A LEITURA LITERÁRIA E OS LIVROS DIDÁTICOS: NÃO SALVE LIVROS. SALVE LEITORES.



"Quem salva um livro, salvou um livro.

Quem salva um leitor, salvou centenas de livros".

Alessandro Martins

O primeiro contato que muitas crianças e jovens têm com o objeto livro é, quando ingressos na escola, passam a estudar com os livros didáticos. Neles, as crianças encontram, além de regras gramaticais e conteúdos programáticos, textos e ilustrações que são utilizados como suporte pedagógico para muitos professores. De acordo com o pensamento deLajolo e Zilberman (1996),o livro didático se constitui numa das modalidades mais antigas de expressão escrita por ser o agente principal para o funcionamento das escolas.

Analisando o tema, a partir da ótica das autoras, percebe-se que o livro didático é um ponto de referência entre a história da leitura, pois é ele que acompanha grande parte da vida de um estudante. De acordo com Lajolo e Zilberman (1996, p.121):

O livro didático interessa igualmente a uma história da leitura porque ele, talvez mais ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode não ser tão sedutor quanto as publicações destinadas à infância (livros e histórias em quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as etapas da escolarização de um indivíduo [...].

Porém, esse material que acompanha a rotina de um estudante, desde o início de sua caminhada estudantil, não é um ponto de referência no que se aludi à leitura, pois o foco direcionado aos livros didáticos não se concentra no estímulo para ler. Isso tudo porque os educadores se utilizavam da leitura como formação pedagógica, fazendo assim, um instrumento de aprendizagem da língua materna e, também, se utilizavam dessas aulas para transmitirem uma função moralizante, de certo e errado, para seus alunos. As cartilhas, em sua grande maioria, eram utilizadas para transmitir regras e conteúdos gramaticais, utilizando-se de textos literários para gerar a formação do saber nos alunos. Como reforça Dalcol (2007), a leitura infantil surgiu comprometida com a educação.

Sendo assim, pode-se dizer que a utilização desse material como suporte para seduzir um público leitor, acaba por se tornar um método não viável por duas questões problemática, sendo a primeira, o histórico comprometedor que inseriu o livro didático no meio estudantil, com seu teor educativo, ditador de regras e comprometido com uma educação moralista. Tendo como conseqüência, na segunda problemática, o abandono desse material por parte de seus usuários. A cada final de ano letivo, os alunos devolvem os livros utilizados, como se os eles possuíssem um "prazo de validade" no qual não serviriam mais para o uso, deixando no esquecimento as leituras e o material por eles utilizado (LAJOLO E ZILBERMAN, 1996).

A realidade acerca dos livros didáticos não é das melhores, e não por culpa dos estudantes, que deles se ocupam. Como foi exposto, a responsabilidade de tal "desgosto" é devida a uma metodologia retrógrada de utilização do material didático pelo corpo docente. Caberia aos educadores darem uma maior atenção à maneira de como estão se utilizando desse material em sala de aula.No momento que enxergarem que os livros didáticos são recheados de textos dos mais variados gêneros (poemas, narrativas, histórias em quadrinhos), podendo transmitir para os seus alunos a sedução pela leitura, o gosto em ler os seus textos, estimular a criatividade das crianças e jovens, enfim, servir de elo entre um público em formação leitora e uma educação de qualidade, os livros didáticos possuíram uma essência rica em matéria literária.

O corpo discente, em idade escolar, deve ser visto como leitores em formação sócio-crítica. Cabe a eles (com o apoio e estímulo do educador) o ato de ler e interpretar o significado do texto, conforme Conceição (2005). Nesse sentido, os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª séries, sobre a leitura em ambiente escolar, afirmam que:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que se sabe sobre linguagem, etc. [...] Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência [...] (PCNs de Língua Portuguesa – 5ª a 8ª séries, p.69, 1998)

O livro didático é uma poderosa fonte de conhecimento acerca do mundo e dos valores humanos e sociais. Eles possuem a meta de transmitir a educação para uma sociedade em termos pedagógicos (letramento) e em termos de cidadania (valores sociais) e, isso tudo pode ser desenvolvido por meio da leitura dos textos contidos neles. No entanto, para que isso ocorra de forma eficaz, cabe ao professor a competência de saber desempenhar, em sua função de educador, a fusão entre o educar e o estimular para a leitura. O que resta é a evolução nos métodos de ensino, quando se utilizarem desse suporte para planejarem aulas e atividades educativas. O livro didático, neste contexto, não deve servir como um simples mediador de conteúdos escolares, ele deve servir como um primeiro estímulo ao gosto pela leitura.

O que é possível perceber, em matéria de evolução, é a melhoria que os livros didáticos tiveram desde o seu surgimento. Nos dias de hoje, eles se apresentam cada vez mais chamativos em sua estética editorial: designer moderno, capas coloridas, muitas ilustrações, folhas especiais, etc. Mas, será que o objetivo de tanta melhoria é o de resgatar e incentivar à leitura dos livros didáticos? Ou será que, a real finalidade de tanta inovação está concentrada meramente na estética visual e comercial do livro? Sobre esse ponto de vista, Chartier (2002, p.21) expõe que "a multiplicação dos livros tornou-se mais uma fonte de 'confusão' do que de saber, e a imprensa, com todo o 'excesso' de livros que gerou, não produziu novos gênios".

A sociedade educadora e editorial deveria estar preocupada é com meios de salvar os leitores, resgatá-los para a leitura, e não apenas se concentrarem em salvar o visual estético dos livros e primarem pela venda excessiva, pois, afinal, de nada adianta livros perfeitos se não houver leitores.

Referencias bibliográficas:

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental (1997-1998). Parâmetros Curriculares Nacionais: Primeiro ao quarto ciclo de Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF

CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: UNESP, 2002.

CONCEIÇÃO, Rute I. Simões. A leitura no livro didático: uma dicotomia entre o discurso e a prática. Disponível em http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v8n1/rute.pdf . Acesso em 22 abr. 08.

DALCOL, Susana Irion. A produção do livro e o estado da leitura. Dobras da Leitura, Ano VIII – Nº. 43-mar. 2007. Disponível em < http://www.dobrasdaleitura.com >. Acesso em 23 abr. 08.

LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. Editora Ática, 1996.


Autor: Guilherme da Silva dos Santos


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