O público e o particular (A farra das passagens aéreas)



Roberto Ramalho é Advogado, Relações Públicas e Jornalista

O caso do senador tucano Tasso Jereissati chamou a atenção da mídia falada, televisionada, escrita, e na internet. Tudo começou depois que ele ancorou-se numa interpretação da Direção Geral do Senado a respeito do uso da verba de bilhetes aéreos para fretar jatinhos particulares. Segundo dispõe a administração do Senado, “a conversão em espécie do valor das passagens, para fins de transporte, trata-se de aspecto que restou omisso no ato nº 62/1988, que não é claro”. Diz o ato que apenas cada senador tem direito a cinco passagens aéreas por mês e nada mais.

Por causa da omissão do referido ato, Tasso diz que nada o impede de, em vez de comprar bilhetes aéreos, receber o pagamento de notas fiscais de aluguel de jatinhos. O que não é permitido no direito público.

E em quase três horas de discurso na tribuna do Senado negando ter cometido ilegalidade e recebendo solidariedade de seus pares, afirmou: Existe uma luta clara aqui dentro. Há senadores que reclamam do grupo que se assenhorou desta Casa e montou uma máquina descontrolada de todas as possíveis margens e limites éticos, morais e administrativos. Evidentemente que quem faz isso fere, aborrece, cria inimigos. E inimigos provavelmente de mau caráter e boa parte deles de caráter muito duvidoso”, afirmou o tucano.

E tentando se justificar do ato, Tasso falou que embora tenha olhos azuis, sempre praticou seus atos pautados na ética e com responsabilidade, fazendo aluzão ao que o presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva tinha dito anteriormente quando da visita do primeiro-ministro da Grã-Bretanha ao Brasil, Gordon Brown, quando disse que a crise econômica mundial era de responsabilidade de gente que tinha olhos azuis.

Em direito público, a omissão de uma regra não deve ser interpretada com uma permissão. Essa é a opinião unânime de especialistas no assunto, como Hely Lopes Meirelles, Silvia Zanella Di Pietro, e outros administrativistas. Segundo afirmação prestada ao Jornal Folha de São Paulo pelo advogado Fernando Neves e ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), “o agente público só pode fazer o que está expresso em lei. Já o particular está autorizado a fazer tudo o que a lei não proíba”. Sendo essa a principal diferença entre direito público e direito privado.

No entendimento do advogado Piquet Carneiro, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, entre 1999-2004, no governo de Fernando Henrique Cardoso, também em entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, e um dos redatores do Código de Conduta do governo “no direito privado a norma não precisa ser específica. Já no direito público, sim. O particular é livre para fazer tudo o que não é vedado pela lei. O servidor público, não”, afirma o jurista.

Cezar Britto, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), também em entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo, segue o mesmo raciocínio Piquet de Carneiro. Segundo Brito “o particular pode fazer tudo o que a lei não lhe vede. O servidor público somente o que a lei lhe autoriza.”. Essa já era a interpretação do jurista austro-americano Hanz Kelsen, que viveu entre 1881 a 1973.

Para Sepúlveda Pertence, ex-presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e atual presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência, diz que “ao contrário do particular que pode fazer tudo que a lei não proíbe, o administrador só pode quando a lei determina ou autoriza. Trata-se, diz ele, do “princípio da legalidade”.

Tudo isso em razão de o agente público agir em nome do Estado.

Além desse grave ato cometido pelo senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE), aconteceu um novo escândalo, dessa vez envolvendo o deputado federal Fábio Faria (PMN-RN) em decorrência das viagens pagas com recursos públicos envolvendo sua a ex-namorada, Adriane Galisteu, a mãe dela e vários amigos, durante o Carnatal, um carnaval fora de época, evento realizado na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, embora o parlamentar tenha devolvido o dinheiro à Câmara, em torno de R$ 23 mil.

Após mais esse acontecimento que mancha a imagem do Congresso Nacional, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), anunciou que a Mesa Diretora vai fixar regras para o uso das cotas de passagens aéreas dos parlamentares que têm direito a um crédito mensal e não precisam prestar contas do benefício.

”Vamos fazer uma disciplina rigorosa para as passagens aéreas”, afirmou Temer, após mais um escândalo envolvendo o parlamento brasileiro. O único problema é que o presidente da Câmara não informou quando a Mesa vai se reunir para discutir o assunto.

Diante desse mais novo escândalo o Senado irá impor novas regras no uso das passagens aéreas e da verba indenizatória de R$15 mil mensais para cada senador. A partir de agora, as passagens aéreas serão reduzidas de cinco para quatro por mês e só poderão ser utilizadas pelos próprios senadores ou por pessoas vinculadas a seu gabinete. Ficará proibido o aluguel de jatinhos com o dinheiro público.

Sobre as irregularidades constatadas assim se manifestou o Ministério Público Federal:

• Emissão de passagens para o exterior não relacionadas à missão oficial pela Câmara dos Deputados;

• Emissão de bilhetes domésticos para locais que não são estados de origem de deputados;

• Cessão de cotas de um parlamentar para outro;

• Emissão de passagens para deputados nas situações de impedimento (afastado do cargo por razões particulares, por exemplo);

• Desproporcionalidade entre preços pagos a cada um dos deputados para se deslocar a seus estados;

• As milhas creditadas para os parlamentares não são computadas no cálculo do valor da cota;

E recomendou o seguinte:

• Proibir a emissão de bilhetes aéreos em nome de terceiros que não o parlamentar responsável pela requisição;

• Sejam excluídos do rol de beneficiários do pagamento da cota de transporte aéreo os deputados eleitos pelo Distrito Federal;

• Só efetuar o pagamento das faturas às empresas aéreas depois da comprovação de que a passagem tenha sido emitida em favor do deputado no trecho entre Brasília e seu estado de origem;

• Solicitarem às companhias aéreas o reembolso dos recursos que não foram utilizados no prazo de um ano, já que este é o período de caducidade do crédito, segundo as empresas.

No entanto, após a manifestação do Ministério Público Federal, da imprensa e da sociedade, o presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, decretou um corte de 20% nas passagens aéreas para os deputados, mas manteve dos assessores e pessoas vinculadas ao gabinete e seus familiares, e o presidente do Senado, José Sarney, foi ainda mais longe, cortando em 30% o uso das passagens aéreas para os senadores, demais assessores.

Não é mais possível se admitir essa farra com o dinheiro público, como vêem fazendo o senado da República e a Câmara dos Deputados. Além do que, some-se a isso, as denúncias da imprensa envolvendo a contratação de parentes de senadores e deputados federais sem dar expediente, sendo considerados funcionários fantasmas.

Sobre o assunto, uso a famosa frase do Jornalista Boris Casoy, apresentador do Jornal da Band, noite: “Isso é uma vergonha!”.
Autor: Roberto Ramalho


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