A Institucionalização Da Pesca No Brasil Entre 1912 A 1989



A pesca é uma atividade humana cuja sua existência vem dos primórdios. Ela faz parte da reprodução humana desde que o homem começou a se alimentar de animais além de frutos. Porém é nesses dois ultimo séculos que a pesca tem sido organizada de forma diferente. No Brasil pouco se tem na literatura a respeito da organização da pesca como atividade econômica além das leis elaboradas, dos decretos feitos pelo senado e presidente, pelas mensagens presidenciais evidenciando tal desenvolvimento e relatórios de órgãos como a SUDEPE. Na literatura que relata o desenvolvimento da pesca, contida especialmente nos relatórios da Superintendência do Desenvolvimento da pesca que, somente vem a público na década de sessenta, antes disso só podemos nos basear nas leis, decreto e mensagem presidenciais formando núcleos pesqueiros e nas idéias do governo em defender os interesses nacionais perante as grandes frotas internacionais como a do Japão, Inglaterra, Holanda, entre outras.
Um dos primeiros grandes atos da monarquia Brasileira quanto à atividade pesqueira, onde consta na literatura, datam do século XIX, no ano de 1846, onde é promulgada a lei 447 que separa os pescadores brasileiros por distritos de pesca, exigindo a matricula dos pescadores e barcos nas capitanias dos portos, passando à marinha toda a parte administrativa da atividade pesqueira exercida em território nacional, organizando-a e determinando obrigatoriedades. A pesca se constituía de forma desarticulada dos centros, entre as diversas colônias espalhadas pelo Brasil, e rudimentar em relação aos paises como Inglaterra, Holanda e Japão. Após alguns anos na estruturação desta atividade, cuja articulação se propagou durante o século XXIII e início do século XIX, o governo de Prudente de morais, em 1897, através da lei 478, trouxe a tona o interesse das oligarquias pela total nacionalização da pesca. Mesmo porque nos paises já industrializados depois de terem explorado livre e desastrosamente seus recursos naturais, se aproveitaram do grau de desenvolvimento da acumulação e tecnificação desta atividade em seus paises, para se apropriar dos recursos dos paises em desenvolvimento e tecnicamente inferiores, totalmente dependentes dos centros hegemônicos, onde havia menor e mais lenta acumulação. Tem-se que o berço da revolução industrial, Inglaterra, introduziu toda a dinâmica da produção especificamente capitalista a todos os setores, inclusive na atividade pesqueira que anteriormente era em sua maioria artesanal e sem excedente, transformando os barcos a vela em grandes indústrias flutuantes, levando seu modo de produção e relações sociais como amostra as outras nações. Segundo Diegues (1983):

O resultado da sobrepesca foi o esgotamento puro e simples desses recursos naturais renováveis dos mares contíguos dos países centrais e o deslocamento das frotas para as águas dos países ditos subdesenvolvidos. (p 83)

Esta atividade exercida em território nacional começara a tomar um rumo mais exploratório e devastador. O governo brasileiro tomou por proteger o território e organizador de forma a garantir os seus recursos ainda não explorados como patrimônio nacional assim como definir a área que se tinha direito..
No início do século XX, no governo Hermes da Fonseca, em 1912, a atividade começou a ser moldada e pensada com o início do processo de industrialização brasileira, através das acumulações obtidas pela economia cafeeira, evidenciavam-se no Brasil os primeiros atos institucionalizando-a como atividade de iniciativa do poder estatal, seguindo interesses privados oligárquicos. Poder-se-ia notar evidentemente a idéia de nacionalismo que nascia com mais força. Criou-se a inspetoria da pesca, que segundo o decreto nº. 9.672, com sede no Rio de Janeiro, tinha por objetivo criar estações de pesca de acordo com o número de zonas de pesca, de preferência em núcleos já estabelecidos de pescadores. Neste ano, é transferida a administração da pesca do ministério da marinha novamente para o ministério da agricultura, que por hora tinha sido esquecida, sendo extinta a inspetoria da pesca em 1918. Porém em 1914, pelo decreto nº. 10.798 a atividade pesqueira se olha fiscalizada pela inspetoria de Porto e Costas da república, possuindo em suas metas não só a fiscalização, mas a inspeção, fiscalização e superintendência de todos os serviços a cargo das capitanias dos portos, que lhe ficavam diretamente subordinados. Durante muitos anos no intuito de organizar a atividade se fez necessário varias mudanças hierárquicas junto aos objetivos e interesses da elite dirigente. Três anos mais tarde, os interesses se voltam mais nacionais, ainda é determinada a pesca exclusivamente nacional, com base no artigo 73 da lei 2.544, de janeiro de 1912. Os olhares se voltam novamente em defesa dos recursos aqui existente e da produção nacional que se transforma com o decorrer das políticas de desenvolvimento.
Com o decorrer da industrialização brasileira, em 1923, no mandato de Artur Bernardes, tem início a mais uma rodada de mudanças. Através do decreto nº 16.184 as atividades de pesca passa a ser regulada pelas capitanias dos portos, diretamente subordinada ao ministério da marinha, submetendo a matricular os barcos e pescadores nas capitanias dos portos para melhorar a fiscalização, inclusive a contagem da captura feita com o auxilio da diretoria de pesca. Com estas novas ordens passou-se a fiscalizar a captura e a promover os estudos econômicos desta atividade através da formulação de estatísticas, iniciou-se a idéia de planejar. A aprovação da lei possuía preocupação nacionalista por parte do governo nacional que agora defendia a produção nacional. Deixa-se bem claro, nas leis que regulamentam que somente os brasileiros ou naturalizados brasileiros poderiam exercer a atividade no território, havendo uma proteção dos recursos naturais brasileiros pelo governo federal.
A regulamentação se mostrou mais intensa em 1933, pós a depressão, no primeiro governo de Getúlio Vargas, através do decreto nº 23.348. É feita a regulamentação dos entrepostos federais de pesca e cria-se o entreposto do Distrito Federal. O entreposto federal, com sede no Rio de Janeiro, era diretamente subordinado a diretoria de caça e pesca, a diretoria geral de indústria animal, ao ministério da agricultura. Entendia-se que a criação dos entrepostos permitia manipular melhor suas estatísticas, que proporcionava a libertação dos pescadores e o menor ônus público. O entreposto federal tinha o objetivo de concentrar a produção e consumo para exportação, promovendo o melhor desempenho na balança comercial.
No primeiro governo de Getúlio Vargas, é criada a caixa de crédito dos pescadores e armadores de pesca, através do decreto-lei nº 794, que cria o código da pesca. A fiscalização da pesca recai ao serviço de caça e pesca. Institui-se também no mesmo ano a taxa de expansão da pesca com objetivos de proteger a amparar a pesca industrial nacional, que começa a ser formar lentamente e não isoladamente da economia brasileira, à classe dos trabalhadores da pesca e a ampliação dos serviços de caça pelo decreto nº. 291 “taxa de expansão da pesca” era captado sobre os produtos industriais de pesca vindos do estrangeiro.
A partir de então a ação do governo caracteriza-se nitidamente por uma linha intervencionista e assistencial. Chega-se a fase da industrialização restringida, com a categoria pesqueira integrada a um conselho de pesca e por quatro seções: pesquisa, criação, industrialização e fiscalização. Em 1942, ainda no governo Getulista, pela lei nº. 4830 é subordinada ao ministério da marinha as colônias de pesca, criando a instituição da comissão executiva da pesca, a CEP, com o objetivo de organizar cooperativas de pescadores, extinta em 1945, ficando ao ministério da agricultura a responsabilidade pelo fomento da atividade.
Mas o que vai marcar o desenvolvimento industrial no Brasil é o período de grande planejamento e planos. Jucelino Kubistichek elaborando junto a sua equipe econômica o primeiro plano de metas, 1956 à 1961. Evidencia-se através de mensagens enviadas ao congresso nacional, o seguinte discurso, quanto a atividade pesqueira nacional, do presidente da república:

Está se criando, lenta mais firmemente, uma mentalidade pesqueira no Brasil. Iniciativas governamentais de caráter assistencial e educativo, e também empreendimentos privados de envergadura, modificam de ano para ano, o quadro estatístico dessa indústria, assinalando constantes aumentos na produção de pescado, que alcançou mais de duzentas mil toneladas em 1955 (Juscelino Kubitschek, Abril de 1955)

Tem-se o incremento na produção pesqueira com o passar dos anos, um incremento ininterrupto, porém sem dinamismo e descoordenado. O Brasil possuía uma pesca predominantemente artesanal, com técnicas rudimentares e atrasadas em relação a muitos países, pesca da qual não permitia grandes avanços das forças produtivas e que fora ao pouco e de forma lenta sendo incorporificadas. Havia grandes barreiras ao capital, não tinha quem fomentasse esta atividade de importância relativamente importante.
Em 1961, no governo Jânio Quadros, é criado o Conselho de Desenvolvimento da Pesca, pelo decreto nº. 50872, tendo como principais objetivos: elaborar o plano plurienal da pesca, elaborar também programas para a formação de técnicos e profissionais na área de pesca, promover a assistência social aos trabalhadores da pesca, dar isenção fiscal às indústrias para a construção de barcos de pesca e ampliar o mercado de consumo dos grandes centros demográficos e cidades do interior. Havia mudanças no discurso, mudanças estas que acabaram por criar, em 1962, pela lei delegada nº. 10 a principal autarquia do setor, a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca. Havia grandes objetivos, dentro os maiores era a elaboração do plano nacional de desenvolvimento da pesca, o “Plano de Metas da pesca”. Carecia a SUDEPE ( Superintendência do Desenvolvimento da Pesca) também, dar assistência técnica e financeira dos empreendimentos da pesca, realizar estudos para o aprimoramento das leis, a fiscalização com base nos códigos de pesca inclusive coordenação de programas de assistência técnica nacional e estrangeira.
Pelo decreto nº. 51868, cria-se o grupo de trabalho para propor diretrizes para o desenvolvimento da pesca no Brasil, com uma comissão estabelecida por integrantes de órgão ligado a pesca, com o discurso de que: o desenvolvimento da pesca, na sua indústria é grandiosa fonte de riqueza nacional. Esta criação tinha grande sentido como: a expansão da produção pesqueira, a adequação dos portos para pesca, o planejamento da melhoria das redes de distribuição do produto, o fomento das exportações, a promoção da pesca artesanal e estabelecimento de uma política de preços que remunerasse bem o produtor e que fosse acessível ao consumidor. Esperava-se também a ampliação e racionalização da infra-estrutura existente da atividade pesqueira, além do maior apoio técnico e financeiro aos pescadores e empresas de pesca, e também a exploração pesqueira em todos os aspectos. Neste mesmo ano é elaborado o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento Pesqueiro, em 1962.
No mandato de Costa e Silva, em 1967, pelo decreto-lei nº. 221, ocorre o divisor de água para a atividade pesqueira no Brasil. Defini-se a indústria pesqueira como indústria de base. A atividade antes restrita, encontrava respaldo nos incentivos fiscais a grande possibilidade de concentrar, modernizar, dinamizar e expandir a indústria do setor, participando de uma industrialização pesada. O decreto lei isentava até 1972 impostos sobre importações, impostos sobre produtos industrializados, taxas aduaneiras para a importação de embarcações de pesca, equipamentos, e também máquinas, aparelhos, instrumentos e apetrechos de pesca. Operava-se a fabricação de bens de produção destinados à indústria de pesca, aprovados pelos órgãos subordinados á comissão de Desenvolvimento industrial do ministério da indústria e comércio. Ainda no ano de 1967 o senado federal aprova o decreto nº. 60401e com ele o programa de Pesquisa e Desenvolvimento Pesqueiro no Brasil (PDP), e também a comissão de pesca. Evidencia-se grande colaboração do Fundo Especial das Nações Unidas (FAO) junto ao desenvolvimento nacional da pesca.
O Decreto nº. 85.394 cria o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Pesqueiro e inclui na sua estrutura uma Coordenação de Extensão, com o objetivo de prestar assistência técnica aos pescadores artesanais. O serviço anteriormente prestado pelo PESCART é absorvido pelo novo órgão. E nove anos mais tarde em 1989 é alborada a Lei nº. 7.735 cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis e extingue a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca – SUDEPE, autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura. Com a extinção da SUDEPE em 1989 e a transferência de suas atividades para o IBAMA, foram suspensos os trabalhos relativos ao fomento pesqueiro, a coleta de dados estatísticos e a própria produção pesqueira passou a ser marginalizada e predatória em função mesmo da filosofia protecionista da nova entidade. Falava-se em proteção dos estoques e não se controlava o aumento das frotas não permissionadas. Foram anos perdidos para a pesca brasileira que talvez não se consiga recuperar, pois perdemos espaço nos acordos internacionais para conservação de estoques e tivemos nosso espaço de direito ocupado por países que sequer são costeiros do Atlântico sul, mas que hoje nos impõem restrições baseados em conceitos como capturas históricas, o que lhes dá vantagem sobre nós, conseguida em nosso próprio mar. Também perdemos o direito à pesca de espadarte no Atlântico norte mesmo sendo nosso território banhado por aquelas águas. Vários são os exemplos de perda de espaço ou direito, ocorrido pela ausência de uma política de pesca conseqüente e efetiva para o país, a despeito das potencialidades de nossas águas marinhas, costeiras e interiores.
Pode-se dizer que a criação da superintendência do desenvolvimento da pesca foi um divisor de águas para o setor como um todo..Até a década de 60, a atividade pesqueira no Brasil se limitava à pesca artesanal e a produção dos armadores de pesca, proprietários de algumas poucas embarcações. As empresas de pesca eram raras e se limitavam à produção do pescado para ser enlatado.
A economia apresentava extraordinária expansão, caracterizando a fase chamada de “milagre econômica”. Criou-se então uma autarquia para desenvolver tal setor. A SUDEPE tinha como objetivos a fiscalização, pesquisa e fomento da pesca. Pelo decreto nº. 1942 criou-se esta autarquia vinculada ao ministério da agricultura, e através da lei delegada nº. 10 de 11 de outubro de 1962 via-se o desenvolvimento chegando ao setor da pesca, mesmo porque, a economia passava por uma industrialização pesada, proporcionando certo desenvolvimento econômico como um todo. Em sua matriz orgânica, a SUDEPE, tinha três grandes hierarquias que fundaram, sendo a fusão entre a divisão de caça e pesca a caixa de crédito da pesca e o conselho de desenvolvimento da pesca.
O ministério da agricultura em 1963 tinha a grande responsabilidade de desenvolver a pesca no Brasil. Com sede no Rio de Janeiro a SUDEPE era um órgão que desenvolvera sua plenitude em momentos de milagres econômicos crescendo a uma taxa média não muito diferente da economia brasileira no período, cerca de dez por cento ao ano. Na década de sessenta começavam os trabalhos da superintendência criando o grupo de trabalho para propor diretrizes para o desenvolvimento da pesca no país, foi a partir de então que a atividade pesqueira tomou maior pauta no debate governamental.
A SUDEPE privilegiou grande parte dos incentivos ficais ao sudeste e sul no Brasil. Pode-se dizer que os estados que obtiveram uma industrialização mais intensa, no final da década de 1960, são Santa Catarina, Rio grande do Sul e São Paulo. Tem-se que no Brasil o auge da pesca veio após a elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento Pesqueiro, o PNDP. Este plano de metas da pesca caracterizou-se por muitas tentativas de mudanças neste setor, dentre as principais se destacam: a transformação de uma pesca artesanal em um industrial capitalista, a dinamização do setor, e crescimento com geração de renda. Essa política trouxe modificações importantes na organização da pesca no Brasil, mas atingiu objetivos distintos daqueles previstos no planejamento. As empresas que foram criadas e beneficiadas com os incentivos fiscais concedidos pela SUDEPE, lançaram-se num programa de construção e importação maciça de barcos, equipamentos e infra-estrutura de terra, dimensionando-os para a pesca costeira que geralmente não podia ir além da plataforma continental. Na medida em que os benefícios fiscais forneciam somente as empresas, o número de barcos pertencentes a elas aumentou consideravelmente.
Na medida em que os benefícios fiscais forneciam somente as empresas, o número de barcos pertencentes a elas aumentou consideravelmente. Da mesma forma, o fato de a maioria das empresas beneficiadas terem suas sedes no sul levou a concentração ainda maior de meios de produção nessa região. Com os incentivos fiscais concedidos pós 1967 houve uma acumulação e concentração no setor pesqueiro. Porém a tentativa do governo brasileiro de criar uma indústria capitalista de pesca, a partir de um carreamento enorme de recursos pelos incentivos fiscais, não deu o resultado esperado. Muitos proprietários ou grupos que vieram de outros setores foram considerados pelos empresários com tradição na pesca como aventureiros que se aproveitaram do dinheiro fácil da SUDEPE.

Autor: JULIO BORGES


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