O Horror Econômico



CITAÇÕES

"Nossos conceitos de trabalho e por conseguinte de desemprego em torno do qual a política atua (ou pretende atuar), tornam-se ilusórios e nossa luta em torno deles, tão alucinadas quanto o Quixote contra os moinhos" pg. 07

" quando tomaremos consciência de que não há crise, nem crises, mas mutação (interrogação)" pg 08

" (...) riscando das listas os que completaram pelo menos 78 horas de trabalho no mês, ou seja, menos de duas semanas sem garantias (...) " pgs. 09\10

"São levados a se considerar indignos dela, e sobretudo responsáveis por sua própria situação (...)" pg. 11

"a economia mais que nunca confundida com o comércio, ou seja, a economia de mercado" pg 13

" Elas estão acima das instâncias políticas e não levam em conta nenhuma ética, nenhum sentimento" pg. 30

" Primeiro argumento, sob a forma de refrão: a promessa redundante e sempre mágico de "criação de emprego " ". pg 52

" A indiferença é feroz. Ela constitui o partido mais ativo, e certamente o mais poderoso " pg. 41

"mais de uma internacional a outra, será que se trata "realmente" de uma luta final ?" pg. 109

"Jamais se imaginaria que ser libertado do jugo do labor teria muita catástrofe no mau sentido da palavra pg 115"

"Por que ninguém parece pensar em sequer em se adaptar às exigências da mundialização, exercitando-se para não suporta-la, mas para livrar-se dela? " pg 188

"Como não imaginar os acontecimento possíveis sob um regime totalitário,que não teria qualquer dificuldade para se mundializar (...)" pg 142

" Promessa de uma ressurreição de espectros, que permite pressionar ainda mais, enquanto ainda é tempo, ou colocar fora de jogo aqueles que essa logo reduzirá à condição de escravos, se já não o fez (...)" pg 144

" Ou conduzirá ao desaparecimento. À eliminação." pg 145

Introdução

Primeiramente se faz necessário ressaltar a grande visão crítica da qual a autora dispõe na referida obra, visão esta que, não está distorcida pela utopia do emprego que vivemos.

Em uma abordagem direta e norteada por várias outras obras, Viviane Forrester passa seu posicionamento de forma clara e simples, se opondo a uma sociedade que tenta reviver um modelo entre empregador e empregado que há muito, não mais condiz com a realidade social instalada. Mesmo tendo em vista que do momento em que foi escrito até hoje, já se passou algum tempo, não poderia a obra ser mais atual e mais realista.

Vemos a desmistificação de toda a falácia que circunda aquilo que a sociedade prega como sendo o conceito de emprego, empregado, acordo de vontades, é revelado que estes, jamais poderão aproximar-se de inclusão ou igualdade.

Ser empregado não é privilégio de muitos mas, continua a ser pressuposto fundamental para que o indivíduo seja aceito, distanciando, desta forma, cada vez mais de um vínculo onde duas partes fazem concessões e tem seus interesses representados, para um acordo de vontade unilateral. O empregador neste caso faz sua vontade prevalecer perante a do trabalhador, uma vez que é o patrão que tem o direito de escolha, acabando por classificar e escolher seres humanos como peças de uma grande máquina, que não tem família ou necessidades próprias e que principalmente, não tem voz.

Chegamos a uma situação de desespero econômico tão absurda que, pessoas não mais são vistas em sua essência humana, mas meramente como mão-de-obra. Nega-se a qualidade fundamental de um ser. Cria-se um gigantesco e grotesco mercado de trabalhadores, onde aquele que no final da feira não é levado, se sujeita a qualquer preço, assim, exatamente como as verduras não escolhidas. E além, sente-se privilegiada com o quase nada que vale, ao menos há um quase na frente do nada, situação real.

1.1 ALUCINADOS COMO O QUIXOTE

Para ilustrar essa lógica insana, utiliza-se a autora em uma de suas passagens o exemplo de Dom Quixote, que se projeta a uma realidade totalmente sua, paralela ao verdadeiro mundo que o cerca. Faz-se de moinhos inimigos monumentais, e aos verdadeiros passam despercebidos, inocentes e indefesos, muitas vezes até se glorifica o indigno e rebaixa-se a dignidade a mera condição filosófica, pertencente a uma visão subjetiva que não deve ser levada em conta, porque ao final do mês não é a dignidade que coloca a comida na mesa quebrada do barraco do subúrbio.

O trabalhador é atirado à miséria, no impensável, tornando o que antes parecia inaceitável em glorioso. Vivemos um jogo profano de interesses, onde os únicos que não são representados são os protagonistas, a mão que levanta o prédio, que limpa a casa, que varre a rua, que ensina as crianças, que monta os carros enfim, as verdadeira mãos invisíveis de Adam Smith que fazem a economia girar.

Porque negamos o inegável por aquilo que é de todas as formas inaceitável? Nos vestimos de uma época que não existe mais e vivemos nesse mundo passado com toda a intensidade de um verdadeiro Dom Quixote de La Macha.

Mas a recíproca não é verdadeira, o mundo não entra nesse sonho conosco e mais cedo ou mais tarde nos é cobrado, individualmente a loucura afetada que produzimos. Favelas, marginalização, analfabetismo, trabalho-escravo... definitivamente a realidade não sabe brincar.

1.2 CRISE, REALMENTE A TEMOS ?

De forma reiterada vincula-se a idéia de crise, como justificativa do desemprego mas, até que ponto o é, de fato ? Crise indica a decadência de um sistema que não a deseja, nem contribui diretamente de forma consciente para que ela exista. Crise não é programada desde o início, é a pedra no percurso que te faz cair sem que seja você que a tenha colocado lá, intencionalmente.

O que existe na realidade é uma mutação! A modificação espontânea do sentido de trabalho. É espontânea ao passo que sempre, em todos os momentos históricos a mudança somente é feita quando esta, é interessante a menor e mais poderosa casta social: os detentores do poder e do dinheiro, os senhores da distribuição da renda, os bem nascidos, afortunados geneticamente com o dom da riqueza.

A estes, não é mais lucrativo enxergar e tratar o empregado como indivíduo, como pessoa, de forma que para este também seja lucrativa esta relação. O desemprego é programado, as massas são induzidas e conduzidas ao erro. Os cegam de tal maneira que nunca mais voltam a enxergar, e assim terão que ser conduzidos por uma boa mão que teoricamente o protegerá.

A indústria da miséria tem no desemprego seu principal ator, aclamado como o condutor do espetáculo, aquele que cria uma verdadeira nação de desavisados, sedentos pelo milagre que o herói promete toda a vida que fará. Ora se até mesmo Dom Pedro II o fez, em sua celebre frase: "acabarei com a seca do nordeste, nem que para isso venda todas as jóias da coroa!". As jóias se foram, a coroa também, mas o solo "fértil" da seca não. Continua sendo canteiro de esperanças e essas, são cultivadas cuidadosamente para que jamais torne-se a esperança em realidade.

Tendo criado o cenário perfeito para um herói, eles vêm com migalhas que se tornam banquetes, e aqueles quem tem a sorte de pegar alguma dessas migalhas passam a não mais se identificar no rosto do outro. Sentem então, que passaram para o outro lado, agora também existem. Falsamente! Sua existência de inexistente passa para de fato, porque de direito, jamais o será. Mas ele não enxergará isso, continuará a se sentir afortunado e passará agora a além de não se identificar, condenar aquele que não conseguiu alcançar uma mísera migalha do pão. Joga-se uns contra os outros, dividir para governar, esse é o lema.

Passam a exigir aquilo que não se dá: emprego. Aquele que não o tem não é digno de respeito, é vagabundo. No entanto convenientemente é ignorado a inexistência de vagas para todos, o trabalho não é mais abundante. E como o seria não é mesmo ? Ao invés de valorizar o trabalhador, estes são empurrados para uma vala comum, onde não há opção, não há alternativa, não há saída. Só existe necessidade, e não são as minímas para o bom viver social, estamos falando das vitais para a sobrevivência humana.

A massa é tão induzida as margens da sociedade que infelizmente ela mesma passa a identificar com a sarjeta e com a exclusão como seu lugar de direito quando não o é . O trabalhador acredita na sua culpa e não vê que ele é a vítima, passa a assumir o papel de réu tão fielmente que jamais conseguirá se enxergar em outra condição. É a inversão do ônus, na sua forma mais cruel e desumana: santificar o monstro o condenar o inocente.

2. O LIBERALISMO HUMANO, MÁSCARA QUE ESCONDE A FACE CAPITALISTA, NA SUA MAIS TERRÍVEL FORMA.

O conceito de trabalho é tão desvirtuado que em nada se aproxima da realidade. Prega-se que o trabalho é semelhante, quando na verdade é hierárquico. É trabalhando este conceito que a autora faz duras críticas ao sistema liberal.

Teoricamente o vínculo de trabalho deveria ser adquirido de forma a perdurar no tempo, no entanto, não é dessa forma que se apresenta. O sistema possui diversas maneiras de burlar a lei. A mais eficientemente aplicada é levar o individuo a um estado de necessidade tão gritante que para possuir o mínimo para a sua sobrevivência, sujeita-se aos desmandos do patrão. Isto é conseguido na seguinte situação: para cada um que não se curva a condição indigna de trabalho existe mais mil que se curvariam em seu lugar.

Lei da oferta e da demanda, tão antiga quanto o próprio trabalho mas que jamais se mostrou tão atual. Quando tdmox uma massa de famintos eles se matam pelo pão, não se unem para conseguir o suficiente para todos.

O liberalismo ultrapassa o teor econômico, transcendendo seu campo de atuação e passando a atuar diretamente no social. A visão do lucro acima de tudo esmaga o humanitário, oprime o social e aniquila o coletivo. O afastamento da proteção do estado deixa a mercê seus membros, para empresas que não mais possuem nacionalidade, são multinacionais, não tem identidade, não ajudam a lugar algum, somente exploram por onde passam.

Quando não se têm raiz não existe nada a temer, não há pelo que lutar. Torna indefeso e suscetível de qualquer humilhação, não há leis que o parem. Sob a bandeira da liberdade é justifica a escravidão de um sistema econômico que não possuem face, nem corpo, nem sentimento, somente conta bancária, números frios e desumanos. Tudo é calculado, uma falta de humanitarismo intencional para que em hipótese alguma a perfeita engrenagem dos lucros possa ser afetada por esse sentimento fraco de igualdade entre os homens. Eles não se reconhecem como iguais, sua vida, sua história parece estar em um universo a parte do resto da massa desfavorecida.

E como se não fosse suficiente, a pouca oferta de trabalho , a derradeira condição de trabalhador, ainda compete com a eficiência imbatível de máquinas que não reclamam, não cansam, não gastam, não tem família nem ideais.

Ainda sujeitam o individuo a concorrência desleal dessas que são a obra prima e a criação mais querida do capital: a mecanização. É com muito sarcasmo que é abordada essa temática dentro da problematização.

É possível identificar durante a explanação de Viviane Forrester, uma visão apurada da realidade. Sarcásmo e inteligência, um humor negro que infelizmente é real, ela não poupa a verdade, nem cobre de rosas a erva daninha social. Dentre os exemplos citados neste sentido, destacaremos a seguir um dos mais importantes e condizentes com a proposta da autora.

PARIS : A CIDADE LUZ QUE NASCE DAS TREVAS

Talvez, por ser conhecida mundialmente como a cidade luz, rodeada por glamour e sofisticação, berço das artes e dos artistas, dos amantes e dos amados, tenha escolhido a autora justamente a cidade de Paris para fazer o quadro demonstrativo de comparação que não deixa dúvidas quanto a veracidade da posição defendida em toda a obra.

A mesma cidade que comporta o luxo, comporta também os guetos dos excluídos, abrangendo de forma considerável a massa marginalizada. E consegue de uma forma que somente a monstruosidade de um sistema desumano, consegue tão fortemente tornar invisível aos olhos de todos, como se o mendigo parisiense não repousa-se sua cabeça cansada, seu olhar vago na calçada de seus cafés, ícones de conforto e bem estar no mundo inteiro.

É como se toda a massa que foi barrada na entrada simplesmente não existisse, lhes é dado o poder da invisibilidade que nesta temática não se torna um dom e sim uma maldição social que parece jamais ser possível de vencer. É a materialização da coerência incoerente.

Mas Forrester, é clara em destacar que Paris não é o único exemplar deste tipo de relação. Como a cidade luz existem incontáveis lugares no mundo, o que não faz desse tratamento certo mais simplesmente inerente a sociedade desse tempo.

CONCLUSÃO

O inegável na leitura de Viviane Forrester em "O Horror Econômico" é a sensibilidade inabalada por conceitos falsos de realidade e seu conhecimento notório em variadas áreas do conhecimento empírico e humano.

A autora passeia por áreas da sociologia, da economia, da antropologia e até mesmo da psicologia histórica, para fundamentar seu posicionamento peculiar e muito próprio quanto a problemática do desemprego mundial. Utilizando-se de outras obras e exemplos verídicos para se sustentar em sua explanação.

A leitura desta obra não te deixa imparcial, te traz reflexões profundas e que em sua essência são tão simples e inerente ao dia a dia que você começa a se indagar em como pôde ficar tanto tempo sem se questionar quanto a sua posição dentro de todo esse sistema.

Mais especificamente trazendo para a área jurídica de atuação, a análise da obra vem de forma a ajudar a construção da visão critica que tanto tem faltado na formulação e aplicação da lei. Partindo da premissa que o direito é uma ciência social por excelência, nada mais coerente que seus operadores tenham em sua visão a parcela social que lhes cabe para atender a sua função de reguladora das relações sociais.


Autor: Larissa Gazel


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