Evidências de estresse ambiental na fauna de gafanhotos (Insecta, Orthoptera) da Formação Santana (Cretáceo Inferior do nordeste brasileiro)



NOGUEIRA, L. C. 1 e MARTINS-NETO, R. G. 2

  1. Graduação em Ciências Biológicas, Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES/JF
  2. Professor Visitante, PPBCA, Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF / Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES JF / Sociedade Brasileira de Paleoartropodologia – SBPr. UFJF, Campus Universitário – 36.036-330, Juiz de Fora, MG. [email protected]

INTRODUÇÃO

No caso dos espécimes alóctones e parautóctones encontráveis no sítio deposicional, realmente é um dado importante saber como o espécime chegou, se vivo ou morto. Obviamente todos os fósseis coletados estão mortos! De qualquer modo, o interesse tafonômico consiste em saber o exato momento antes da morte definitiva. Um espécime pode chegar vivo ou morto ao sítio deposicional. Se morto, algo aconteceu no ambiente em que vivia. Por exemplo, os artrópodes foram envenenados antes de suas chegadas (incêndios, erupções vulcânicas, etc) e assim transportados ao sítio deposicional, ou por terra (águas torrenciais, rios, cursos d'água, chuvas, etc) ou ar (ventos), sendo assim um transporte passivo. Se vivo, sua chegada foi devido aos ventos ou através dos mesmos fluxos terrestres hidrodinâmicos apontados, mas nesse caso o transporte foi ativo. Um espécime terrestre encontrado no sítio deposicional não diz por si só nada sobre a paleoecologia do local onde foi encontrado, mas sim, diz muito sobre a paleoecologia do ambiente em que vivia.Segundo Martins-Neto (1996) pelo menos um grupo de insetos demonstrou ter experimentado episódios de mortandade em massa na Formação Santana: ninfas de Hexagenitidae (Ephemeroptera), sendo um grupo autóctone (provavelmente viveram no mesmo sítio deposicional). Os problemas, que causaram a morte dos artrópodes terrestres, podem não ser os mesmos para aqueles aquáticos, mas esse não é o caso para os gafanhotos, que eram muito diversificados (pelo menos trinta espécies conhecidas), mas também com quase todos os espécimes chegando mortos ao sítio deposicional. Por outro lado, as ninfas de Ephemeroptera estavam passando por um problema ecológico (Martins-Neto 1996), não restrito a elas: o problema havia afetado provavelmente também todos os outros grupos autóctones ao paleolago: ninfas de Odonata, heterópteros e coleópteros aquáticos, peixes, anuros e muitos outros. Esse problema sazonal pode ter sido simples: uma mudança na concentração de sal, a evaporação do lago inteiro (coerente com os dados sedimentológicos e paleoclimáticos – taxa de evaporação alta, clima quente tendendo à aridez), envenenamento (o ciclo algálico, ver Martins-Neto 2006), chuva ácida, e assim por diante. Mais do que 90% dos outros grupos de artrópodes chegaram vivos ao sítio deposicional.

OBJETIVOS

O objetivo da presente contribuição é, baseando-se na análise tafonômica do material analisado, detectar possíveis evidências de estresse ambiental, acarretando mortalidade em massa na fauna especificamente de gafanhotos do Cretáceo do nordeste brasileiro.

MATERIAL E MÉTODOS

O material consiste de 205 espécimes de gafanhotos analisados previamente (Martins-Neto, 2003), distribuídos em 4 famílias, 8 gêneros e 23 espécies, todos provenientes dos sedimentos do Membro Crato, unidade inferior da Formação Santana (Cretáceo Inferior do Ceará). De posse destes dados foi efetuada a análise tafonômica

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Gafanhotos são insetos dominantes na Formação Santana. Esta fauna, ao contrário de todos os outros grupos ali representados, é bastante peculiar, pois todos os espécimes analisados estão em posição de post-mortem natural (asas sobrepostas). Em ótimo estado de preservação (90% estão intactos), totalmente articulados tridimensionalmente. Há uma parcela muito pequena apresentando alguma parte do corpo faltando (geralmente a cabeça e os membros), e outra equivalente só com as asas, ou ainda algum fragmento do corpo. Mesmo nesse último caso, as asas ainda estão em posição de descanso (sobrepostas), às vezes ligeiramente deslocadas, o que é perfeitamente compatível com um curto transporte (Martins-Neto, 2006). Quando um inseto morre se debatendo na água, a posição de fossilização é totalmente distinta, com as asas distendidas e pernas afastadas. Considerando que os outros elementos da paleoentomofauna estão preservados de forma mais comum, com as asas abertas (sinal de afogamento), inclusive os grilos, que ocupavam – e ainda ocupam – os mesmos nichos dos gafanhotos, avalia-se que, mais que simples afogamento, a mortalidade em massa desses gafanhotos foi condicionado por uma situação de estresse ambiental (Martins-Neto, 2006).

CONCLUSÃO

A mortandade de gafanhotos como resposta a catástrofes, como vulcões e nuvens tóxicas exaladas por sobre o lago seria inviável, pois não atingiriam a apenas um grupo (e não existem evidências de eventos catastróficos dessa natureza na Formação Santana). A observação de gafanhotos modernos, contudo, mostra que espécies migradoras atuais (que possuem o mesmo morfotipo das da Formação Santana) possuem um mecanismo em seu metabolismo que lhes desperta uma necessidade de acasalamento e procriação vertiginosa quando o gradiente comida/temperatura é ótimo, multiplicando a população em escala geométrica. Com o aumento da população, o mesmo mecanismo é ativado e todos ao mesmo tempo, através de um feromônio, formam nuvens e migram, arrasando a vegetação por onde passam. Nesse ponto, a população ainda é grande, mas a comida fica escassa; quase que instantaneamente, outro feromônio atua, como que "desativando" o gafanhoto, e ocorre algo como "suicídio em massa", estabilizando novamente a população, até que o ciclo inicie novamente. Acredita-se, pois, que a mortandade registrada na Formação Santana deva corresponder a um fenômeno equivalente ao observado hoje, já que o morfotipo é o mesmo (longas asas do tipo migrador). A população elevada (a taxa de espécimes de gafanhotos na Formação Santana corresponde a uma relação de 1.000 para 1 em qualquer outro depósito conhecido) e as peculiaridades tafonômicas sugerem uma mortalidade em massa. No caso da Formação Santana, essa mortalidade é ainda mais dramática, pois parece ser definitiva, marcando o último registro do grupo para todo o Gondwana. O registro definitivo para a Laurásia é o do Cenomaniano da Mongólia, quando esse grupo de gafanhotos, os Locustopsidae, se extinguiu totalmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARTINS-NETO, R. G., 1996. New Mayfiles (Insecta, Ephemeroptera) from The Santana Formation (Lower Cretaceous), Araripe Basin, Northeastern Brazil. Revista Espanõla da Paleontologia, 11 (2), 177-192.

MARTINS-NETO, 2003. Systematic of the Caelifera (Insecta, Orthopteroidea) from Santana Formation, Araripe Basin (Lower Cretaceous, Northeast Brazil), with a review of the Family Locustopsidae Handlirsch. Acta Zoologica Cracoviensia, 46 (suppl.- Fossil Insects): 205-228.

MARTINS-NETO, R. G., 2006. Insetos Fósseis como Bioindicadores em Depósitos Sedimentares: um estudo de caso para oCretáceo da Bacia do Araripe. Revista Brasileira de Zoociências. UFJF, 8(2): 159-180.


Autor: Leandro Camerini


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