Gestão de Hedge



Revista Fundos de Pensão
Dezembro de 2005

Ao avaliar a oportunidade de investimento ou acompanhar a gestão de companhias não financeiras das quais já participem, os fundos de pensão podem contribuir para aperfeiçoar o modelo de proteção cambial dessas empresas, fator essencial para fortalecer seu valor de mercado e um dos requisitos da boa governança corporativa. A discussão sobre a fragilidade e a falta de transparência das diretrizes de hedge cambial das companhias brasileiras e seus conseqüentes impactos sobre os resultados dos investimentos é um tema que está na pauta dos consultores, administradores de empresas e especialistas em gestão de risco.

Para esses profissionais, o papel estratégico dos fundos de pensão como indutores de uma revisão desse modelo é fundamental.

Até porque, do ponto de vista do gestor de recursos comprometido com uma visão de longo prazo, é vital conferir cuidadosamente a transparência dessas diretrizes, a natureza exata da exposição cambial, os instrumentos de hedge e a maneira de carregar essa proteção. São aspectos que podem fazer toda diferença entre um retorno excelente e um retumbante fiasco com repercussões que podem abalar o equilíbrio atuarial. A sofisticação dos instrumentos e métodos utilizados para estabelecer as alternativas mais adequadas de proteção ainda é utilizada de maneira restrita no Brasil, inclusive por companhias de grande porte.

Nas empresas não financeiras a identificação das exposições é muito menos clara, e ainda que elas concorram no mercado internacional, seu negócio não é assumir riscos cambiais e sim sua produção específica, ou seja, falta vantagem competitiva para gerir isso porque não é seu foco de atuação. De acordo com o professor Paulo Beltrão Fraletti, especialista em gestão de riscos corporativos da fundação Getúlio Vargas/ Escola de Administração de Empresas de São Paulo, essas companhias precisam começar urgentemente a sofisticar suas estruturas e criar capacitação própria para se municiar melhor e evitar ficar sob a influência direta dos bancos. “Os bancos não enxergam o problema do cliente ou não podem resolvê-los”, diz ele.

Ao analisar as estratégias de proteção utilizadas, fica evidente que as posições nem sempre estão muito claras e que as estimativas para os projetos geralmente contêm conclusões irreais em relação à exposição cambial. “Quando nós abrimos essas informações percebemos, muitas vezes, que a estimativa é resultado de receitas em dólar e real, embora a empresa não saiba disso porque não é importadora ou exportadora nem tem endividamento em moeda estrangeira. Entretanto, muitos de seus componentes, insumos ou equipamentos embutem commodities importadas que podem impactar a exposição cambial e mudar completamente seu perfil.

Em sua experiência junto às companhias industriais, por exemplo, Fraletti identificou casos que envolvem empresas de grande porte, inclusive estatais, com o tipo errado de hedge cambial e a diretoria financeira administrando apenas o passivo e não o ativo em moeda estrangeira. Fraletti cita ainda a distância entre as estimativas de risco cambial e a realidade que aparece depois de uma análise mais cuidadosa. “Olha-se o gráfico de um projeto de longo prazo e ali só está a visão tradicional, ou seja, exportação e importação direta, mas parte da receita na verdade está em reais indexados ao dólar e os equipamentos eram apenas em parte nacionais, então o risco cambial era muito superior ao estimado e o novo gráfico muda radicalmente”, explica o professor.

A identificação do tamanho do risco envolve uma série de dificuldades que colocam as empresas em situação de fragilidade. Entre outros aspectos, apontam-se apenas exposições já registradas no balanço, mas não as contingentes, como a substituição de equipamento importado dentro de seis meses. Além disso, há os riscos competitivos dos produtos, a chegada de novos concorrentes internacionais e uma série de outras variáveis de mercado. “O ideal é identificar as exposições cambiais estratégicas e antecipar seu impacto sobre o valor de mercado da empresa”, explica Fraletti.

Para o especialista, é essencial que os fundos de pensão estimulem essa mudança de cultura. “Como acionistas ativos, os fundos de pensão deveriam pressionar para desenvolver essa cultura. Eles têm poder e tamanho para exercer pressão; a SPC exige que as fundações meçam seu VaR, e elas deveriam exigir o mesmo das empresas nas quais aplicam seus recursos de modo significativo”. Um exemplo recente foi a crise vivida em 2002 pelos setores de telecomunicações e de energia, que perderam muito dinheiro devido às oscilações cambiais, arrastando consigo boa parte dos ganhos de seus acionistas. “Foi um caso típico de hedge mal estruturado, voltando à adivinhação de taxas. A velha desculpa de que o mercado é assim mesmo, de que “c’est la vie, de que todos perderam por causa da mexida no câmbio”, etc, é inaceitável. “Se todos perderam é porque todos estão gerindo mal”, critica o professor.

Visão Integrada

O foco de uma gestão de risco cambial responsável deve levar em conta o grau de dispersão do preço do dólar e até que ponto esse risco é suportável ou não pela companhia. Caso não seja suportável, a saída é reduzir a exposição por meio de operações com derivativos. “o que não se deve fazer em hipótese alguma é o que, infelizmente, o grande número de empresas ainda faz do Brasil, ou seja, tentar adivinhar para que lado vai o dólar”. Como essa variável é incontrolável, pode se entrar em uma perigosa armadilha. “Os bancos ganham dinheiro com a intermediação das operações cambias, seja qual for a direção do dólar, mas as empresas não financeiras podem assumir perdas significativas ao adotar a mesma postura porque elas não têm seus ganhos ligados à intermediação”. Ele recomenda uma visão integrada, incluindo o risco legal porque as interpretações mudam com o tempo e os administradores precisam ter consciência de que nenhuma opinião é absoluta.

“Hoje o dólar está muito abaixo de R$ 3,00, mas há um ano ninguém que afirmasse isso seria levado a serio, então fica claro que não há vantagem nesse jogo de previsão do futuro. A gestão deve ser integrada e seguir uma orientação geral da companhia, coisa que é feita muito claramente nos bancos, mas ainda é ignorada nas empresas não financeiras”. De acordo com Fraletti, em lugar de gastar tanta energia tentando adivinhar a taxa de câmbio no futuro, as empreses precisam sofisticar suas estruturas e garantir sua auto-capacitação para montar estratégias adequadas de proteção.

Ele coleta desde 1999 as projeções trimestrais feitas pelo JP Morgan – maior trader de moeda em todo o mundo – e publicadas pela revista The Economist, destacando o acompanhamento das estimativas para a cotação do real frente ao dólar.

“Há diversas seqüências enormes de erros de grandes dimensões num horizonte de três meses, com erros da ordem de 27% entre a cotação projetada e a realidade”, diz Fraletti. Isso significa que o JP Morgan não entende de câmbio? Não, apenas mostra que é praticamente impossível prever essas oscilações e o banco não deixa de ganhar dinheiro na intermediação. “Aqui se criou a ilusão de que o dólar só sobe, então o exportador acha que não é necessário fazer hedge. Hoje muitos deles estão desesperados porque o nível de risco que assumem no câmbio banco nenhum assumiria”.

Novos modelos

A curta experiência brasileira com o câmbio flexível – pouco mais de seis anos – e o juro real elevado que funciona para encobrir pequenos erros de hedge cambial até certo ponto ajudam a emperrar a evolução das empresas na busca de proteção, mas investidor precisa aprofundar seu conhecimento sobre a estratégia usada pelas empresas e saber se há transparência nessas diretrizes. Segundo a avaliação Marcelo Rabbat*, diretor da Risk Oficce, estudo recente desenvolvido pela consultoria detectou vários pontos que precisam ser aperfeiçoados, a começar pela questão do prazo de hedge. “A proteção cambial por prazo mais longo do que o necessário pode simplesmente significar altos custos em juros. Você está trocando dívida em dólar por dívida em CDI”, diz Rabbat.

Trabalhando com um grupo de aproximadamente 20 empresas não financeiras, a Risk Office desenvolveu um sistema especifico para análise, identificação e correção de rumos nas diretrizes das políticas de hedge cambial. O trabalho considera as três naturezas distintas de exposição: as empresas que tem no seu passivo dívida gerada pela captação de recursos no exterior, mas que não são importadoras nem exportadoras; as que são grandes importadoras (laboratórios farmacêuticos, por exemplo) e aquelas que são grandes exportadoras, grupo no qual está incluído todo o agronegócio. Na opinião de Rabbat, o grupo dos que têm dívida atrelada ao câmbio merece atenção particular neste momento, mas a escolha do tipo correto de hedge é importante para todas as empresas. “Somos contra a proteção de longo prazo porque esse hedge acaba provocando um endividamento muito grande em CDI”. A consultoria considera que num horizonte de três anos o câmbio está bem arbitrado e a questão é cuidar do curto prazo, usando métodos específicos que permitem o “fatiamento” do prazo de proteção cambia.

Do ponto de vista do investidor, é fundamental olhar para essas empresas e saber se elas estão cuidando muito bem dessa área e se adotam a prática de divulgar suas políticas de hedge de maneira transparente e aberta nas emissões de debêntures, por exemplo. Infelizmente, essa pratica ainda é notada em poucas empresas, segundo mostraram as operações mais recentes com debêntures. Rabbat enfatiza que o tipo de proteção cambial escolhido e a maneira pela qual essa proteção é carregada, incluindo os instrumentos utilizados e outros requisitos, pode determinar o sucesso ou a ruína da empresa.

Ele observa, entre outros pontos, que ainda há muitas empresas de grande porte no país com mentalidade ultrapassada nesse quesito. Elas olham para a conjuntura de dólar baixo e juro alto e só enxergam a possibilidade de tomar recursos em dólar porque está barato. Não mantêm um estudo sério de hedge cambial. “Há empresas, inclusive, que não precisam ter hedge nenhum e não sabem disso porque deixam a estruturação de sua proteção a cargo de bancos e os bancos são os mesmos que vendem os produtos de hedge”, critica Rabbat.

No modelo desenhado pela consultoria, a primeira recomendação é para que os Conselhos de Administração definam claramente qual é o objetivo prioritário; proteger fluxo de caixa ou garantir um bom resultado no balanço? “Tivemos casos notórios de erro, como ocorreu na CSN, que protegeu o fluxo de caixa, mas deixou o estoque da dívida solto. Como o relevante para o proprietário da empresa era o balanço, o episódio acabou provocando a substituição da diretoria técnica da empresa”, comenta Rabbat. Nesse sentido, ele aconselha os fundos a provocarem as companhias, “porque esse tipo de resposta depende basicamente do Conselho de Administração”.

A escolha certa de instrumentos também é decisiva. “As empresas que avaliamos usavam instrumentos muito pouco líquidos como swaps muito longos que os bancos queriam vender. Acontece que se a empresa não fizer muito bem a conta do custo de saída pode ter perdas significativas. A solução foi mudar os instrumentos, adotando opções exóticas de contratos na BM&F. A maneira de carregamento da proteção também afeta os resultados, segundo Rabbat, e é preciso avaliar se é mais vantajoso carregar o hedge dentro ou fora de uma carteira de fundo. “O impacto provocado no balanço é outro item fundamental. Se o ativo está valorizado a mercado e o passivo em dólar corrigido pela curva de emissão, o resultado será um passivo que funciona como relógio suíço enquanto o ativo está na montanha russa”. A partir da identificação desse problema, a consultoria convenceu os auditores a carregar na curva também os ativos destinados à proteção cambial, o que é permitido pela CVM.

E há os casos em que é mais recomendável não fazer qualquer tipo de hedge cambial, segundo o consultor. “Os bancos tendem a aconselhar que a empresa faça hedge sempre, em qualquer situação, precisando ou não, e procuram vender aquilo que têm em estoque, sem atentar para as reais necessidades do cliente. Até porque lá na frente, se estourar um problema, a companhia estará nas mãos de quem vendeu o hedge”. Nesse grupo, a Risk Office enquadra as companhias cujo endividamento é muito longo, em torno de 10 ou 12 anos, com fluxo de caixa bem equilibrado e cujos acionistas aceitam o risco de balanço porque não querem ir para o endividamento em CDI, ou ainda para as empresas cujo endividamento é residual. “Essa decisão deve constar das diretrizes da política de hedge e deve ser comunicada com clareza aos acionistas”.

Atualmente, o consultor estima um número de 3 mil empresas no Brasil com exposição cambial de médio e grande portes. “A maioria ainda faz sua proteção por meio de bancos”.
Diante da alta volatilidade do câmbio no mercado brasileiro, semelhante ao nível de volatilidade da Bolsa, Rabbat considera inaceitável as empresas não fazerem estudos sérios para escolher as alternativas de proteção sem aumentar seu endividamento em CDI exageradamente.

Acompanhamento
Entre as EFPCs, a preocupação com a gestão de hedge nas empresas ainda é limitada a interferências ocasionais e, com raras exceções, fica restrita à atuação dos Conselheiros. “Hedge cambial é uma questão que diz respeito à empresa e depende muito de suas características. Os conselheiros são responsáveis por essa discussão e têm acesso às informações”, explica Luiz Aguiar, diretor de Investimento da Previ.

Na qualidade de diretor financeiro, entretanto, ele reconhece que muitas vezes o melhor hedge pode ser não fazer nenhum hedge. “Quem esperava o dólar ao nível em que está hoje? O exportador saiu perdendo, mas o investidor internacional que entrou no Brasil com o dólar a R$ 2,80, está ganhando duplamente: no câmbio e na Bolsa, já que a Bovespa já está com valorização em trono de 20% em dólar”, comenta o diretor da Previ.

Na Funcef, o tema também costuma ficar restrito ao debate conceitual, teórico e técnico, por meio dos conselheiros. “É uma especialidade de cada empresa e envolve a natureza de suas atividades. Como os conselheiros são independentes, não fazemos intervenção direta na gestão das empresas”, explica Demórthenes Marques, diretor de Finanças da entidade. Em casas especiais, a situação pode mudar. Foi o que ocorreu na reestruturação da Brasil Ferrovias, em que a Funcef fez um aporte maior de recursos – R$ 155 milhões – e criou comitês para acompanhar de perto os desdobramentos. “Nas empresas que estão em velocidade de cruzeiro, nos limitamos ao contato através dos conselheiros e também procuramos investir em empresas que já têm uma estrutura razoável de gestão de hedge cambial”, diz Marques.

O papel independente dos conselheiros também mantém o assunto distante da interferência da Petros, segundo o diretor Financeiro e de Investimentos, Ricardo Malavazi. “Hedge cambial diz respeito estritamente à gestão das empresas e nós não interferimos na atuação dos conselheiros”. Otimista diante dos fundamentos macroeconômicos do País, Manuel Cordeiro, diretor de Investimento da Valia e coordenador da Comissão Técnica Nacional de Investimentos da Abrapp acredita que as empresas brasileiras estão no caminho certo em relação à proteção cambial. “Quem tem endividamento em dólar está protegido contra eventuais oscilações do câmbio”, diz.

Afinada com as recomendações dos especialistas, a Funcesp mantém um acompanhamento mais próximo da gestão de hedge cambial das empresas em que tem participação, a Cia. Vale do Rio Doce e a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), segundo informa Fabio Dutra Monaco, gerente de Investimento em Renda Fixa da entidade. Ele afirma que a fundação adota postura acompanhar a questão do risco cambial nas empresas das quais participa, em função da volatilidade do mercado. “Como o hedge cambial é muito caro, as empresas estão optando por converter a dívida em dólar para reais”. Ele informa que a fundação também analisa o passivo das empresas das quais compra ações. “Todas as vezes que compramos papeis olhamos o endividamento em dólar e a política de hedge adotada, no caso das empresas que não exportam. Levamos isso em consideração tanto para comprar ações quanto nas companhias em que já temos participação”, afirma Monaco.

Atualmente sem posição estratégica em empresas, a Fundação Promon reconhece a importância da estruturação do hedge cambial para evitar desequilíbrio entre as receitas em reais e passivos em dólar ou para as empresas exportadoras com dívidas em reais. Mario Ribeiro, diretor da Fundação Promon, lembra que os investimentos em renda variável da entidade são terceirizados e que cabe ao gestor fazer as análises das empresas nas quais aplica os recursos. “O gestor da nossa carteira está atento ao risco de descasamento de moedas nas empresas em que investe e acompanha cuidadosamente para saber se ele está muito alavancada. Se percebe esse movimento, ele sai da posição”, comenta Ribeiro.

Ele acredita que as fundações que têm participação expressiva em alguma companhia, com vaga no Conselho, estão conscientes da necessidade de alertar seus dirigentes em relação a uma adequada proteção cambial.


*É importante ressaltar que Marcelo Rabbat atualmente é também diretor da PR&A, empresa especializada em Risco de Crédito, Risco de Mercado e Consultoria de Investimento.

Fonte: Blog Caderno de Economia


Autor: Agência Goodae


Artigos Relacionados


Inteligência De Mercado é Destaque Na Folha De S.paulo

Capacitação De Porta-vozes Deve Ser Prática Contínua

Sem Contágio

Mudanças Na Ortografia Da Língua Portuguesa A Partir De Janeiro 2008

Controles Internos Agregam Valor

Parábolas Modernas - As Conchas Quebradas

Você Tem Jogo De Cintura?