Culpa em Nietzsche e Freud



CULPA EM NIETZSCHE E FREUD

Resumo

Pretende-se com o presente trabalho analisar e comparar as reflexões acerca da culpa elaborada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche e pelo pai da psicanálise Sigmund Freud. Percebe-se que tanto o filósofo quanto o psicanalista concebem o ‘homem’ de uma forma muito peculiar. Eles perceberam que este não é desde sempre um ser tão amigável, bonzinho e dócil, que busca compreender o outro e viver fraternalmente dentro de uma comunidade, mas, ao contrário, possui em si não só uma busca por satisfação e prazer a todo custo, como também uma energia destrutiva, um instinto agressivo, que está interessado em sobreviver e impor-se acima de tudo. Ora, para estes pensadores, o objetivo primário de todo homem é a satisfação integral de suas necessidades. A partir do momento em que isso não ocorre, surge um fenômeno interessante: os instintos voltam-se para trás, para o interior, para dentro do próprio homem. A repressão dos instintos não os eliminam, mas os redirecionam: se eles não obtiverem sucesso em sua evasão, serão introjetados, internalizados. É deste processo que surge a culpa. Em Nietzsche, a culpa é uma doença oriunda da interiorização do homem – fato que o torna um animal digno de interesse. Em Freud, ela é vista como um dos maiores empecilhos para a cura de seus doentes. Este tema torna-se central tanto em Nietzsche quanto em Freud: o primeiro relaciona a culpa à moralidade; o segundo a relaciona ao diagnóstico das neuroses. Deste modo, procurar-se-á estabelecer as semelhanças e as dessemelhanças sobre este conceito de culpa tanto no filósofo quanto no psicanalista.
Palavras-chave: culpa, doença, moralidade e neurose.

Abstract

The present work intends to analyze and compare the reflections about guilt elaborated by the German philosopher Friedrich Nietzsche and the father of Psychoanalysis Sigmund Freud. It is realized that as the philosopher as the psychoanalyst conceive the man in a very peculiar way. They noticed that the man is not always such a friendly, nice and well behaved being, who tries to understand the other and live fraternally in a community, but, on the contrary, he has in himself not only a search for satisfaction and pleasure at any cost, but also, a destructive energy, an aggressive instinct, and is interested in surviving above all. Well, for Nietzsche and Freud, the primary aim of every man is the full satisfaction of his needs. From the moment that this does not happen, occurs an interesting phenomenon: the instincts come back to the interior, inside the own man. The suppression of those instincts does not extinct them, but reposition them: if they do not obtain success in its evasion, they are going to be internalized. And from this process appears the guilt. According to Nietzsche, guilt is a disease caused by the internalization of the man – a fact that makes him an animal that is worth being interested in. According to Freud, the guilt is seeing as one of the greatest obstacles to the cure of his patients. This theme becomes central as much in Nietzsche as in Freud: the first relates guilt to morality; the second relates it to the diagnosis of the neurosis. This way, it will be tried to establish similarities and differences about this concept of guilt in the philosopher and the psychoanalyst.
Key words: guilt, disease, morality and neurosis

Assoun (1991, p. 87) afirma em Freud e Nietzshe: semelhanças e dessemelhanças, que confrontar duas temáticas traz uma série de problemas, principalmente no tocante ao método: "dois objetos discursivos não se comparam naturalmente, visto que constituem, por si só, seu próprio espaço e não poderiam projetar-se instantaneamente num espaço comum". Por conseguinte, prossegue ele, faz-se necessário a 'construção' de um espaço que possibilite a confrontação dos objetos que estão sendo analisados.

Ao investir na análise sobre a conjunção 'Nietzsche-Freud', Assoun constrói este espaço através da descrição daquilo que tornou possível e impôs tal conjunção: a estranha contemporaneidade de ambos; as crônicas nietzscheo-freudianas das 'quartas-feiras psicanalíticas'[1]; e as crônicas nietzscheo-freudianas do Congresso de Psicanálise de 1911 em Weimar, capital dos estudos nietzscheanos. E partindo de um "vai-e-vem" dialético, define "as problemáticas nietzscheana e freudiana, exibindo ao mesmo tempo a realização e a superação freudiana de determinada virtualidade, presente em Freud, e a resistência à 'superação' na qual se manifesta a idiossincrasia nietzscheana" (ASSOUN, 1991, p. 88).

Deste modo, pretende-se neste capítulo responder à pergunta: qual a relação existente no pensamento de Nietzsche e de Freud a respeito da Culpa? Mas, para atingirmos tal objetivo, somos compelidos, antes de colocarmos a questão teórica de fundo, a 'criar' um espaço que possibilite o confronto entre eles e a explicação das aproximações.

(...) Não basta verificar analogias e antecipações: convém criar condições para um diálogo, num mesmo terreno, onde as problemáticas são determinadas de modo sutilmente convergente e divergente. Nietzsche e Freud estão freqüentemente em condição de dizer quase a mesma coisa, mas nem sempre sobre a mesma coisa. O que dá sentido total a determinado enunciado teórico é seu contexto no corpo nocional considerado, e ele só assume seu significado se relacionado ao procedimento global que o subentende. Temos então que superar a admiração ante os ecos para encontrar as diferenças de tom (ASSOUN, 1981, p. 89).

Assim, apresentar-se-á aqui, num primeiro momento, a descrição da gênese que possibilitou a conjunção Nietzsche e Freud; em seguida veremos em linhas gerais como Nietzsche se apresenta no discurso freudiano frente aos temas sobre o sonho, o conflito, a neurose, a criminalidade e a culpa, o Super-homem [ou, Além do homem] e o Pai, o Id e a pulsão; para, enfim, analisarmos mais especificamente a relação existente entre ambos no que se refere a culpa.

1 A GÊNESE DA CONJUNÇÃO NIETZSCHE E FREUD

Assoun (1991, p. 9) percebe que a relação de Nietzsche com Freud fora percebida desde há muito tempo e, desde então, analogias foram feitas.

Esta conjunção foi percebida e autorizada há muito tempo, a bem dizer desde a origem da psicanálise, desde que foram descobertas ressonâncias de uma obra e de um verbo na outra. Como não perceber, pelo menos intuitivamente, até que ponto tal ou qual enunciado nietzscheano "soa freudiano"? Por isso se teceu sem cessar o fio dessa analogia, a ponto de fazer dela um lugar-comum. Essa tentação já é em si mesma um fato que une, mesmo contra sua vontade, o fundador da psicanálise a este grande "precursor".

O que Assoun se propôs em sua obra Freud e Nietzshe: semelhanças e dessemelhanças foi explicitar decididamente o conteúdo e o sentido desta conjunção. Não deixou de observar, porém, que tal atitude pudesse muito bem ser reprovada, pois Nietzsche (1988, p. 80) em um de seus últimos aforismos de Crepúsculo dos Ídolos crítica esta idéia da conjunção.

(...) Outra coisa que não posso ouvir é uma infamante conjunção "e": os alemães dizem "Goethe e Schiller", – receio que digam antes "Schiller e Goethe"... Porventura não se conhece este Schiller? – Há ainda conjunções piores; ouvi com os meus próprios ouvidos e, claro, entre professores universitários: "Schopenhauer e Hartmann".

Desta forma, Assoun (1991, p. 10) passa a expor o confronto Nietzsche-Freud da maneira pela qual nos é possível: através do segundo; e destaca a forma de o pai da psicanálise relacionar-se com Nietzsche e a filosofia: "é preciso lembrar que Freud aborda Nietzsche filósofo com o aspecto exterior e a postura que o definem em face da realidade filosófica". Freud, ao se deparar com um filósofo, aplicava-lhe a lei comum à "gentinha filosofante", porém, diante de Nietzsche, sente efetivamente que está tratando com alguém diferente.

Na introdução de sua obra, Assoun expõe alguns dados que traduzem uma estranha contemporaneidade entre estes dois pensadores, começando por dizer que Nietzsche é doze anos mais velho que Freud. Este último nem tinha começado seus estudos quando Nietzsche fora nomeado professor de filologia em Basiléia. No ano em que Freud entrara na faculdade, a produção literária de Nietzsche já começara. E quando Nietzsche chegara à descoberta de seu momento essencial – a descoberta que decidirá sua filosofia: o eterno retorno – Freud havia tornado-se médico.

Quando a filosofia de Nietzsche entra em seu período decisivo de produção, em meados dos anos 80, Freud está na fase de tentativas laboriosas, a viagem a Paris ao encontro de Charcot é contemporânea ao evangelho nietzscheano, Zaratustra (1885-1886) Nietzsche à crise final no memento em que Freud apenas começa a gestar a psicanálise, via correspondência com Fliess (1887-1889). Quando Nietzsche sofre o seu colapso mental, Freud, aos 38 anos, está em crise de identidade (ASSOUN, 1991, p. 13).

A Interpretação dos Sonhos de Freud é publicada quando Nietzsche morre. Esta obra marca a independência de Freud: é onde termina a correspondência com Fliess e o momento em que ele assume sua própria identidade. Assoun (1981, p. 13) elenca ainda que é após a morte do filósofo que se forma o primeiro grupo psicanalítico, em 1902, quando, então, Freud tinha 46 anos.

Estes poucos pontos de referência bastam para ver que, cronologicamente, Nietzsche e Freud são bem contemporâneos, porém, enquanto o primeiro se expressa desde os 30 anos, Freud só se tona ele mesmo aos 40, no momento em que Nietzsche colocou um ponto final em sua obra. Quanto a Freud, desenvolverá a sua por quatro decênios após o desaparecimento de Nietzsche, o que oculta, de certo modo, sua contemporaneidade.

Outro fator que esconde essa contemporaneidade é o fato de que as obras de Nietzsche só foram descobertas no final dos anos 80, quando surgiu a psicanálise: "O caso objetivo da história quer que no início do novo século sejam descobertos, portanto, a psicanálise e o fenômeno Nietzsche" (ASSOUN, 1991, p. 13).

Uma vez compreendido estes dados histórico, verifica-se ainda um outro fator: a moda Nietzsche. Assim como aconteceu com Schopenhauer, houve um grande silêncio, antes de Nietzsche tornar-se moda. Este 'falatório' é que levará o nome de Nietzsche até Freud. Ora, não é por acaso, que termos nietzscheanos aparecem nas cartas de Freud a Fliess.

O horror ao incesto (como coisa ímpia) baseia-se no fato de que, em conseqüência da comunidade da vida sexual (mesmo na infância), os membros de uma família se mantêm permanentemente unidos e se tornam incapazes de contatos com estranhos. Assim, o incesto é anti-social – a civilização consiste nessa renúncia progressiva. É o contrário do "super-homem" (FREUD, 1990, p. 354-356).

O que acontecera é que a terminologia nietzscheana havia se espalhado no meio dos intelectuais europeus da época. Um fato marcante que inicia esta onda da descoberta nietzscheana é a publicação da biografia que Lou Salomé elabora de Nietzsche, juntamente com a da irmã, Elisabeth Förster-Nietzsche. Um acontecimento simbólico acontece quando publicam o nono volume – e último – das obras reunidas de Nietzsche, em 1913, coincidindo com o lançamento, em Viena, de A Interpretação dos sos sonhos: "no mesmo momento em que Sigmund Freud faz sua entrada no campo científico (...) coloca-se a pedra inaugural da consagração literária da obra nietzscheana (...) vinculando o terminus a quo freudiano ao terminus ad quem nietzscheano" (ASSOUN, 1991, p. 14).

O que nos interessa de fato nesta estranha contemporaneidade, é a declaração solene de Freud de que ele não lera Nietzsche: em 1908 Freud declara com um pouco mais de clareza que "não conhece a obra de Nietzsche". Se à época era impossível não conhecer o nome de Nietzsche, cuja ressonância esta no apogeu, deve-se compreender que ele não o leu nem estudou, o que confirma uma declaração contemporânea em que observa que nunca "conseguiu estudar Nietzsche". Não que jamais tenha tido nas mãos um volume de Nietzsche, mas, de acordo com suas próprias palavras, não conseguiu "ir além de meia página" em suas tentativas de ler Nietzsche (ASSOUN, 1991, p. 15).

É importante notar a seqüência que Assoun nos mostra: neste primeiro momento, em 1908, Freud declara não ter conseguido ler Nietzsche; logo mais, em 1914 diz ter recusado o "grande prazer de ler Nietzsche"; e em uma última confirmação, em 1925, afirmara que evitou por muito tempo Nietzsche. Porém, o fato é "que se firmou relação duradoura entre eles e que há um discurso de Freud sobre Nietzsche e um intercâmbio entre os dois pensamentos que Freud não nega" (ASSOUN, 1991, p. 15).

Todavia, como bem mencionamos, a relação de Freud com a filosofia e, mais precisamente, com as obras filosóficas de Nietzsche, vem a ser incompleto, o que se nos abre as portas para outros canais que merecem ser examinados, como por exemplo, as crônicas 'freudo-nietzscheana' das famosas quartas-feiras psicanalíticas, que tinha como principio ouvir uma conferência seguida de uma discussão global. E foi em primeiro de abril de 1908 que a leitura da terceira dissertação da Genealogia da moral de Nietzsche é proposta. O resultado foi: "conhecemos as idéias desenvolvidas sobre Nietzsche naquela ocasião. É recusado o título de filósofo a Nietzsche, que será definido como 'um moralista que se distingue (...) por um espírito de uma acuidade pouco comum'" (ASSOUN, 1991, p. 17).

Outro ponto interessante: é assinalado o contraste entre seu comportamento no dia-a-dia com o tema principal de suas obras, "ou seja, a oposição entre a tristeza de seu caráter e a embriaguez dionisíaca que impregna sua obra" (ASSOUN, 1991, p. 17). Assim, a leitura de Nietzsche nesta ocasião não possui um caráter filosófico, mas como um 'exercício de patografia'. Conquanto, cabe salientar, citando Assoun (1991, p. 18), as afirmações de Adler, que é "o primeiro a declarar resolutamente: de todos os filósofos importantes que nos legaram alguma coisa, Nietzsche é o mais próximo de nossa maneira de pensar"; e as afirmações de Federn: "Nietzsche está tão próximo de nossas idéias que só nos resta perguntar o que lhe teria escapado. Ele antecipou, por intuição, certas idéias de Freud"; Este, por sua vez, refere-se a Nietzsche como se refere à 'coisa' filosófica em geral, declarando que não conhece Nietzsche e suas obras: "suas tentações ocasionais de lê-lo foram sufocadas por um excesso de interesse. (...) [ele] que tentou por várias vezes percorrer Nietzsche, sem conseguir ficar de posse de um conhecimento global dele". Deste modo, faz notável que o discurso sobre Nietzsche apresenta uma dupla face para os psicanalistas: a de precursor distinto e de objeto de diagnóstico.

Todavia, o 'caso Nietzsche' não se dissipara, mas ao contrário, tornou-se objeto de importância literária sensacional na época. E como era de se esperar, houve uma nova conferência sobre Nietzsche, agora, com Ecce Homo em pauta. Foi durante estas conferências que Freud atribui a Nietzsche o que ele mesmo reivindicara, o título de "primeiro psicólogo": "'o grau de introspecção atingido por Nietzsche não foi atingido por ninguém antes dele, e sem dúvida nunca mais o será'" (ASSOUN, 1991, p. 22). Deste modo, vê-se, por um lado, que

(...) a tendência a se observar o homem Nietzsche para explicar a obra é uma constante, desde a origem do discurso sobre Nietzsche. (...) tendência esta naturalmente agravada pelo colapso mental que vinculou a questão da obra à do "caso". Mas, por outro lado, vislumbramos como o discurso analítico, principalmente o de Freud, permite ultrapassar os limites de um discurso centrado em sua personalidade, se é verdade que o recurso ao homem não serve para rebater" a obra mas sim para esclarecer suas condições pulsionais. (...) Talvez somente Freud estivesse em condições de explicar a ligação sem cair no reducionismo de uma "chave" que, ao permitir abrir a obra, mataria o seu texto. (ASSOUN, 1991, p. 23)

Faz-se mister, ainda, a reafirmação de Freud, de que nunca fora além de meia página nas suas tentativas de ler Nietzsche, "em parte por causa da semelhança que suas descobertas intuitivas têm com nossas árduas pesquisas, e em parte devido à riqueza de conteúdo de suas obras" (ASSOUN, 1991, 23).

Por fim, outro canal que possibilitou o intercâmbio entre estes dois autores, é a crônica do Congresso de Psicanálise realizado em 1911, na cidadela nietzscheana de Weimar. Ali era onde morava a irmã de Nietzsche, Elisabeth Förster-Nietzsche, que gerira a obra do irmão com plenos direitos autorais. Como Nietzsche já havia sido estudado nas quartas feiras psicanalíticas, surge a idéia de que é imprescindível uma visita à Elisabeth. Os dois 'deputados' delegados transcreveram que a conversa foi sobre o Congresso de psicanálise e das semelhanças de idéias de Freud e Nietzsche. Isso serviu "não [como] ponto de partida para algum pacto entre freudianos e nietzscheanos, mas simplesmente ponto de contato, atestado das similitudes" (ASSOUN, 1991, p. 28). O resultado desse acontecimento pode ser resumido nestas palavras: "Nietzsche é o único filósofo contemporâneo a ser objeto de semelhante manifestação de respeitosa simpatia por parte do movimento analítico oficial, quando de sua institucionalização" (ASSOUN, 1991, p. 28).

2 NIETZSCHE NO DISCURSO FREUDIANO

Como vimos anteriormente, a afirmação de Freud, quanto a leitor de Nietzsche, sempre fora muito precisa: ele não leu as obras do filósofo. Por conseguinte, "o discurso freudiano sobre Nietzsche revela-se notavelmente econômico e pontual. Nietzsche aparece na obra freudiana sob a forma de curtas referências (...) que preenchem uma função de intuição antecipadora e legitimadora da descoberta psicanalítica" (ASSOUN, 1991, p. 68). O que Assoun propõe então, é uma interpretação das pistas deixadas por Freud. Há uma dezena de alusões feitas por Freud, em suas obras, sobre Nietzsche, o que nos indica uma rede de indicações preciosas sobre as idéias trabalhadas por ambos. "Vê-se que, apesar de disparatados, os ecos nietzscheanos remetem, como que por reflexo, a temas de fundo: o sonho, o conflito, a neurose, a criminalidade e a culpa, o Super-homem [ou, Além do Homem] e o Pai, o id e a pulsão" (ASSOUN, 1991, p. 81-82).

Estes dois pensadores possuem uma afinidade muito rica em potencialidades. Neste sentido, Freud investe em Nietzsche sobretudo como a um precursor de suas idéias, exatamente atrás de Schopenhauer. Atesta isso em História do Movimento Psicanalítico.

Em anos posteriores, neguei a mim mesmo o enorme prazer da leitura das obras de Nietzsche, com o propósito deliberado de não prejudicar, com qualquer espécie de idéias antecipatórias, a elaboração das impressões recebidas na psicanálise. Tive, portanto, de me preparar - e com satisfação - para renunciar a qualquer pretensão de prioridade nos muitos casos em que a investigação psicanalítica laboriosa pode apenas confirmar as verdades que o filósofo reconheceu por intuição (FREUD, 1974c, p. 9).

O Estudo Autobiográfico (Selbstdarstelling), de 1925, confirma o que foi escrito em 1914. Nietzsche é evocado junto com Schopenhauer, mencionando a coincidência surpreendente entre as intuições e percepções do primeiro com os resultados conquistado penosamente pela psicanálise.

O alto grau em que a psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer - ele não somente afirma o domínio das emoções e a suprema importância da sexualidade, mas também estava até mesmo cônscio do mecanismo da repressão - não deve ser remetida à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer muito tarde em minha vida. Nietzsche, outro filósofo cujas conjecturas e intuições amiúde concordam, da forma mais surpreendente, com os laboriosos achados da psicanálise, por muito tempo foi evitado por mim, justamente por isso mesmo; eu estava menos preocupado com a questão da prioridade do que em manter minha mente desimpedida (FREUD, 1976b, p. 37).

No que tange estas intuições e percepções nietzscheanas, Freud as menciona ao longo de sua obra. Ao concluir o tema sobre a regressão, no capítulo VII de A Interpretação dos Sonhos, Freud (1987a, p. 139) compartilha com Nietzsche a idéia do sonho como acesso privilegiado ao legado filogenético do homem, à sua herança arcaica.

(...) Podemos calcular quão apropriada é a asserção de Nietzsche de que, nos sonhos, "acha-se em ação alguma primitiva relíquia da humanidade que agora já mal podemos alcançar por via direta"; e podemos esperar que a análise dos sonhos nos conduza a um conhecimento da herança arcaica do homem, daquilo que lhe é psiquicamente inato. Os sonhos e as neuroses parecem ter preservado mais antiguidades anímicas do que imaginaríamos possível.

Trata-se, todavia, de uma citação – visivelmente de memória e sem indicação de referência – do 13º aforismo de Humano Demasiado Humano, donde provém a declaração de Nietzsche: "No sonho continua a agir em nós aquela parte arcaica da humanidade, pois ele é o fundamento sobre o qual a razão superior se desenvolveu, e ainda se desenvolve em cada homem" (NIETZSHE apud ASSOUN, 1991, p. 72). Este é, em suma, o resumo da idéia de que "o sonho nos transporta a longínquos estados da civilização e nos dá um meio de melhor compreendê-los" (ASSOUN, 1991, p. 72).

Já em uma nota de Psicologia da Vida Cotidiana, Freud atribui incontestavelmente a Nietzsche os méritos do fenômeno da resistência que ocorre em oposição à rememoração de lembranças penosas, indicando-nos, desta vez, a referência de forma precisa: se trata do aforismo 68, que se encontra na quarta parte de Além do Bem e do Mal: "'eu fiz isto', me diz a memória. 'Não posso tê-lo feito', sustém o meu orgulho que é inexorável. Finalmente cede a memória. (NIETZSCHE, s. d., p. 88).

Num outro momento, para ilustrar a relação entre as 'fantasias neuróticas' e os 'mitos cósmicos', Freud relaciona o hino de Nietzsche, Antes que o Sol Desponte, presente em Assim falou Zaratustra (1998b) à experiência clínica com um doente que havia perdido o pai muito cedo, e que tentava reencontrá-lo em tudo o que é grande e sublime. Desta forma, podemos notar que a linguagem de Nietzsche para Freud é algo precioso: "a poesia filosófica concede então sua linguagem à neurose, que é por si só a expressão ontogenética de mitos filogenéticos" (ASSOUN, 1991, p. 75). A linguagem nietzscheana consegue expressar com profundidade a dimensão cósmica da vivência individual.

Além deste uso, Freud vê no hino – Antes que o Sol desponte – uma concepção de moral e de culpa, o que constitui a descoberta de uma das matérias essenciais na teoria das neuroses.

Em Alguns tipos de caráter encontrados no trabalho psicanalítico, escrito em 1915, é feita uma analogia sobre os "criminosos por sentimento de culpa" com o brilhante discurso de Zaratustra Do pálido criminoso de Nietzsche.

Encontramos aqui as características da intervenção de Nietzsche no discurso freudiano: ela se coloca como conclusão de um desenvolvimento preciso, para dar-lhe sua dimensão de certo modo típica; neste caso, a pálida silhueta do criminoso culpado serve para fixar num tipo a psicografia evocada exatamente antes (ASSOUN, 1991, p 76).

Aqui abre-se as portas para percorrer o caminho da teoria da culpa, tema que está em foco no presente trabalho. Contudo, há ainda mais um ponto que tratar-se-á, antes de aprofundar a relação entre o filósofo e o autor da psicanálise frente ao conceito de culpa.

Freud aproxima o "pai da horda primitiva", originário da sua psicologia coletiva, com o Übermensch de Nietzsche: "no princípio da história da humanidade, ele era o Super-homem que Nietzsche esperava só no futuro" (ASSOUN, 1991, p. 77). Eis aí a diferença entre estes dois personagens conceituais.

A hipótese de um "pai primitivo" ou de um "super-homem" deixa de ter importância em si mesma: o que interessa é que o tipo acabado do mais integral narcisismo concebível para o homem se refere, em Freud, a um antes interrompido e caduco, enquanto ele é reativado em Nietzsche como o fim vivo para o qual tende legitimamente o devir (ASSOUN, 1991, p. 78).

Isto traz algumas implicações na civilização. No manuscrito dirigido a Fliess, Freud atestava o processo pelo qual a civilização deveria passar para existir: proibir o incesto, pois ele é um fato anti-social. O incesto traduz a idéia de uma moral coletiva que baseia-se na proibição. Por outro lado, o Übermensch (super-homem, além do homem) nietzscheano expressa justamente o contrário: "o incesto expressa na verdade a renuncia da massa ao princípio do prazer, enquanto o super-homem simboliza o princípio do prazer sem mediação, cujo homólogo freudiano será o chefe da horda [primitiva]" (ASSOUN, 1991, p. 79). Isto resume o conflito entre os instintos e a lei humana que se apresenta na civilização.

Há outras aparições de Nietzsche nas obras freudianas, mencionadas por Assoun, porém, nosso objetivo com a presente seção é simplesmente delinear sobre alguns deles, de modo que fique clara a riqueza de afinidades, tanto históricas quanto teóricas, presente nesta conjunção Nietzsche-Freud. Assim, passemos à uma análise da relação existente entre os dois autores referentes à culpa.

3 CULPA EM NIETZSCHE E FREUD

Como se sabe, Nietzsche é um filósofo que preocupa-se essencialmente com o problema da moral. Por conseguinte, ele afirma, em A Vontade de Poder, ser a tarefa nova, a coisa essencial, 'enxergar' e 'mostrar' o problema da moral (ASSOUN, 1991, p. 254). Já Freud, em contrapartida, encara a moral não como um problema, mas como algo natural. Não é algo nem novo, nem essencial e nem é uma tarefa. Ela é um fato a-histórico, o mais antigo presente no homem.

Assim, enquanto para Freud a moralidade é algo natural, para Nietzsche ela é "o que é menos natural".

Esta estranha posição invertida sobre uma mesma questão exige ser pensada como tal. (...) Neurose e moralidade, (...) se referem a pressupostos heterogêneos; ao mesmo tempo, porém, pode servir para fundamentar, numa certa proporção, o encontro dos diagnósticos nietzschiano e freudiano. Na verdade, não pode ser simples acaso se Nietzsche e Freud encontram e teorizam, cada qual dentro de sua perspectiva, mecanismos homólogos; como se Nietzsche teorizasse como moralidade a neurose no sentido freudiano e como se, em eco, Freud diagnosticasse como neurótico um conflito da moralidade na inspiração nietzschiana (ASSOUN, 1991, 254).

Um desses mecanismos homólogos, que Nietzsche e Freud diagnosticaram – além da culpa – é a teoria da civilização. É importante notar que "tanto em Nietzsche quanto em Freud existe uma teoria da civilização (Kultur[2]) que é, ao mesmo tempo uma teoria da doença ou do mal-estar da civilização" (ASSOUN, 1991, p. 259): a neurose, entendida como "'doença do desejo', traduz na realidade o conflito fundamental com a moralidade, que emana do conflito original, de natureza edípica" (ASSOUN, 1991, p. 259).

Esta teoria torna-se essencial "a partir do momento em que se percebeu que ela prolongava natural e necessariamente a teoria da doença individual" (ASSOUN, 1991, p. 259).

Todavia, é dentro da psicologia freudiana das neuroses com seu homólogo nietzschiano sobre a "patologia moral" que surge o problema da culpa, entendida sob a ótica de uma doença.

Esta doença em Nietzsche distribui-se ao longo da Genealogia da moral, também sob as espécies do ressentimento, da má consciência e do ideal ascético. "Não se pode escapar à impressão de que aquilo que Nietzsche teoriza a propósito do ressentimento não é senão o que Freud, desde a origem, teoriza a propósito da neurose enquanto tal" (ASSOUN, 1991, p. 231). Freud procura estabelecer, dentro do quadro clínico da neurose e da histeria, que o sujeito, nestes estados, padecem, em grande parte, de reminiscência (Reminiszenzen). Assoun (1991, p. 232) descreve ainda que o ressentimento nietzschiano se alimenta na mesma fonte que a Reminiszenzen da histeria freudiana: ambas são frutos de um processo de re-ação, ou ab-reação. Com efeito, esse ressentimento abre as portas para o surgimento da má consciência.

Como se sabe, a má consciência (schechte Gewissen) é que constitui o prolongamento e a superação do ressentimento na patologia nietzschiana. Pois bem, esta passagem ocorre por um processo que Nietzsche caracteriza claramente: todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se (wenden) para dentro – isto é o que chamo de interiorização (Verinnerlichung) do homem. Esta é a transformação (Veränderung) radical que vai criar uma doença aguda e crônica ao mesmo tempo: o homem doente do homem, doente de si mesmo.

Embora essa interiorização do homem proceda de uma repressão dos instintos, cujo resultado é a introjeção da agressividade natural expressa na vontade de torturar a si próprio, ela é também o que torna o homem um animal interessante. Sobre isso Paschoal (2007, p. 101) escreve:

Quando aquelas forças voltam-se para trás, produzindo "o sofrimento do homem com o homem..." tem-se não apenas "a mais sinistra doença, da qual até hoje não se curou a humanidade", mas também, segundo Nietzsche, algo tão novo "tão inaudito, tão profundo, enigmático, pleno de contradição e de futuro, que o aspecto da terra se alterou substancialmente. (...) Desde então o homem, segundo Nietzsche, (...) "desperta um interesse, uma tensão, uma esperança, quase uma certeza, como se com ele algo novo se anunciasse, algo se preparasse, como se o homem não fosse uma meta, mas apenas um caminho, um episódio, uma ponte, uma grande promessa.

Freud, por sua vez, analisa "sob o nome de 'destinos das pulsões' (...) ao lado do recalque e da sublimação, dois processos que não por acaso, parecem fazer parte do mecanismo íntimo do ressentimento e da má consciência" (ASSOUN, 1991, p. 233). Ele vê no sadomasoquismo a expressão de um processo que ele denomina de "retorno sobre si mesmo", que designa a convergência das pulsões sobre si mesmo, e a "reinversão da pulsão", significando o processo pelo qual a finalidade de uma pulsão transforma-se no seu contrário, passando assim da atividade à passividade.

No processo que vai da atividade ao ressentimento, e deste à má consciência, é como se houvesse visto seu aprofundamento em espiral. Na "interiorização" vimos consumar-se a mudança de direção, meta e objeto. A partir deste momento, a tonalidade sadomasoquista da má consciência assume todo o seu significado pulsional (ASSOUN, 1991, p. 233).

Ora, para Nietzsche, a culpa é um outro aspecto decorrente desta interiorização do homem.

Além da diferença entre a má consciência e ressentimento, um segundo aspecto a ser considerado na caracterização das doenças oriundas da interiorização no homem é a transformação que ocorre quando essas doenças são apropriadas pela interpretação religiosa em especial a cristã – e associadas ao sentimento de culpa (PASCHOAL, 2007, p. 103).

A patologia da culpa, doença que assola toda civilização, e constitui, assim, um importante problema para ela, "se especifica através de um sentimento de dupla conotação, ética e clínica: [e] existe, tanto em Freud quanto em Nietzsche, uma teoria da culpa, igualmente central" (ASSOUN, 1991, p. 236). Precisamos, contudo, especificar suas convergências e divergências.

Tanto Nietzsche quanto Freud põem em evidência a importância da dívida (Schuld), e isto não é por acaso: "se esta temática se torna central em ambos, é porque a crítica da moral e o diagnóstico da neurose se cruzam para encontrar esta categoria de dívida" (ASSOUN, 1991, p. 241).

(...) A dívida vincula o sujeito a si mesmo, o que constitui a melhor definição de culpa. A aproximação, conforme o duplo sentido da palavra Schuld, é explicitada por Nietzsche como um daqueles signos etimológicos de uma genealogia da moral: "o conceito moral essencial 'culpa' tira sua origem da idéia toda material de 'dívida'". É como se a linguagem da neurose desenvolvesse clinicamente esta analogia, implicada desde o postulado econômico: se é verdade que nada é mais difícil para o homem que a renúncia a um "gozo já sentido", é preciso concluir: "A bem dizer, só sabemos trocar uma coisa por outra" (ASSOUN, 1991, p. 242).

Em termos nietzschianos, esta culpa, é uma má consciência constituída sob a égide da interpretação religiosa, visto como uma necessidade de punição "ocorrida em função de uma dívida do homem para com Deus, de sua condição de pecador e culpado" (PASCHOAL, 2007, p. 103). Deste modo,

(...) Tomando em especial aquela má consciência primitiva, quando se dá o seu encontro com a noção de culpa, de uma dívida para com Deus, têm-se a sua elevação a patamares ainda mais terríveis, chegando à crueldade psíquica de sentir-se culpado, pecador, enfim, à vontade de ser castigado "sem que o castigo possa jamais equivaler à culpa" (PASCHOAL, 2007, p. 103).

Em termos freudianos, a culpa seria o resultado do crime comum cometido pelos filhos que haviam sido expulsos da comunidade totêmica: é o assassinato do Pai primevo, transmitido filogeneticamente através do complexo edipiano. Do complexo de Édipo "deriva a família de sentimentos que Nietzsche rotula como reativos; ou seja, o remorso e o arrependimento (Reue), que constituem reação do ego num caso determinado de sentimento de culpa" (ASSOUN, 1991, p. 241). Decorre-se daí a afirmação freudiana de que a culpa é o cimento do contrato social e, portanto, o mais importante problema da civilização.

Portanto, vê-se que ambos relacionam a culpa ao aspecto religioso. Todavia, enquanto Nietzsche afirma ser esse o momento em que a doença oriunda da interiorização do homem – o que o torna um animal interessante – transforma-se em loucura, algo estéril, sem sentido e sem retorno, que vê no seu não à si e à natureza um sim a Deus, donde decorre

(...) a mais estranha forma de vontade de poder: a vontade do homem de sentir-se culpado e desprezível, até ser impossível a expiação, sua vontade de infectar e envenenar todo o fundo das coisas com o problema do castigo e culpa, para de uma vez por todas cortar para si a saída desse labirinto de 'idéias fixas', sua vontade de erigir um ideal – o do 'santo Deus' – e em vista dele ter certeza tangível de sua total indignidade (...) [assim], tem-se o estabelecimento de uma loucura como regra (PASCHOAL, 2003, p. 139-140).

Freud vê na culpa um pressuposto natural e imprescindível para domesticação do homem, afim de torná-lo sociável, civilizado.

Enquanto a comunidade não assume outra forma que não seja a da família, o conflito está fadado a se expressar no complexo edipiano, a estabelecer a consciência e a criar o primeiro sentimento de culpa (...). Visto que a civilização obedece a um impulso erótico interno que leva os seres humanos a se unirem num grupo estreitamente ligado a ela, só pode alcançar seu objetivo através de um crescente fortalecimento do sentimento de culpa. O que começou em relação ao pai é completado em relação ao grupo. Se a civilização constitui o caminho necessário de desenvolvimento, da família à humanidade como um todo, então, em resultado do conflito inato surgido da ambivalência, da eterna luta entre as tendências de amor e de morte, acha-se a ele inextricavelmente ligado um aumento do sentimento de culpa, que talvez atinja alturas que o individuo considere difíceis de tolerar (FREUD, 1974a, p. 156-157).

A culpa, segundo Freud, é o preço que pagamos por uma vida dita "civilizada".

Um outro ponto comum, onde é expressa a culpa, evidencia-se na relação entre crime e castigo. A criminologia nietzschiana chamou a atenção de Freud, o que o levou a escrever em o Ego e o Id, no capítulo dedicado à culpa, que "foi uma surpresa descobrir que uma elevação do sentimento de culpa pode fazer do homem um criminoso" (FREUD apud ASSOUN, 1991, p. 245). Percebeu ainda que havia um poderoso sentimento de culpa em muitos criminosos jovens. O sentimento de culpa "existe antes da ação, portanto, não como conseqüência, mas como motivo, como se isto houvesse sido sentido como um alívio (Erleichterung) de poder vincular este sentimento de culpa inconsciente a algo real e atual" (ASSOUN, 1991, p. 245).

Ao contrário do que pensam os genealogistas da moral, a saber, de que o "castigo teria o valor de despertar no culpado o sentimento de culpa", Nietzsche (1998a, p. 70-71) afirma o contrário: "o castigo endurece e torna frio; concentra; aguça o sentimento de distância; aumenta a força de resistência". E conclui ainda dizendo que "a 'má consciência', a mais sinistra e mais interessante planta da nossa vegetação terrestre não cresceu neste terreno – de fato, por muitíssimo tempo os que julgavam e puniam não revelaram consciência de estar lidando com um culpado. Mas com um causador de danos". Freud, por conseguinte, nos informa, em Os criminosos por sentimento de culpa, que "o crime serve paradoxalmente para aliviar o sentimento de culpa 'de origem desconhecida', ligando-o a 'algo definido'. É nesta mesma ocasião que Freud menciona que uma tal gênese não era desconhecida de Nietzsche" (ASSOUN, 1991, p. 245).

(...) Um amigo chamou minha atenção para o fato de que o 'criminoso em conseqüência de um sentimento de culpa' também já era do conhecimento de Nietzsche. A preexistência do sentimento de culpa e a utilização de uma ação a fim de racionalizar esse sentimento cintilam diante de nós nas máximas de Zaratustra 'Sobre o Criminoso Pálido'. Deixemos para uma futura pesquisa a decisão quanto ao número de criminosos que devem ser incluídos entre esses 'pálidos' (FREUD, 1974c, p. 201).

Uma vez compreendido isto, encerra-se o presente trabalho, consciente de suas limitações, mas também das possibilidades que se abrem a partir dele para um aprofundamento posterior.



[1] Conferências realizadas pelo grupo de psicanalistas que Freud freqüentava.

[2] Há uma nota explicativa deste termo na obra Nietzsche Freud: Eterno Retorno e Compulsão à Repetição, de Rogério Miranda de Almeida, que diz: convém notar a distinção que faz o alemão, e Nietzsche (...), entre os termos Kultur e Zivilisation. O primeiro designa aquilo que entendemos por civilização, isto é, o conjunto das produções culturais e materiais de uma determinada época, de um determinado povo ou de uma sociedade. Quando, porém, Nietzsche emprega a palavra Zivilisation, ou Civilisation, ele quer significar o requinte excessivo e decadente de uma Kultur, ou Cultur. Todavia, no capítulo 18 de O Nascimento da Tragédia, ele se serve da expressão "alexandrinischen Cultur" (civilização alexandrina) para criticar a decadência do mundo moderno que, na sua perspectiva, teve origem no modelo socrático do homem teórico (ALMEIDA, 2005, p. 139).

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Autor: Antonio Djalma Braga Junior


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