MEU PAI



Aproxima-se o Dia dos Pais e me pergunto que presente dar-lhe como lembrança. Em outras passagens, já lhe dei gravata, par de meia, relógio, aparelho de som, disco, entre outros artigos comumente oferecidos pelos filhos nesse dia. Mas, particularmente nesse Dia dos Pais queria dar algo diferente, algo realmente diverso de tudo que já lhe dei. Pensei em muitas opções, como uma viagem, por exemplo, idéia logo afastada ao lembrar-me que meu pai não gosta muito de viajar. Também pensei em um almoço ou jantar, mas, além de ser bastante comum, já festejamos essa data comemorativa em restaurantes e meu objetivo é oferecer ao meu velho uma novidade.Mas, dar o que?

Enquanto não me acode o presente a ser escolhido, velhas reminiscências ligadas a meu pai vão saindo do baú de minha memória, como a primeira vez que conheci o mar. Eu devia ter seis ou sete anos e lembro com relativa nitidez aquele marzão, trazendo consigo intensos rolos de água, movidos à energia do vento incessante e barulhento, cuja força parecia querer arrancar da areia os velhos e gigantes coqueiros, que resistiam heroicamente, equilibrando-se em suas verdes e viçosas palhas, lembrando braços abertos, tentando manter em pé o corpo esguio de seu dono. O agito do mar, o som do vento e o balanço dos coqueiros acontecia concomitantemente, num ritmo gracioso e simétrico, sem ensaios e sem erros. Verdadeiro show da natureza.

Eu não acreditava naquilo tudo e estava extasiado, mas também assombrado e com medo daqueles fortes rolos de água, que pareciam ávidos para engolir e levar para longe quem se metesse a enfrentá-los. Pelos menos, foi assim que pensei naquele instante, mas, ao ver-me inseguro, meu pai me pegou pelo braço, levou-me até as ondas e me ajudou a enfrentá-las e aos poucos, as fortes e barulhentas ondas, que no início eram uma ameaça, passou a ser minha parceira e brincava comigo, sob o olhar atento e protetor de meu pai. Perto dele, eu não sentia medo de nada.

E sempre foi assim; nas primeiras experiências da infância, salvo uma ou outra, lá estava meu pai. Jogo de Futebol, por exemplo, foi meu velho quem me levou ao estádio pela primeira vez. Não esqueço todas aquelas bandeiras flamulando na hora do gol, o agito da galera e os palavrões da torcida, principalmente contra a pobre genitora do árbitro, quando este marcava alguma penalidade contra o time da nossa cidade. Na hora dos palavrões, meu pai ficava meio sem graça e até um pouco irritado com os torcedores mais exaltados, mas era porque eu estava ali e ele queria proteger seu filho das pérolas vindas dos fundos da arquibancada. Depois de alguns jogos, todavia, percebi que ele já não se incomodava tanto e até o flagrei com um palavrão, baixinho, é verdade, mas palavrão e contra a mãe do Juiz. Ele percebeu que eu ouvi e sorrimos, numa doce cumplicidade entre pai e filho.

Há outra passagem e a guardo como ensinamento. Eu tinha oito anos nessa época e já ajudava em algumas tarefas mais simples da casa, como a compra de pães e foi justamente no cumprimento dessa tarefa que um dia recebi dura lição de meu pai. Naquele dia, cheguei da vendinha pulando de alegria e, ainda eufórico, disse ao meu pai que a mulher da venda me deu dinheiro de mais como troco, pois eu havia levado um cruzeiro, para tirar cinquenta centavos de pão e a dona da venda me deu nove cruzeiros e cinquenta centavos. Ofegante, eu contava aquilo como se fosse uma vantagem obtida licitamente, afinal, quem mandou a mulher não prestar atenção? Mas, ao contrário dos parabéns que eu esperava receber, ouvi verdadeiro sermão. Meu pai disse que a maior dignidade da pessoa é a sua honestidade e caráter e aquilo que eu fiz estava errado. Disse ele que mesmo que ninguém saiba de atitudes desonestas que eventualmente cometamos, ainda assim há algo que sempre saberá e não nos perdoará: nossa própria consciência. Falou isso e mandou devolver o dinheiro. Nunca esqueci.

Lembranças vão, lembranças vêm e ainda não consegui achar o presente ideal, mas, de repente me veio uma luz. Lembrei que também sou pai. Que presente eu gostaria de ganhar dos meus filhos no dia dos pais? Inicialmente, pensei nessas novidades da tecnologia, como I pod, celular com câmera, MP3, mas essas coisas eu mesmo poderia comprar, aliás, até já tenho algumas delas. Voltei à estaca zero. Nenhuma idéia sobre o presente e quando já ia eu desistindo de quebrar mais a cabeça, meu filho vai chegando da escola, dá-me um abraço e um beijo e sorrindo me diz: Papai, eu te amo! Baixei a cabeça e não contive uma pequena lágrima que, solitária, insistiu em rolar sobre a face, como se quisesse me despertar do meu erro e ao mesmo tempo mostrar que o melhor presente a dar para o meu pai é a minha atenção e o meu amor e não apenas no Dia dos Pais, mas em todos os dias do ano. É isso! Hoje mesmo, vou dizer ao meu velho uma coisa que eu nunca lhe disse: PAPAI, EU TE AMO.


Autor: sander dantas cavalcante


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