A missão da educação e a educação como missão: autonomia e ética



A missão da educação e a educação como missão:

Autonomia e ética no cotidiano escolar.

 

 

 

Resumo:

 

Diante dos novos paradigmas de sociedade que estão surgindo, há necessidade de um perfil de pessoa mais solidária, critica e criativa, sensível às diversidades, convivendo com o incerto, empreendedora e autônoma. A aprendizagem significativa contempla o saber estratégico - habilidades e competências para compreender o mundo e nele agir; o saber político - habilidades e competências para compreender a sociedade e nela participar; o saber ético - habilidades e competências para apreender que cada opção pode fazer-nos mais ou menos humanos. A aprendizagem deve desenvolver competências, levando à autonomia intelectual e moral, à cooperação, ao pensamento crítico através do confronto de idéias e do debate.

 

 

Palavras-chave

Educação; Autonomia; Ética; Ação.

 

 

 

Quem acompanha, como cidadão do mundo, as discussões e análises sobre nosso tempo, já está se acostumando com a idéia de que não estamos vivendo, somente, uma época de grandes mudanças, mas também, uma mudança de época. Em outras palavras, uma mudança paradigmática, que se faz presente e nítida nos aspectos políticos, econômicos, sociais e ideológicos. A vida em nossa sociedade está em constante mudança com o surgimento de novos costumes, novas formas de cultura e comunicação.

É nesse cenário (político-econômico-social e ideológico) antagônico, paradoxal, acelerado, pós-moderno que os valores e as mudanças não só se revelam amplas e profundas, como complexas. Mundo menos previsível, mais complexo, dinâmico, criativo e pluralista, em que a mudança é componente essencial; tudo é relativo, apenas provável, incerto e ao mesmo tempo, complementar; tudo está em movimento, em constante fluxo de energia em processo de mudança; lugar de instabilidade e de flutuações.

É uma mudança que contempla todas as dimensões da pessoa: mental, comportamental, afetiva, institucional, ético-moral e espiritual. Concepções e/ou noções de espaço, tempo, linguagem, trabalho, conhecimento e educação são questionadas: Atualmente, o desenvolvimento científico tem mostrado que a possibilidade do desenvolvimento do conhecimento é mais abrangente do que apenas ler, escrever e calcular.

Vejamos, por exemplo, a contribuição de H. Gardner, Phd da Universidade de Harvard (EUA). As inteligências múltiplas demonstram que todos os seres humanos são capazes de aprender.

Na ótica político-econômica, prevalece um modelo de Estado mais gerenciador que administrador, no qual o mercado passa a ser o agente regulador das condições de compra e venda do bem estar pessoal e coletivo. É o surgimento de um Estado que vai desacelerando gradualmente seu nível de participação e grau de responsabilidade na execução das coisas públicas para dar espaço a um mercado que assume, num processo de terceirização econômica, em parcerias ou privativamente a prestação de serviços. É um modelo em que os princípios da liberdade, da livre concorrência e da competição individualista afloram como os eixos norteadores desse mercado. Vivemos sob a ideologia neo-liberal, cujo ideário prioriza os princípios de liberdade para competir e o individualismo, tendo sempre em vista o mercado, com a maximização da eficiência e do lucro... Conseqüentemente, estamos numa crescente exclusão.

É flagrante a exclusão social, marcada pela institucionalização da violência e pela exploração do potencial humano, acarretando contextos sociais corruptíveis, isentos de sanções, impunes frente ao desrespeito, à justiça e à dignidade humana. É possível constatar que nossa sociedade não é autônoma. Vivemos numa sociedade excludente, com dificuldade de acesso à informação em todos os níveis desde o educacional até o tecnológico. É necessário que incorporemos em nossas ações o significado das coisas, tudo o que incorporamos expressamos em ações.  Quanto ao engajamento, estamos ainda engatinhando.

Diante desse quadro, a participação social, conceituada como cidadania, passa por um eventual esvaziamento, minimizando a importância e a necessidade do desenvolvimento de idéias de participação, compromisso, responsabilidade e envolvimento. É uma sociedade de flagrantes injustiças sociais que prioriza o Ter em detrimento do Ser, que não prima pelo exercício do princípio democrático da liberdade, que desestimula atitudes de respeito à individualidade e ao respeito mútuo, que se caracteriza pela ausência e vivência do princípio de que todas as pessoas têm direitos e são iguais.

No seio, entretanto, da ambigüidade que permeia essas mudanças, novos valores emergem, promovendo e estimulando o aparecimento de atitudes inovadoras, tais como: o espírito de cooperação e solidariedade entre os excluídos: Podemos perceber que existe a tentativa por parte de alguns segmentos da sociedade (ONG's, associações) de conscientizar a população de que a sua participação em decisões é importantíssima. Isso é importante porque uma sociedade de pessoas individualistas, pouco participativas, materialistas e descomprometidas, dificilmente vai gerar realização, harmonia, justiça, igualdade, inclusão.

Cabe destaque à sensibilidade pela questão ecológica, à valorização da ética e à indignação frente a sua inexistência, às iniciativas de combate à corrupção política,

a tolerância e ao diálogo entre as diferentes culturas, religiões e governos: a sociedade em que vivemos está preocupada com os problemas sociais.

Em termos sócio-ideológicos, a globalização é uma tendência mundial que se caracteriza paradoxalmente. Por um lado, alto desenvolvimento tecnológico, com uma rede de comunicação intercontinental, que faz de todas as pessoas, em qualquer lugar do planeta, um cidadão do mundo. E, por outro lado, forma conglomerados econômicos internacionais e massifica minorias étnicas e religiosas.

Em nome de uma tradição religiosa são gerados conflitos armados em vários países. A intolerância e o fundamentalismo dificultam a pluralidade cultural e religiosa devido a dogmas absolutos ou atitudes intransigentes. Mas, constatamos também, a emergência de pequenos movimentos, marcados por uma experiência de fé individual e imediata que relativiza ritos e doutrinas, fragmentando as históricas tradições religiosas. Os conflitos humanos estão presentes em toda parte, é preciso manter a identidade do indivíduo.

É a humanidade em crise existencial, buscando um sentido significativo e consistente de vida que estimule o surgimento de novos movimentos religiosos, fundamentados em propostas teológicas de prosperidade econômica, isto é, da satisfação material e espiritual imediata. Em todo momento nossas ações não são neutras, estamos sempre nos interpretando, expressando nossa identidade. No mundo em que vivemos, individualista e globalizado, onde imperam as relações de consumo, a espiritualidade se faz nos grandes centros (Shoppings, por exemplo) . No caso do Brasil, a religiosidade, inerente à cultura, é marcada pela pluralidade, sincretismo e diversidade.

Enfim, vivemos em um mundo marcado pela incerteza, insatisfação e subjetividade. Somos uma geração desmotivada, recebemos tudo pronto; tudo que se cria e se faz é para o nosso conforto, mas ficamos cada vez mais insatisfeitos. Nós estamos vivendo num mundo onde o ser humano sente-se desiludido, perdido no tempo e no espaço, um ser em crise, buscando desesperadamente um sentido para sua existência.

Essa conjuntura mundial se reproduz na América Latina também, inviabilizando projetos nacionais autônomos e, no Brasil, acentua o aumento da pobreza e da histórica desigualdade social.

O Brasil real é assustador pelas suas contradições e pela insensibilidade da burocracia do poder em não se deixar pautar pelas preocupações que dele emergem.

Na agenda governamental, a preocupação se volta em manter as metas econômicas estipuladas por políticas internacionais, garantindo assim, o respeito internacional e uma suposta estabilidade inflacionaria.

O Brasil real continua mal, convivendo com "um governo que vai bem".

 

A educação no Brasil:

 

Historicamente, tem-se buscado um modelo educacional que corresponda a especificidade brasileira. Pode-se constatar esse processo contínuo e permanente de mudanças de modelos, sobretudo no último século.

Atualmente o Brasil vem passando por mais um processo de reforma educacional, inspirado em outros modelos, com o intuito de contribuir para o desenvolvimento da nação. Infelizmente, sabemos que muitas vezes no decorrer da história, essas iniciativas visavam também corresponder às exigências de investidores internacionais para assegurar financiamentos importantes para o país.

Essa educação como "moeda de mercado" repete-se na realidade escolar brasileira quando a finalidade da aprendizagem reduz-se a um passaporte para uma carreira profissional. Vendem-se "pacotes" educativos, "embalados" em grifes do mercado de acordo com as necessidades de “consumo” da clientela. É a educação na lógica do mercado.

Mas, essa reforma educacional brasileira, tem apresentado, por outro lado, um paradigma baseado na revisão e mudança significativa de conceitos. Em função disso, já é possível constatar o aumento da escolaridade nacional, a diminuição da evasão e a redução do analfabetismo, por exemplo.

Em tese, há no Brasil, o desejo de atender um consenso internacional de que a educação sirva de instrumento transformador da realidade a partir de quatro pilares fundamentais: ser, conviver, fazer, conhecer.

Apesar da presença aparentemente única de um regime neoliberalista e seus valores nos fazer crer que nossa realidade permanece impermeabilizada a qualquer possibilidade de mudança dentro da utopia cristã, acreditamos que a transformação social se efetiva, inclusive, pela educação.

O primeiro desafio que se nos apresenta é o aprimoramento de nossa capacidade de imaginar realidades futuras diferentes daquelas com as quais convivemos nos dias atuais, qual seja: a perspectiva de uma sociedade nova, justa e mais fraterna, espelho da utopia permanente do Reino, anunciada por Jesus de Nazaré. O ideal de uma sociedade mais justa pressupõe:

 • Assegurar a todos os indivíduos o acesso às necessidades básicas de todo o ser humano, tais como, educação, saúde, trabalho, habitação, lazer...;

• compreender e vivenciar as diferentes formas de respeito individual e mútuo;

• repudiar condutas e situações estimuladoras do egoísmo, da exacerbação do ter, da discriminação, do desrespeito, da omissão e da permissividade;

• promover a participação de todos os indivíduos na formulação e discussão das normas que irão presidir uma sociedade que se diz democrática;

• apoiar ações de solidariedade.

Uma sociedade justa e igualitária parece utópica, porém, depende também de nós fazer prevalecer os ideais de justiça e democracia.

O segundo desafio que se impõe consiste na superação do ideal de sociedade traçado pelo regime capitalista - caracterizada pela perversidade e reificação das pessoas e relações –, para recuperar a centralidade do valor da pessoa e da vida. Acreditamos em uma sociedade que cresça no grau de consciência de seu valor, do valor da vida humana, independente de país, raça, etc. Que não desenvolva a xenofobia, mas que garanta a sobrevivência e viabilize as políticas internas; que una esforços para trabalhar solidariamente sem exclusões; que rechaça atitudes e propostas autoritárias... Em outras palavras, sociedade fraterna e solidária é aquela que se preocupa com o próximo e colabora de forma desinteressada. Visa a dignidade da vida humana, como também, uma cultura solidária, no respeito recíproco e no respeito à natureza.

O último desafio, neste momento, relevante na construção dessa sociedade fraterna e solidária, consiste no rompimento do domínio do pensamento homogêneo resultante da cultura dominante que impossibilita ouvir as múltiplas vozes, idéias e culturas. Sendo sensível às mudanças emergentes, de acordo com os valores pelos quais optamos: Uma sociedade que privilegie uma educação crítica, ativa, questionadora e atuante sobre questões que valorizem a vida.

Estamos falando de uma sociedade fraterna, baseada na ética, em que cada um vê o outro como continuidade de si mesmo, que supere todas as formas de violência organizadas, através do confronto e do diálogo dentro dos espaços democráticos, que implemente estratégias que desenvolvam a auto-disciplina, a reflexão, a comunicação a serviço do bem comum. Afinal, democracia, significa a efetiva participação popular nos encaminhamentos dos problemas da nação.

A pessoa só se humaniza verdadeiramente quando é solidária. Diante dos novos paradigmas de sociedade que estão surgindo, há necessidade de um perfil de pessoa mais fraterna, mais solidária, crítica e criativa, sensível às diversidades, convivendo com o incerto, adaptável às mudanças, autônoma, empreendedora, cidadão do mundo. Ética, detentora não só de conhecimentos acadêmicos e técnicos, mas de conhecimentos para a vida.

Daí, a necessidade de ser aberta a novas situações, ainda que, firme em seus princípios, sem, contudo, deixar-se cair em modismos. Uma pessoa que reconheça a diversidade (social, cultural, política...), a quem nenhum problema humano é alheio, que vê a verdade como construção permanente... Autônoma, capaz de dirigir a si própria e construir caminhos com aqueles que fazem parte de sua história. A autonomia se funda na responsabilidade que o individuo vai assumindo ao longo da vida, passando pelo amadurecimento da liberdade no confronto com outras liberdades, assumindo a co-responsabilidade.

Na verdade, pessoas co-criadoras, chamadas a cuidar, tomar conta uns dos outros e da Mãe Terra. Mais enfaticamente, uma pessoa que perceba que todos somos irmãos, fazemos parte da mesma família (raça humana) e moramos na mesma casa (planeta Terra). Uma pessoa (...) que busque a transcendência, livre e consciente para interferir nas relações sociais, construindo a cidadania plena: direitos e deveres.

Não podemos falar sobre pessoas e vida em sociedade sem tratar do elemento integrador dessas duas realidades que é a ética. Esse princípio de convivência humana só é aplicável nos tipos de relações nos quais a consciência garante o discernimento das atitudes. Portanto, podemos falar de atitudes éticas quando se é capaz de assumir de maneira responsável o que se diz, faz ou enfim, aquilo que se é. Viver com ética e dignidade parece ser o grande desafio do momento. É preciso ser consciente, respeitador dos direitos e cumpridor dos deveres. A principal razão de ser da ética é a aprendizagem da convivência humana, a ética é a maneira de ser e relacionar- se com o outro.

Por natureza, a pessoa é um ser relacional, ela vive em convívio social, preocupada com o seu bem estar e o do próximo. Esse é o ideal de pessoa democrática: a pessoa comprometida com a sociedade e com as idéias democráticas.

Em uma vivência de relações sociais sustentadas por princípios democráticos, a participação da pessoa tem adquirido historicamente o nome de cidadania. Isto implica um avanço no entendimento da relação entre pessoa e sociedade: a pessoa envolvida na sociedade de forma participativa é cidadã, ou conforme a expressão de Betinho, é agente da "felicidadania".

Atualmente, quando olhamos a geografia da educação, encontramos diversas propostas e experiências, todas objetivando ressignificar a escola para as novas exigências. Enfim, uma escola que possa contribuir para a realização sustentável da sociedade e do ser humano que desejamos.

Portanto, é necessário que a escola defina, com clareza, sua identidade, para torná-la assim um contexto e clima organizacional propício à iniciação e desenvolvimento de vivências personalizadas e cooperativas. Uma escola que cria condições para: construir valores (aprender a ser); desenvolver capacidades (aprender a aprender) desenvolver sua identidade pessoal e a socialização (aprender a conviver); atuar na ética, crítica e participativa na sociedade em todos os âmbitos, aprender a fazer.

Diante dos desafios globais da sociedade e do mundo em que vivemos, das novas exigências impostas pela revolução técnico - científico - informacional - social, acreditamos que a educação deve ser inclusiva.

De fato, uma das finalidades da educação é o alargamento do horizonte cultural do educando e a construção da solidariedade humana: Quanto mais amplo o mundo em que cada um de nós habita, mais espaço há para o diferente, para o novo que humaniza, para o diálogo, para a revisão crítica dos saberes e sua socialização, para as relações interdependentes e orgânicas. Portanto, uma educação capaz de formar cidadãos transparentes, preocupados com a promoção da vida, com a participação, com a solidariedade e a fraternidade.

Ora, uma escola que viabilize essa educação inclusiva e solidária deve ter uma metodologia de natureza participativa e dialética, que prepare para a vida, que seja flexível às diversas mudanças, sem embarcar nos diversos modismos, comprometida com o ser, através de práticas pedagógicas também participativas e dialógicas. Que conceba, conseqüentemente, o conhecimento como construção constante, na sua eterna tentativa de superação de limites inerentes a ele.

 

 

Dirce Trainoti.

Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Mackenzie de São Paulo. Pesquisadora em Educação e Inclusão. Pedagoga e Psicopedagoga, com muitos anos de trabalho na educação publica, municipal-estadual e na rede particular de ensino.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

ARAUJO, Paulo Roberto M. de. Charles Taylor: para uma ética do reconhecimento. São Paulo: Loyola, 2004.

 

ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação. Petropolis: Vozes, 2001.

 

GANDIM, Danilo. A prática do planejamento participativo, Petrópolis: Vozes, 8ª edição, 2000.


Autor: Dirce Trainoti


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