Estudo de Casos sobre Terceirização



O Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, considerado por alguns um dispositivo vetusto, é aclamado de maneira uníssona como uma norma que marca a mudança do modelo de administração pública no nosso país, passando a partir de então de um regime patrimonialista para o racional.

Em seu livro Parcerias na Administração Pública, Maria S. Z. Di Pietro (1999) nos ensina que é perfeitamente possível no âmbito da Administração Pública a terceirização como contrato de prestação de serviços, sendo isso exatamente o que se busca com essa iniciativa.

Na mesma linha de pensamento, o doutrinador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, ao desenvolver o seu artigo sobre "A Terceirização de Serviços na Administração Pública"[1] entende que a mesma pode ser adotada com sucesso, ressalvando a necessidade de adoção de determinadas cautelas, das quais destaco, verbis:

Descaracterizando a relação de emprego e a responsabilidade subsidiária

Nesse ponto, é importante sinalizar alguns aspectos que dificultam a iniciativa de pleitos que buscam a relação de emprego e mesmo a responsabilização subsidiária ou solidária do tomador do serviço, podendo ser, assim, resumidos:

a) trabalho feito no estabelecimento da empresa contratada. Embora possível o reconhecimento do vínculo, há maior dificuldade de definir quem dá ordens, o horário de trabalho, a pessoalidade;

b) serviço que não se define pelo efetivo que tem que trabalhar na execução do serviço. Quando for terceirizado determinado serviço, não podem e não devem os agentes da Administração Pública interferirem no quantitativo a ser empregado na execução do trabalho. Quando imprescindível a indicação de postos de trabalho, como por exemplo no caso de vigilância ostensiva, a Administração deve indicar o posto e número de horas a ser guarnecido, deixando o contratado livre para definir o efetivo e, especialmente, quem será contratado. Não raro, ouvem-se afirmativas no sentido de que o Diretor indicou um servente para a empresa de conservação. Esse fato, mesmo que isoladamente, caracteriza ato de improbidade administrativa. Quando ocorre a terceirização, é absolutamente vedado interferir na gerência do contratado, ressalvados apenas os atos tendentes a verificarem o cumprimento das obrigações legais, pelas quais a Administração Pública possa vir a ser condenada, em caso de descumprimento;

c) uso de materiais e equipamentos do contratado. O fato isolado não descaracteriza a relação de emprego, mas no conjunto é um indicativo de ausência de dependência econômica. Esse aspecto assume relevância, quando são utilizados equipamentos caros ou de alta tecnologia, de propriedade da empresa contratada;

d) a completa ausência de contato entre os empregados do contratado e os agentes da Administração Pública. Nesse ponto, a própria Lei nº 8.666/93 define que na execução do contrato os contatos e a fiscalização devem ser feitos entre o executor, gestor ou fiscal da Administraçãoe o preposto da contratada. (g.n)

Ainda nas linhas correntemente traçadas pelo Tribunal de Contas da União, quando uma empresa terceiriza um serviço, sempre uma atividade meio, ela contrata outra empresa para realizar aquela atividade, por sua conta e risco, interessando à empresa tomadora dos serviços o resultado, o produto, a tempo e modo, independentemente de quais ou quantos funcionários a empresa contratada empregou.

Assim, antes mesmo de avançar para a contratação de determinados serviços de terceiros, é necessário que se proceda ou à análise dos pontos de contato desses serviços com as atribuições presentes nos cargos/áreas de atividade/especialidades do plano de cargos do órgão público, de modo a viabilizar o estrito cumprimento do §2o do art. 1o do Decreto nº 2.271/97,[2] ou, de outro lado, que se declare tais cargos, que englobam atividades inerentes a esses serviços, em processo de extinção. Nesse segundo caso, só poderá ocorrer a alteração da área de atividade e/ou especialidade dos cargos após a respectiva vacância, o que corresponde ao fato de que em tese só se poderia deslocar o servidor ocupante desse cargo para outra área ou especialidade em caso de seu falecimento, aposentadoria, demissão, exoneração ou posse em outro cargo inacumulável.

De qualquer modo, uma vez declarado o cargo "extinto" ou "em extinção" (em verdade, extinção área de atividade e da especialidade), pode-se avançar de plano para o processo de execução indireta dos serviços, mas, repisamos, isso não implica de modo algum autorização para desviar os recursos humanos originariamente pertencentes a esses cargos, há de se esperar que os mesmos se tornem vagos, ex vi, inclusive, do art. 13 da Lei nº 8.112/1990.

Os contratos de terceirização, com mão-de-obra residente, inerentes às categorias funcionais do plano de cargos não devem ter seus valores registrados contabilmente em elementos de despesa[3] que, em verdade, não evidenciam a inquestionável ilicitude dessas contratações, sendo que o correto é que as despesas relativas aos mesmos figurem no elemento de despesa 34.[4] De igual modo, o somatório dos valores correspondentes a estas contratações (na parte em que correspondam à substituição de servidores) deve estar repercutido no §1ºdo art. 18 da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Assim sendo, o planejamento de terceirização deve ter em vista estas disposições, a fim de que não seja objeto de execução indireta atividade inserida nas atribuições dos cargos por lei instituídos.

Cabe salientar que o Tribunal de Contas da União vem reiteradamente manifestando-se no sentido da imperiosa observância deste requisito normativo, a fim de configurar a terceirização com caráter de legalidade. Abaixo, transcrevemos parte do voto do Exmo. Ministro Relator da Decisão nº866/2002 – Plenário, proferida em sede de Pedido de Reexame de decisão que determinou a suspensão da contratação de mão-de-obra para o desempenho de atividades inerentes ao plano de cargos e salários no Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios:

5. É de conhecimento de todos a grande demanda pela prestação jurisdicional do Estado no nosso país e a falta de adequado aparelhamento do Poder Judiciário para a ela fazer frente. Entretanto, não pode o administrador público agir ao arrepio da lei para o melhor desempenho de suas funções de atendimento à população. Em diversos julgados o Tribunal tem se posicionado no sentido da suspensão das contratações indiretas de pessoal para o desempenho de atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo Plano de Cargos e Salários do órgão contratante, bem como pela abstenção da prorrogação dos contratos vigentes, por entender que contrariam as disposições do art. 37, inciso II, da Constituição Federal, representando burla à obrigatoriedade de concurso prévio para admissão no serviço público (Acórdão no 37/95 TCU-2ª Câmara, Decisão no 164/93 TCU-Plenário, Acórdão no 127/95 TCU-Plenário, Decisão no 567/95 TCU-Plenário). Também nesse sentido, o Enunciado de Decisão no 000386 do Tribunal esclarece: O desempenho sistemático por terceiros de atividades inerentes às categorias funcionais do Plano de Cargos e Salários de uma Entidade caracteriza-se como contratação indireta de pessoal, em desacordo com o art. 37, inciso II, da Constituição Federal. (g.n.)

No mesmo sentido decidiu aquela Corte de Contas no Acórdão nº290/2001 — Plenário — ao recomendar à Procuradoria-Geral da República que "diante da impossibilidade da concomitância de contratação de empresa de segurança com a existência de cargo nos quadros da instituição com a mesma atividade (Decreto nº 2.271/97, art. 1º, §2º), e segundo entendimento jurisprudencial já firmado por este Tribunal (AC-0037-04/95-2, AC-0073-28/95-P, DC-0153-09/94-P, DC-0372-36/96-2, DC-0238-18/96-P e DC-0443-40/95-P), analise a questão, segundo suas peculiaridades, e delibere acerca da conveniência de manutenção do profissional de nível auxiliar, área III — vigilância (art. 2º, 3, área III, da Lei nº 8.628/93) na estrutura do quadro de pessoal ou a sua extinção/transformação com progressiva transferência dessa atividade à iniciativa privada, por meio de licitação" (g.n.).

Dito isto, e tendo como foco a proibição de execução de atividades com previsão em plano de cargos, imperioso concluir que, por exemplo, no âmbito do Poder Judiciário, a observância do preceituado no §2º do art. 1º do Decreto nº 2.271/97 remete inevitavelmente às disposições da Lei nº 9.421/96.

Referida lei instituiu as carreiras dos servidores do Poder Judiciário e determinou que sua implantação dar-se-ia por meio do enquadramento dos servidores, respeitadas as atribuições e requisitos de formação profissional, verbis:

Art. 4º. A implantação das carreiras judiciárias far-se-á, na forma do §2º deste artigo, mediante transformação dos cargos efetivos dos Quadros de Pessoal referidos no art. 1º, enquadrando-se os servidores de acordo com as respectivas atribuições e requisitos de formação profissional, observando-se a correlação entre a situação existente e a nova situação, conforme estabelecido na Tabela de Enquadramento, constante do Anexo III.

Os critérios e procedimentos para enquadramento nas carreiras criadas pela Lei nº 9.421/96 foram definidos com a edição da Resolução Administrativa nº 833/2002 do Tribunal Superior do Trabalho, que regulamentou a transformação dos cargos providos e vagos e o enquadramento por área de atividade e especialidade no âmbito da Justiça do Trabalho, conforme determinado no art. 19, inciso II da referida lei.

Importante ressaltar que este ato normativo deixou consignada a possibilidade de alteração da área de atividade ou especialidade dos cargos vagos ou não providos, abrindo margem à terceirização de atividades inicialmente previstas em plano de cargos, in verbis:

Art. 3º - A transformação dos cargos de que trata o art. 4º da Lei nº 9.421/96, já autorizada no âmbito da Justiça do Trabalho, mantidos os respectivos quantitativos, abrangendo os cargos providos existentes em 26 de dezembro de 1996 nos Quadros de Pessoal da Secretaria dos Tribunais do Trabalho, ajustar-se-á à correlação entre a situação anterior e a nova, conforme Anexo.

§1º - A transformação dos cargos vagos ajustar-se-á à mesma regra geral do caput deste artigo, ficando as áreas e especialidades para serem definidas pela Administração, respeitados os concursos em andamento e em vigor.

§2º - Poderá ocorrer a alteração da área de atividade e/ou especialidade dos cargos que vagarem após a transformação e dos não providos, conforme as necessidades identificadas pela Administração, nos seguintes casos:

I - inexistência de concurso público em andamento, assim considerado o que tenha sido publicado em edital, mesmo que não homologado o resultado final;

II - após o preenchimento das vagas previstas no edital de concurso público.

Com base nisso o TST, acompanhado de outros órgãos federais, declarou a extinção de algumas especialidades, bem como deliberou a transformação da área e especialidade dos cargos que viessem a vagar, com vistas a repassar a execução de tais atividades à iniciativa privada.

Destaquem-se as Resoluções nº 832/2002 e nº 924/2003, ambas do TST, que declararam em processo de extinção as especialidades de Copa e Cozinha e Segurança da Área de Serviços Gerais do quadro de pessoal daquela Corte Superior, determinando a execução indireta das atribuições e a alteração da respectiva área e especialidade conforme a ocorrência de vacância dos respectivos cargos. Mais recentemente, a Resolução nº 1.061/2005 alterou a denominação da Especialidade Segurança e Transporte para Segurança Judiciária, bem como das correspondentes atribuições e procedeu à terceirização do transporte e vigilância no âmbito daquela Corte Superior.

Em outra oportunidade, o TST alterou área e especialidade de diversos cargos que se encontravam vagos, por meio da Resolução nº 929/2003.

Imperioso salientar, nesse passo, a impossibilidade de alteração de área e especialidade de cargo ocupado, entendimento aferido a contrariu sensu do disposto no §2º do art. 3º da Resolução nº 833/2002 do TST. Como conseqüência, o aproveitamento de servidores ocupantes de cargos nas áreas e especialidades em processo de extinção deve ficar restrito às atribuições que lhes eram inerentes, a fim de que não fique caracterizado desvio de função.

Assim, a terceirização nos casos em que ocorra quantitativo remanescente de cargos ocupados deve ser gradual, crescendo a necessidade à medida que os cargos forem vagando até que, vagos todos os cargos e alteradas as respectivas áreas e especialidades, a atribuição correspondente seja exercida exclusivamente por meio de contratação.

Resta-nos, por fim, destacar que o Tribunal de Contas da União, na ocasião em que regulamentou a terceirização em seu âmbito, conforme voto do relator do Acórdão nº 26/2003, que aprovou a resolução que dispôs sobre a terceirização de serviços administrativos, acolheu a sugestão da Segedam, que propugnou pela concessão de faculdade à Presidência do TCU para a fixação de um quantitativo mínimo de vagas dos cargos efetivos passíveis de extinção, de modo a estabelecer uma reserva técnica, destinada a suprir eventuais necessidades da administração daquela Corte de Contas, sendo que tal sugestão restou convalidada na Portaria-TCU nº 116/2003, conforme o disposto no art. 2º. Essa reserva técnica é instrumento que pode ser utilizado quando se decida pela reserva de cargos, seja para atendimento de eventuais necessidades da Administração, seja para manter no quadro de pessoal servidor com conhecimento técnico na área da contratação, a fim de proceder à fiscalização contratual.


[1] Disponível em: <http://www.jacoby.pro.br/artigos/artpublicados.html>. Acesso em: 13 jun. 2005.

[2] Este dispositivo torna defesa a contratação indireta de atividades inerentes às categorias funcionais do plano de cargos do órgão.

[3] Elemento 36 - "outros serviços de terceiros - pessoa física" - Elemento 37 - "Locação de mão-de-obra" - Elemento 39 - "outros serviços de terceiros - pessoa jurídica"

[4] As despesas com contratos de terceirização de mão-de-obra em substituição a servidores integram o Elemento 34 – "outras despesas de pessoal decorrentes de contrato de terceirização", em obediência ao art. 18, §1º, da Lei Complementar nº 101.


Autor: marcelo neves


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