é uma das manifestações mais poderosas do condicionamento de nossa mente pelo pensamento linear, um modelo mental devastador.

            Tanto faz discordar ou concordar: o que é realmente limitante é a reação instantânea, automática, linear, do tipo sim/não. É  ela  que  fecha  a  nossa razão, que faz com que não possamos suspender, nem mesmo momentaneamente, nossos pressupostos e julgamentos. Desse modo, impede-nos de fazer escolhas além das programadas.

            Concordar logo que percebemos que o interlocutor está tratando de algo sobre o qual já temos opinião formada também é uma forma de não querer ouvi-lo até o fim e, assim, utilizamos algumas das variantes do "já sei", do "essa é velha" — como se o outro não tivesse o direito de pensar e expor o que pensa à sua maneira, independentemente da originalidade de seu ponto de vista.

            Logo que alguém começa a expor uma determinada idéia começamos a buscar formas de contradizê-lo. Em qualquer das hipóteses, no fundo, o que pretendemos é desqualificar o interlocutor. Discordando, concordando, ou mesmo fingindo concordar o nosso imediatismo acaba negando a sua existência.

            Outro artifício é o chamado argumento ad hominem. Trata-se de dar destaque a quem argumenta, e não ao que está sendo argumentado. É uma manobra muito usada para rejeitar uma idéia ou concepção só porque vem de alguém de quem não gostamos ou com quem não concordamos — ou o contrário.

            O automatismo concordo-discordo é típico da lógica da nossa cultura patriarcal, que faz da desconfiança uma reação automática. Com efeito, numa cultura competitiva e reativa como a que vivemos, gostar dos outros e confiar neles não é nada fácil. O argumento ad hominem está na gênese dos preconceitos, e continuará existindo e predominando enquanto durar a hegemonia desse sistema de pensamento imediatista.

            O primeiro passo para a formação do preconceito é a separação entre o fato e o juízo que fazemos dele, isto é, pôr o julgado no lugar dos dados. Sempre que isso acontece, ficamos com uma idéia padrão, à qual recorreremos quando estivermos em situações semelhantes. O preconceito precisa da repetição, de referenciais passados, e abomina a diferença, as situações mutantes e a criatividade. Dessa maneira, o que antes podia (ou não) ser concebido, agora é preconcebido. Trata-se de uma espécie de mecanismo de defesa contra a realidade, por meio do qual nos dispensamos do incômodo de viver certas experiências, ou ter de pensar.

            Dessa maneira, pomos de lado a vida e a substituímos por pressupostos. O que antes era experiência se estilhaçou e, agora, só restam fragmentos de percepção, dos quais escolhemos os que nos parecerem mais convenientes. A nossa cultura é predominantemente orientada desse modo. Somos propensos a colocar o que deve ser no lugar do que realmente é. Eis o universo da regra e do julgamento, que mesmo sendo necessário em muitos casos é simplesmente devastador em inúmeros outros.
Autor: HERÁCLITO NEY SUITER


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