Lei 11.804/08 – A disciplina dos alimentos gravídicos



Conceito de alimentos
Os alimentos se caracterizam como o montante, em dinheiro ou não, necessário à subsistência de uma pessoa. Nos dizeres de Ricardo Rodrigues Gama (2000, p. 11):

“Por alimentos, entenda-se a obrigação de dar um montante, em dinheiro ou não, a outra pessoa, para a sua subsistência. Subentende-se incluso em alimentos, o vestuário, a habitação, a educação, o lazer, a assistência médica e os medicamentos”.

Complementados por Yussef Said Cahali (1998, p. 16):

“Alimentos são pois, as prestações devidas, feitas para quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)”.

E Lopes da Costa (1959, p. 110):

“Alimentos é a expressão que compreende não só os gêneros alimentícios, os materiais necessários para a dupla troca orgânica que constitui a vida vegetativa (cibaria), como também habitação (habitatio), o vestuário (vestiarium), os remédios (corporis curandi impendia)”.
Ora, o conceito jurídico de alimentos não se confunde com a sua acepção comum, pois abrange não apenas as substâncias nutritivas necessárias ao corpo humano, mas tudo aquilo que se coaduna com a subsistência digna da pessoa, como o vestuário, a habitação, os medicamentos, etc.
Neste contexto, as lições de Sílvio Rodrigues (1993, p. 380):

“Alimentos, em direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também de vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim, de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução”.
 
A obrigação alimentar
A lei estabelece a obrigação alimentar entre os parentes, cônjuges e companheiros, no artigo 1.694 do Código Civil:

“Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”

Nesta seara, o artigo 1.696 do mesmo diploma também é claro ao preceituar que é recíproco o direito à prestação de alimentos entre pais e filhos.
O dever de prestação de alimentos é imposto por lei, consoante Yussef Said Cahali (1998, p. 16):

“Constituem os alimentos uma modalidade de assistência imposta por lei, de ministrar os recursos necessários à subsistência, à conservação da vida, tanto física como moral e social do indivíduo”.

Ademais,  lei, conforme o caso, pode impor a obrigação de pagamento de alimentos naturais (aqueles estritamente necessários para a mantença da vida de uma pessoa) ou civis (abrangentes de outras necessidades, morais, intelectuais, de recreação, etc, segundo a qualidade do alimentando).
A obrigação de prestar alimentos é personalíssima, devida pelo alimentante ao alimentado, em função do parentesco existente.

Os pressupostos para a fixação da obrigação alimentar
Desde a concepção, o ser humano necessita de auxílio para a sua sobrevivência. Seus pais possuem, sempre, o dever de garantir o necessário e suficiente à sua formação e desenvolvimento.
Ainda de acordo com Yussef Said Cahali (1998, p. 30):

“Desde o momento da concepção, o ser humano, por sua estrutura e natureza, é um ser carente por excelência; ainda no colo materno, ou já fora dele, a sua incapacidade ingênita de produzir os meios necessários à sua manutenção faz com que se lhe reconheça, por um princípio natural jamais questionado, o superior direito de ser nutrido pelos responsáveis por sua geração. Subsiste esta responsabilidade (...) durante todo o período de desenvolvimento físico e mental do ser gerado”.

Em contrariedade à necessidade do filho, encontra-se a possibilidade de seus genitores. Nos termos do artigo 229 da Constituição Federal, ambos os genitores devem contribuir para a educação e o sustento da prole, de acordo com as suas condições financeiras.
Pondera Ricardo Rodrigues Gama (2000, p. 12):

“O alimentando deverá demonstrar a necessidade de receber a pensão alimentícia e que o alimentante tenha condições de prestá-la, isso porque, o quantum da pensão será fixado sobre  as condições financeiras e patrimoniais deste e as necessidades daquele”.

O binômio da necessidade-possibilidade se encontra esculpido no artigo 1.695 do Código Civil e consiste na regra de que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

Alimentos gravídicos. Limites e fundamentos previstos na lei 11.804/08
Os alimentos gravídicos podem ser conceituados como aqueles buscados pela gestante, durante a gravidez, no intuito de garantir o saudável desenvolvimento do nascituro.
A lei n° 11.804/08, sancionada em 05 de novembro de 2008, veio, tardiamente, disciplinar o direito à percepção de alimentos pela mulher gestante e a forma como será exercido.
Consoante seus dispostos, os alimentos gravídicos compreenderiam os valores suficientes para custear as despesas do período de gravidez, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras a que o juiz considere pertinentes. Tais alimentos devem compreender os valores suficientes para garantir a sobrevivência do feto.
Corrigiu-se uma injustiça secular, haja vista que, há muito, a lei põe a salvo os direitos do nascituro e este, por óbvio, tem o direito a um pré-natal adequado e sadio. Nas lições de Patrícia Donati de Almeida (2008):

“A nova Lei veio a suprir uma triste lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro até ontem: a inexistência de regulamentação dos alimentos gravídicos, ou seja, aqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, ao longo da gravidez. A Lei de Alimentos - Lei 5.478/68 - era considerada, pela maioria da doutrina, um óbice à concessão de alimentos ao nascituro, haja vista a exigência, nela contida, da comprovação do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar”.

E Maria Berenice Dias, que assevera que a concepção já se encontrava implícita no ordenamento jurídico (2008, p. 66):

“Enfim, está garantido o direito à vida mesmo antes do nascimento! Outro não é o significado da lei n° 11.804 de 05.11.08, que assegura à mulher grávida o direito a alimentos, a lhe serem alcançados por quem afirma ser o pai de seu filho. Trata-se de um avanço que a jurisprudência já vinha assegurando. A obrigação alimentar desde a concepção estava mais do que implícita no ordenamento jurídico, mas nada como a lei para vencer a injustificável resistência de alguns juízes em deferir direitos não claramente expressos”.
 
Segundo o diploma legislativo, os alimentos gravídicos se restringiriam à gravidez. Após o nascimento, eles se converteriam em pensão alimentícia. Fundamentar-se-iam não na certeza, mas em indícios de paternidade do Requerido. In verbis:

“Art. 6º Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão”.

Críticas à parte, neste caso específico, é razoável que tais alimentos sejam fixados com base em indícios de paternidade, afinal, o nascituro, deve ser entendido como ente detentor de absoluta prioridade.
Ademais, tais alimentos devem ser fixados consoante o binômio necessidade-possibilidade. As necessidades especiais da gestante serão consideradas mas também o serão as possibilidades efetivas do suposto pai.

A lei 11.804/08 e os princípios constitucionais
A lei 11.804/08 se coaduna com a realidade social bem como com os valores magnos consagrados no texto constitucional.
Primeiramente, é cediço que se encontra respeitado o princípio da dignidade da pessoa humana. Ora, toda gestante tem o direito a receber um tratamento condigno durante o pré-natal até o parto. A família (o pai e a mãe) deve assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, saúde, alimentação e dignidade de seus filhos.
Ademais, o diploma também se coaduna com os princípios da isonomia e da paternidade. Não apenas a mulher participou para a concepção daquele indivíduo, sendo que ambos os genitores devem cuidar para o desenvolvimento sadio daquele nascituro. Afinal, ser pai não é apenas colaborar com um espermatozóide.
Nos dizeres de Simone Roberta Fontes (2009):

“Não seria justo que a mulher assumisse sozinha todas estas despesas, pois não gerou o filho sozinha, aí entra a figura do pai e o princípio da isonomia (...).  Ambos, homens e mulheres são iguais perante a lei. (...)O homem tem a liberdade de reproduzir, o que não pode acarretar o abandono, o sofrimento e a morte de seu próprio filho.”

E consoante Maria Berenice Dias (2008, p. 66):

“A lei tem outro mérito. Dá efetividade a um princípio que, em face do novo formato das famílias, tem gerado mudanças comportamentais que reclamam maior participação de ambos os pais na vida dos filhos. A chamada paternidade responsável ensejou, por exemplo, a adoção da guarda compartilhada como forma preferente de exercício do poder familiar. De outro lado, a maior conscientização da importância dos papéis parentais para o sadio desenvolvimento da prole permite visualizar a ocorrência de dano afetivo, quando um dos genitores deixa de cumprir o dever de convívio”.

Os equívocos legais e os vetos presidenciais
Não obstante o mérito de consagrar a obrigação alimentar antes do nascimento, a lei 11.804/08, tal qual fora elaborada, ensejava uma série de críticas.
Deve se atentar que a lei evidenciava um caráter protetivo do réu, haja vista que seu artigo 10 previa uma hipótese de responsabilidade objetiva, por danos materiais e morais, na hipótese de comprovação de que o suposto pai não ser genitor.
Conforme acentua Maria Berenice Dias (2008), essa possibilidade geraria um precedente perigoso:

“Apesar de aparentemente consagrar o princípio da proteção integral, visando assegurar o direito à vida do nascituro e de sua genitora, nítida a postura protetiva em favor do réu. Gera algo nunca visto: a responsabilização da autora por danos materiais e morais a ser apurada nos mesmos autos, caso o exame da paternidade seja negativo. Assim, ainda que não tenha sido imposta a obrigação alimentar, o réu pode ser indenizado, pelo só fato de ter sido acionado em juízo. Esta possibilidade cria perigoso antecedente. Abre espaço a que, toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu. Ou seja, a improcedência de qualquer demanda autoriza pretensão por danos materiais e morais. Trata-se de flagrante afronta o princípio constitucional de acesso à justiça [04], dogma norteador do estado democrático de direito”.

Em boa hora, tal dispositivo fora vetado.
Outros artigos que não ingressaram em nosso ordenamento jurídico se referiam à competência do domicílio do réu (inimaginável em sede dos direitos do nascituro), bem como à necessidade de realização da audiência de justificação para a análise das provas e de apresentação de laudo médico acerca da viabilidade da gravidez. 
Patrícia Donati de Almeida (2008), analisa os vetos dos artigos 3º, 4º e 5º:

“Da leitura do texto sancionado verifica-se que vários dos dispositivos do texto original foram vetados. (...) O primeiro deles, o artigo 3º que previa a aplicação, para a fixação do foro competente para a ação respectiva, do art. 94 do CPC (Código de Processo Civil. (...) O dispositivo, ao prever a competência do domicílio do réu, mostrava-se em desacordo com a sistemática adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, que prevê como foro competente para processar e julgar ações de alimento o do domicílio do alimentado. Na seqüência, o artigo 4º segundo o qual a petição inicial deveria ser instruída com laudo médico que atestasse a gravidez e a sua viabilidade. O fundamento apresentado ao veto foi o fato de que, mesmo que inviável, enquanto durar a gravidez, a gestante necessita de cuidados, o que enseja dispêndio financeiro. O artigo 5º também foi alvo do veto presidencial: "recebida a petição inicial, o juiz designará audiência de justificação onde ouvirá a parte autora e apreciará as provas da paternidade em cognição sumária, podendo tomar depoimento da parte ré e de testemunhas, e requisitar documentos". Em parecer o Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União, manifestaram-se pelo veto do dispositivo, com base no fato de que na legislação brasileira a designação de audiência de justificação não é obrigatória em nenhum procedimento. De acordo com o entendimento firmado, ao impô-la como fase necessária à concessão dos alimentos gravídicos, a Lei 11.804/05 causaria um retardamento desnecessário ao processo”.
O dispositivo mais despropositado e que também fora vetado (artigo 8º) mencionava que, na hipótese de oposição de paternidade, a procedência do pedido de alimentos estaria condicionada à realização do exame pericial. Ora, a realização do exame pericial jamais poderia ser imposta como condição para a procedência da demanda. Segundo Maria Berenice Dias (2008), este seria o maior pecado da lei, dificultando a concessão do direito, privilegiando o Réu, arriscando o nascituro e onerando a gestante e o Estado:

“Não há como impor a realização de exame por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. Não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho nascerá antes do resultado do exame.”
Por derradeiro, o artigo 9°, que afirmava serem devidos os alimentos desde a data da citação, também fora vetado. Ora, consoante o ordenamento jurídico, em especial, a lei de alimentos, os alimentos provisórios são devidos desde o momento em que o juiz despacha a petição inicial. Se assim não o fosse, o Requerido se valeria de qualquer tipo de subterfúgios para se esquivar do Oficial de Justiça.  
Conclusões
A nova lei veio, em boa hora, suprir uma injustificável lacuna legal. Corretamente, o ordenamento jurídico passou a garantir o direito à vida antes mesmo do nascimento. Garantiu-se a dignidade do nascituro e se incentivou a paternidade responsável. Por óbvio, sempre haverão críticas ao diploma legislativo, em especial ao fato de os alimentos serem fixados com base em indícios de paternidade. Todavia, deve se ponderar que o feto (e a gestante) possuem necessidades especiais que devem ser satisfeitas. Consoante afirmado, o diploma se compatibiliza com os ditames constitucionais e felizmente, seus principais equívocos foram corrigidos antes mesmo de sua entrada em vigor.

Bibliografia
ALMEIDA, Patrícia Donati de. Lei 11.804/08 – A regulamentação dos alimentos gravídicos. Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/noticias/165482/lei-11804-08-a-regulamentacao-dos-alimentos-gravidicos. Acesso em: 08. jan. 2009.
CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.
DIAS, Maria Berenice. Alimentos gravídicos? . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1853, 28 jul. 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11540. Acesso em: 08. jan. 2009.
DIAS, Maria Berenice. Alimentos para a Vida. In Revista Jurídica Consulex. Ano XII, n° 286, p. 66. Dezembro, 2008.
FONTES, Simone Roberta. Alimentos gravídicos e princípios constitucionais. Clubjus, Brasília-DF: 07 jan. 2009. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?content=2.22450>. Acesso em: 09. jan. 2009.
GAMA, Ricardo Rodrigues. Alimentos. Campinas: Bookseller, 2000.
LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Direito processual civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 1993.
VIEIRA, Rodrigo. A possibilidade da obrigação aos alimentos gravídicos. Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos, 25.10.2008. Disponível em: http://www.buenoecostanze.com.br. Acesso em 08.jan.2009.



Autor: Mariana Pretel


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