MULHERES FRENTE A INFECÇÃO PELO HIV: ABORDAGEM DE VULNERABLIDADE E GÊNERO



RESUMO

O presente estudo foi desenvolvido sob uma abordagem qualitativa, uma vez que buscou apresentar os sentimentos femininos frente à negociação do sexo seguro e suas conseqüências. Os sujeitos do estudo foram oito mulheres com vida sexual ativa e relação estável, residentes na cidade de Teresópolis-RJ e que trabalhavam em setores diversos da Fundação Educacional Serra dos Órgãos. O método escolhido para coleta de dados foi um questionário. As participantes do estudo responderam ao questionário após assinarem consentimento livre e esclarecido. A coleta de dados foi realizada em feverero de 2009. Percebeu-se que apesar de cogitarem a vulnerabilidade ao HIV, as mulheres raramente negociam o uso da “camisinha”. Tal fato se baseia na sensação de segurança conferida pela estabilidade de seus relacionamentos. Acreditam em sua superioridade quanto a doença e desejam não causarem problemas conjugais, pois na maioria das vezes associam essa negociação à infidelidade.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No início dos anos 80, o mundo começou a tomar conhecimento de uma nova doença que atacava homossexuais, usuários de drogas injetáveis e também hemofílicos, levando-os a uma terrível deficiência do sistema imunológico. Sob diversas denominações, esta nova doença começou a causar preocupação aos órgãos governamentais de países de todo mundo.

Denominada como Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) essa doença tem como origem a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, mais conhecido como HIV. A transmissão se dá através do sangue, sêmen, secreção vaginal e leite materno.

Tal doença já passou por várias rotulações. No início foi considerada exclusiva de homossexuais, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos. Essas pessoas foram consideradas pertencentes a "grupos de risco". O conceito de grupo de risco foi substituído por "comportamento de risco", o que atribuía a cada indivíduo a responsabilidade pela sua contaminação. Atualmente, o conceito utilizado é o de "vulnerabilidade social", que postula que para ser infectado pelo HIV basta ser humano, considerando aspectos biológicos, econômicos, sociais, cognitivos e psicológicos.

Nesse contexto, homens e mulheres com práticas heterossexuais em "relações estáveis" também podem ser considerados vulneráveis. O uso de preservativos nesse tipo de relacionamento é complexo e favorece a vulnerabilidade.

Nesse contexto, o objeto do presente estudo se concentra na contradição entre a adoção de práticas sexuais seguras e as questões de fidelidade e confiança entre parceiros em relacionamentos estáveis.

O presente estudo justifica-se pela necessidade de discussão da relação entre fidelidade e prevenção da AIDS no contexto de relacionamentos estáveis. Além de desvincular o uso de preservativo a infidelidade e associá-lo à preservação da vida, é preciso pensar em outras estratégias de prevenção baseada no diálogo entre as parcerias.

Foram objetivos do presente estudo:

Geral:

-Apresentar aspectos que envolvem a negociação do sexo seguro e a fidelidade sob ponto de vista de mulheres em relacionamentos estáveis.

Específico:

-Descrever o significado de fidelidade para estas mulheres;

-Conhecer a concepção de mulheres com relacionamento afetivo estável a respeito da utilização do preservativo;

-Levantar as circunstâncias que envolvem a negociação do sexo seguro vivenciadas por estas mulheres.

2.MARCO TEÓRICO

Segundo Guimarães (2001), no início da epidemia da AIDS, a preocupação básica era circunscrever os chamados "grupos de risco" e seus comportamentos "desviantes". As primeiras pesquisas, quase sempre quantitativas, se restringiam a dados estatísticos concernentes às categorias de transmissão e a comportamentos com maior ou menor risco para aquisição do HIV.As noções de "grupos de riscos" e comportamentos "promíscuos" compunham o discurso da ciência e passaram a ser destacados como carro chefe das matérias sensacionalistas da mídia.

A AIDS passou a atingir cada vez mais mulheres donas-de-casa, com parceiro fixo e em relação estável e, concomitantemente, um número cada vez maior de crianças. Tal fato leva a conclusão que a vulnerabilidade ao HIV é o resultado de uma situação social de risco que envolve todas as pessoas, trazendo à reflexão o que significa ser vulnerável à AIDS (SCHAURICH, PADOLIN, 2004). Nesse sentido, Ayres et al. (1999) definiram vulnerabilidade como sendo "as diferentes suscetibilidades de indivíduos e grupos populacionais à AIDS, resultantes do conjunto das condições individuais e coletivas que os põem em maior ou menor contato com a infecção e com as chances de se defender dela".

Para Flaskerud et al. (1992), por definição, para alguém ser contaminado pelo HIV basta ser humano. Fundamentalmente, o vírus é transmitido por via sexual ou através do sangue ou de algum dos seus derivados, além da transmissão materno-fetal.

A discussão de vulnerabilidade é abrangente e profunda, envolvendo determinantes individuais e coletivos, passando pelas representações e comportamentos de pessoas e grupos populacionais até as precárias condições de vida a que estão submetidas grande parte da população mundial, compreendendo pobreza, acesso à educação e à saúde, exclusão social e políticas no campo do desenvolvimento econômico e social.

Para Mann (1993) o comportamento individual é o determinante final da vulnerabilidade à infecção pelo HIV; portanto, é necessário um enfoque no indivíduo, embora claramente não seja suficiente. O comportamento individual é tanto mutável quanto conectado socialmente, variando durante toda a vida da pessoa (por exemplo, comportamento sexual na adolescência, na meia-idade e na terceira idade), mudando em resposta à história e experiência pessoal fortemente influenciado por indivíduos-chave (família, parceiros, amigos), comunidades e entidades sociais e culturais mais abrangentes, como religiões e estados-nações. Portanto, ao avaliar a vulnerabilidade, é importante considerar a vida social, a comunidade, além de fatores nacionais e internacionais, que possam influenciar as suscetibilidades pessoais durante o curso de uma vida.

Neste contexto, o conceito de vulnerabilidade pode ser resumido como o movimento de considerar a chance de exposição das pessoas ao adoecimento como a resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos, contextuais, que acarretam maior suscetibilidade à infecção e ao adoecimento e, de modo inseparável, maior ou menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para se proteger de ambos.

A vulnerabilidade articula três eixos interligados: o componente individual, o componente social e o componente programático.

O componente individual diz respeito ao grau e à qualidade da informação de que indivíduos dispõem sobre o problema; à capacidade de elaborar essas informações e incorporá-las aos seus repertórios cotidianos de preocupações; e, finalmente, ao interesse e às possibilidades efetivas de transformar essas preocupações em práticas protegidas e protetoras.

O componente social diz respeito à obtenção de informações, às possibilidades de metabolizá-las e ao poder de as incorporar a mudanças práticas, o que não depende só dos indivíduos, mas de aspectos, como o acesso a meios de comunicação, escolarização, disponibilidade de recursos materiais, poder de influenciar decisões políticas, possibilidade de enfrentar barreiras culturais, estar livre de coerções violentas, ou poder defender-se delas etc. Todos esses aspectos devem ser, portanto, incorporados às análises de vulnerabilidade.

O componente programático se refere à existência de esforços para que os recursos sociais que indivíduos necessitam para não se expor ao HIV e se proteger dos seus danos sejam disponibilizados de modo efetivo e democrático. Quanto maior for o grau e a qualidade de compromisso, recursos, gerência e monitoramento de programas nacionais, regionais ou locais de prevenção e cuidado relativo ao HIV/AIDS, maiores são as chances de canalizar os recursos sociais existentes, otimizar seu uso e identificar a necessidade de outros recursos, fortalecendo os indivíduos diante da epidemia (AYRES et al., 2003).

O entendimento de vulnerabilidade se diferencia de risco à medida que o conceito epidemiológico de risco se detém na identificação de associação entre eventos ou condições patológicas e outros eventos e condições não patológicas, casualmente relacionáveis. A identidade do 'risco' é predominantemente analítica e validada como conhecimento objetivo. Já vulnerabilidade nasce de uma pretensão quase inversa; menos que isolar analiticamente, a grande pretensão é a busca da 'síntese: Trazer os elementos abstratos associados ou associáveis aos processos de adoecimento para os planos de elaboração teórica mais concretos e particularizados, nos quais os nexos e mediações entre esses fenômenos sejam o objeto propriamente dito do conhecimento. O que, para análises de risco consistentes, deve ser cuidadosamente desconsiderado, é essencial nos estudos de vulnerabilidade – a co-presença, a mutualidade, a interferência, a relatividade, a inconstância, o não unívoco, o não constante, o não permanente, o próprio a certas totalidades circunscritas no tempo e no espaço. Estudos de vulnerabilidade para dar conta das aspirações práticas vêm ser bem sucedidos em particularizar relações partes-todo identificadoras de situações cujo conhecimento permita intervir sobre a suscetibilidade das pessoas ao agravo em questão, no caso a AIDS (AYRES, 1997; AYRES et al., 2003).

No contexto da proposta do presente estudo, a relação entre vulnerabilidade e gênero está expressa pelo aumento crescente do número de mulheres infectadas na história da epidemia. Silveira et al. (2002) inferem que um número crescente de mulheres brasileiras está sendo contaminada por seus parceiros fixos. Das mulheres notificadas com Aids em 2001, 56% não tinham história de múltiplos parceiros.

Nascimento et al (2005) descreve que dentre as várias questões que envolvem gênero está a negociação sexual. Hoje esta prática está vinculada à proteção e preservação da saúde, antes, porém, a idéia de negociação sexual não apresentava reconhecimento positivo entre o público, já que quem negociava sexo eram prostitutas, michês, cafetões e cafetinas.

Oliveira et al. (2004) enfoca a dificuldade das mulheres em negociar com seus parceiros a utilização de preservativos, pois o uso ou não destes estão veiculado a decisão masculina.

3. METODOLOGIA

O presente estudo foi desenvolvido sob uma abordagem qualitativa, uma vez que buscou apresentar os sentimentos femininos frente à negociação do sexo seguro e suas conseqüências. Sobre a pesquisa qualitativa Minayo (2002) infere que:

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Os sujeitos do estudo foram oito mulheres com vida sexual ativa e relação estável, residentes na cidade de Teresópolis-RJ e que trabalhavam em setores diversos da Fundação Educacional Serra dos Órgãos. O método escolhido para coleta de dados foi um questionário (Apêndice A). As participantes do estudo responderam ao questionário após assinarem consentimento livre e esclarecido (Apêndice B). A coleta de dados foi realizada em feverero de 2009.

Os relatos obtidos foram categorizados de acordo com a congruência dos relatos e discutidos a luz do referencial teórico.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A relação entre a manutenção de relacionamentos estáveis e administração dos riscos de infecção por um agente sexualmente transmissível, em destaque o HIV, foi estudada a partir das vivências e percepções de oito funcionárias da Fundação Educacional Serra dos Órgãos. A faixa etária das funcionárias entrevistadas variou de 20 a 54 anos.

Quando questionadas quanto à fidelidade ao parceiro, a resposta foi unânime: todas afirmaram manterem relações apenas com o seu parceiro estável.

Ao questionar sobre o papel da "camisinha" na vida sexual dessas mulheres, foi possível delimitar três categorias, apresentadas a seguir:

Uso do preservativo como forma de proteção

"Proteção, quando você não tem um parceiro fixo" (Juliana).

"Proteção" (Marcela).

"Importante, por assegurar minha saúde" (Natália).

"Papel importante, evita várias coisas" (Eliana).

Uso do preservativo desconsiderado na vida sexual

"Nenhum" (Ana Luiza).

"Nenhum"(Gabriela).

Uso do preservativo exclusivamente como método contraceptivo

"Evitar uma possível gravidez, já que ainda estou iniciando a primeira cartela de anticoncepcional, e só depois de um tempo ele faz efeito"(Ludmila).

É interessante observar que das quatro entrevistadas que relacionaram o uso do preservativo com a proteção, apenas uma enfatiza esse papel da "camisinha" na sua vida particular ("... por assegurar minha saúde"). Uma delas ressalta a importância da proteção conferida pelo preservativo apenas quando não se tem parceiro fixo e as outras duas demonstram conhecimentos sobre a função preventiva da "camisinha", mas não fazem menção de considerá-la efetivamente na sua vida sexual.

Duas entrevistadas referem não considerar o uso do preservativo em suas vidas sexuais e uma delas atribui a função do preservativo à contracepção temporária, ou seja, associando ao primeiro mês de uso de anticoncepcional hormonal como forma de reduzir a possibilidade de falha inicial desse método.

Apesar do grande incentivo e veiculação, inclusive na mídia, sobre a importância do uso do preservativo como forma de prevenção das infecções sexualmente transmissíveis, percebe-se que, em relacionamentos estáveis, o uso da "camisinha" não encontra espaço. E isso se relaciona a vários fatores como a crença na fidelidade do parceiro, sentimentos de confiança mútua, desejo de ter filhos, o que será aprofundado e discutido nas questões que se seguem.

Questionadas diretamente sobre a freqüência da utilização do preservativo em seus relacionamentos, observou-se que seu uso era inexistente ou raro. Quando utilizado, estava relacionado à anticoncepção. O grande motivo para a não utilização da "camisinha" residiu na estabilidade do relacionamento, como pode ser visto nos relatos a seguir:

"Nunca, porque tenho o meu parceiro fixo e uso anticoncepcional" (Juliana).

"Nunca, porque uso outro tipo de contraceptivo, e tenho somente um parceiro" (Marcela).

"Raramente, quando paro de tomar o anticoncepcional" (Clara).

"Nunca" (Ana Luiza).

"Nunca, porque confio no meu marido, e nossa religião nos permite tal confiança, somos evangélicos" (Gabriela).

"Raramente, pois se trata de um relacionamento antigo, se houvesse possibilidade de alguma doença, já teria acontecido"(Eliana).

Esses achados nos levam a reflexão sobre a relação entre estabilidade das parcerias e prevenção da infecção pelo HIV. Albuquerque et al. (2005) inferem que a confiança no parceiro não é uma forma eficaz de prevenção, tenho em vista a ocorrência de casos de AIDS em pessoas com apenas um único parceiro sexual. Além da possibilidade do parceiro manter outras relações sexuais desprotegidas, este já pode ser portador assintomático do HIV ou possuir outros comportamentos que o tornam vulnerável ao vírus.

Cabe ressaltar que a utilização de práticas sexuais seguras não está relacionada apenas ao grau de conhecimento que o indivíduo tem sobre as doenças sexualmente transmissíveis e suas formas de prevenção, mas também à sua formação psíquica e comportamental. A construção de um imaginário individual sobre formas de prevenção é um fator que deve ser lembrado. Por exemplo, o indivíduo que julga estar protegido no casamento ou na fidelidade do parceiro não utiliza preservativo nas suas relações sexuais; no entanto, acredita não estar na esfera de risco da infecção pelo HIV.

Neste sentido Souza et al. (1998) apontaram para o fato de que indivíduos possuidores de conhecimento satisfatório acerca da transmissão e prevenção da infecção pelo HIV continuam a realizar práticas sexuais genitais e orais sem uso de barreiras protetoras contra o HIV. A percepção de risco pode estar estreitamente relacionada a formas de proteção que são reinterpretadas e readaptadas pelo indivíduo na subjetividade da sua compreensão.

Ainda a respeito dessa questão, cabe introduzir o conceito de proteções imaginárias, fenômeno que mostra que a maioria dos indivíduos conhece a necessidade da administração de riscos, está convencida da sua importância e procede a uma reapropriação das normas de prevenção, deslocando seu sentido para outras perspectivas, ainda, que, sob a ótica deles, o objetivo preventivo seja o mesmo (MENDÈS-LEITE, 1995). O ator social recorre a uma manipulação simbólica das práticas preventivas, ao torná-las mais próximas do seu quadro cognitivo e experiência de vida, o que permite readaptá-las, guardando a impressão de não se colocar sob risco. No lugar de usar sistematicamente o preservativo, o individuo crê na fidelidade do parceiro e na estabilidade do relacionamento.

Questionadas sobre a relação entre uso do preservativo e a concepção de fidelidade, obteve-se as seguintes respostas:

"O uso da camisinha é muito importante, mas acho que o uso da camisinha não quer dizer que você seja fiel" (Juliana).

"Acho que uma coisa não tem nada haver com outra. Não quer dizer que se um casal usa camisinha que eles não sejam fiéis um ao outro" (Marcela).

"Não acredito nessa relação, não tem nada a ver" (Eliana).

"Acredito que o uso da camisinha deve ser permanente, mesmo nas relações em que se acredita existir fidelidade, pois o seu uso não é por desconfiança e sim por cuidado"(Natália).

"Que tem íntima relação, estão realmente ligados. Se eu tomo anticoncepcional e confio no meu namorado, não preciso de camisinha" (Clara).

"Às vezes você desconfia do seu parceiro e não usa camisinha e ele também não usa com outras pessoas e vice-versa. Se houver desconfiança é melhor usar" (Ana Luiza).

"Depende, tem uma certa relação. Se fosse casada como sou e uso outro método de contracepção, relacionaria sim a infidelidade se meu parceiro pedisse pra usar" (Gabriela).

"Não deveria ter relação, mas acho inevitável quando já não se faz mais o uso e de repente pede pra usar, relacionaria sim a infidelidade" (Ludmila).

As concepções apresentadas nessa categoria foram diversas. Algumas entrevistadas relacionaram fortemente o uso do preservativo com possibilidades de infidelidade e desconfiança. Outras mulheres não identificavam tal relação. Nesse contexto, diversos estudos mostram dificuldades em negociar o uso da "camisinha" quanto a situação torna-se mais séria, quando o casal se assume perante a sociedade.

Hebling e Guimarães (2004) ressaltam que apesar das mulheres conhecerem as formas de transmissão e de preservação da AIDS, não utilizam o preservativo porque têm medo de despertar suspeita de infidelidade e provocar separação do casal.

O uso do preservativo masculino nas relações estáveis leva a situação de desconfiança entre o casal por funcionar como um elemento questionador de fidelidade, sentimento importante, definidor e idealizado no casamento (SILVA, 2002).

Questionadas se acreditavam na possibilidade de adquirir alguma infecção sexualmente transmissível ou o vírus do HIV, algumas entrevistadas referiram acreditar nessa possibilidade:

"Sim, porque essas doenças ficam incubadas por vários anos"(Juliana).

"Sim, hoje em dia todos nós estamos em risco! E o maior índice de DSTs e HIV são em pessoas casadas" (Ana Luiza).

"Sim, porque acredito que a carne é fraca, e pode haver uma recaída do meu parceiro. E pode acontecer também pegando em sanitários públicos como ocorreu com uma criança que eu conheço" (Gabriela).

"Sim, se sou sexualmente ativa, existe a possibilidade" (Ludmila).

Dentre esses relatos chama a atenção o de Gabriela, que ainda hoje, apresenta uma falta de informação em relação à forma de contagio destas infecções: Acredita ainda que é possível se contaminar em banheiros.

Embora acredite em uma recaída de seu parceiro, Gabriela nunca usa o preservativo e se apóia em sua religião para ratificar tal confiança. Ana Luiza também acredita em sua vulnerabilidade e mesmo assim não utiliza o preservativo.

Com relação à vulnerabilidade feminina ao HIV, Silveira et al. (2006) relatam que as mulheres são especialmente vulneráveis às DSTs por características biológicas. A superfície vaginal exposta ao sêmen é relativamente extensa e o sêmen apresenta maior concentração de HIV do que o líquido vaginal.

Ainda com relação à autopercepção de vulnerabilidade, duas entrevistadas referem acreditar na possibilidade de contaminação, mas atribuem um grau pequeno de risco:

"Sim, acho que a probabilidade é muito pequena, mas não é nula" (Marcela).

"Sim, coração dos outros é terra que ninguém vai; mas acredito ser difícil, pois minha relação é antiga" (Eliana).

Observa-se, com base nos relatos obtidos, que as mulheres até cogitam a possibilidade se infectarem pelo HIV, mas a confiança no relacionamento estável minimiza a percepção de risco.

Juliana, Marcela e Eliana responderam no início da entrevista que o preservativo asseguraria sua saúde, que era importante para sua proteção. Mas não usam preservativo no cotidiano se baseando na relação com parceiro fixo e uso de anticoncepcional hormonal.

Nesse contexto, Barroso et al. (1998) inferem que:

"A mulher deve exigir proteção, não podendo confiar cegamente no seu parceiro sexual, pois, mesmo dentro de uma relação estável, tendo um único parceiro, os riscos não podem ser ignorados, já que a contaminação de mulheres com parceria única vem aumentando, ao passo que a contaminação das prostitutas vem diminuindo".

Questionadas sobre quantos parceiros sexuais as mulheres tiveram até o momento da entrevista, três referiram um único parceiro, uma citou dois parceiros, uma três e uma não soube informar.

Logo após foi questionado se sabiam se estes parceiros que elas haviam tido relação sem camisinha, também já tinham tido relações com outras mulheres sem o preservativo. Sete das entrevistadas não souberam responder se seus parceiros utilizaram camisinha em relações anteriores, como observado nos relatos que se seguem:

"Não sei responder, sei que já teve relação com outra mulher." (Juliana).

"Já teve relação com outra, não sei se usou camisinha. È um risco que to correndo" (Clara).

"Já teve relação. Fica difícil de saber se usou preservativo, pra falar que usou e não usou pouco custa" (Ana Luiza).

"Já teve relação. Mas não sei se usou camisinha. Faz tanto tempo que não me interessa"(Eliana).

Apenas uma das entrevistadas soube dizer que seu parceiro não utilizou o preservativo e referiu se sentir aflita algumas vezes pela possibilidade de ter contraído algo.

Questionadas sobre a negociação do preservativo na relação a partir de agora, como seria se elas propusessem ou se eles propusessem o uso da camisinha, contraditoriamente três delas referiram não haver problema algum, acreditam que seja necessário.

"Acho que ele aceitaria na boa, porque temos uma relação legal" (Juliana).

"Não teria nenhum problema, pois desde o princípio sempre tivemos uma relação aberta e somos conscientes sobre a importância da camisinha" (Natália).

"Não teria problemas, já que nesse relacionamento tenho usado todas as vezes"(Ludmila).

Duas das entrevistadas referiram que a proposta do uso do preservativo seria motivo de desconfiança:

"Ele iria questionar o porquê; já que utilizo o anticoncepcional. E eu falaria que estava desconfiando dele" (Clara).

"Seria uma briga, ele perguntaria o porquê. Eu acho que o "enforcaria" por que ele pediria pra usar só agora? Depois de tanto tempo...Se tivesse que usar deveria ter usado desde o começo" (Gabriela).

Com relação à realização da testagem anti-HIV, duas entrevistadas fizeram o teste, mas não por curiosidade e sim como rotina para alguma cirurgia ou quando engravidaram.

"Já fiz, quando engravidei"(Marcela).

"Fiz, mas não por curiosidade. Fiz, pois precisei fazer uma videolaparoscopia e é exigido nos exames pré-operatórios" (Natália).

"Fiz na gestação"(Gabriela).

Dentre as que não fizeram o teste, duas referem curiosidade e a mesma surgiu com o término de um relacionamento e por acreditar em sua vulnerabilidade.

"Tenho curiosidade, por pensar que meu namorado já teve relação com outras mulheres e não sei se ele usou camisinha" (Clara).

"Tenho curiosidade, surgiu essa vontade quando terminei meu último namoro" (Ludmila).

Ana Luiza e Eliana não fizeram o teste e não referem qualquer curiosidade.

Acredito que mesmo nos dias atuais a maioria das pessoas não acredita que a AIDS deixou de ser uma doença de guetos, homossexuais e freqüentadores das "rodas de picos". Apesar de tanta informação, propagandas em mídia, as pessoas continuam acreditando em sua superioridade quanto ao vírus.

A questão posta frente a análise dos dados desse estudo reside em estratégias de redução da vulnerabilidade entre casais em relacionamentos estáveis. Estratégias essas que visem a facilitação do uso do preservativo ou o diálogo para a proteção efetiva da parceria.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do presente estudo percebeu-se que apesar de cogitarem a vulnerabilidade ao HIV, as mulheres raramente negociam o uso da "camisinha". Tal fato se baseia na sensação de segurança conferida pela estabilidade de seus relacionamentos. Acreditam em sua superioridade quanto a doença e desejam não causarem problemas conjugais, pois na maioria das vezes associam essa negociação à infidelidade.

Penso que os profissionais de saúde precisam investir em estratégias de sensibilização, que podem ser baseadas em oficinas, formando conceitos baseados na teoria que demonstraríamos de forma didática e de fácil assimilação a necessidade de prevenção.

6. REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE VS, BARILLO JL, BATISTA CS, MOLTER CMM, LADEWIG MV, MARINS VMR. Vulnerabilidade ao HIV em profissionais integrantes de um programa de promoção de saúde na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Jornal Brasileiro de AIDS. 2005; 6(2): 60-71.

AYRES JRCM. Sobre o risco – para compreender a epidemiologia. São Paulo: Hucitec, 1997.

AYRES JRCM, FRANÇA Jr I, CALAZANS GJ, SALETTI FILHO HC. Vulnerabilidade e prevenção em tempos de aids. In: Barbosa RM, Parker R. Sexualidades pelo avesso: Direitos, identidades e poder. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ), 1999. p. 49-72.

AYRES JRCM, FRANÇA Jr. I, CALAZANS GJ, SALETTI FILHO HC. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA D, FREITAS CM (Org). Promoção da saúde– conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 117-139.

BARROSO MGT, MIRANDA CCL, PINHEIRO PNC. A AIDS sob o olhar da companheira contaminada. Rev. Bras. Enferm.– Brasília, v.51, n. 3, p. 393-402, jul./set.,1998.

FLASKERUD JH. AIDS - Infecção pelo HIV. São Paulo: Medsi, 1992.

GUIMARÃES R. et al. Os Principais discursos circulantes relacionados à epidemia de HIV/AIDS no Brasil. Rev. Min. Enf. 2001. 5(1/2): 93-100.

HEBLING EM, GUIMARÃES IRF. Women and AIDS: Gender relations and condom use with steady partners. Cad. Saúde Pública. 2004. 20(5): 1211-1213.

MANN J. A AIDS no mundo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.

MINAYO MC et al. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 8.ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

NASCIMENTO AMG, BARBOSA CS, MEDRADO B. Mulheres de Camaragibe: Representação social sobre a vulnerabilidade feminina em tempos de Aids. 2005. Rev. Bras. Saúde Mater. Infant. 2005. 5(1): 77-86.

OLIVEIRA DLLC et al. A negociação do sexo seguro na TV: discursos de gênero nas falas de agentes comunitárias de saúde da família de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2004. 20(5): 1309-1318.

SCHAURICH D, PADOLIN SMM. Do cuidado da mulher: questões de gênero e sua incorporação no contexto do HIV/Aids. Esc Anna Nery R Enferm 2004; 8(1):101-108.

SILVA CGM. O significado de fidelidade e as estratégias para prevenção da aids entre homens casados.Cad. Saúde Pública 2002; 36(4): 40-49.

SILVEIRA MF, BERIA JV, HORTA B. Autoconcepção de vulnerabilidade às doenças sexualmente transmissíveis e Aids em mulheres. Rev. Saúde Pública 2002. 36(6): 670-677.

SOUZA CT, BASTOS FI, LOWNDES CM, SZWARCWALD CL, SANTOS EM, CASTILHO EA, SUTMOLLER F. Perception of vulnerability to HIV infection in a cohort of homossexual/bissexual men in Rio de Janeiro, Brazil. AIDS Care 11(1), 1998. p.567-579.

MENDÈS-LEITE R. Identité et altérité – Protections imaginaires et symboliques face au sida. Gradhiva 1995;18:93-103.


Autor: julio nalim


Artigos Relacionados


Resumo Histórico Sobre Os Médicos Sem Fronteiras

A Viagem

As Pontuais Mudanças Trazidas Pela Lei 11.689/08 = Júri

A AtuaÇÃo Dos ServiÇos De SaÚde PÚblica Aos Detentos Portadores De Hiv/aids, No Complexo Penitenciario De Pedrinhas - Ma

Segurança Nos Sistemas Reforça Os Planeamentos!

Relações Públicas Como Educador Ambiental

ReflexÕes Sobre O Amor