Aspectos gerais do uso das técnicas de biologia molecular em oncologia



A ESTRUTURA DO DNA

HISTÓRICO
Segundo THOMPSON et al. (1998) a investigação científica que visa a elucidar a estrutura e função do ácido desoxirribonucléico (DNA) tem sido desenvolvida ao longo deste século, a partir dos dados iniciais fornecidos por Friedrich Mischer, em 1869. Analisando o núcleo de glóbulos brancos, ele identificou um composto fosfatado de natureza ácida a que deu o nome de nucleína. Mais tarde, Richard Altman chamou-o de ácido nucléico. Vários experimentos foram feitos por diferentes cientistas no decorrer do século tentando mostrar que o DNA era material genético.

A palavra genética deriva da raiz grega gene, que significa “vir a ser”. Foi empregada pela primeira vez em 1906, por Bateson, para designar o estudo da hereditariedade e da variação dos seres vivos.

No início da década de 50, muito se sabia sobre a molécula de DNA. A análise química havia revelado a presença de três componentes distintos:

1. uma pentose, ou seja, um açúcar composto de cinco carbonos, no caso uma desoxirribose;

2. um grupo fosfato, carregado negativamente em pH fisiológico;

3. quatro tipos distintos de bases nitrogenadas: adenina (A), guanina (G), citosina (C), e timina (T); a adenina e a guanina são bases púricas de anel duplo, enquanto as outras duas são bases pirimídicas de um só anel.

De posse de todos o dados físico-químicos, Watson e Crick propuseram um modelo hipotético para a “molécula do sal do ácido desoxirribonucléico”, como se referiram em sua publicação no Nature, em abril de 1953.
Considerando-se a estrutura primária do DNA, a seqüência de nucleotídeos de uma cadeia, a estrutura secundária seria a resultante da associação das duas fitas em forma helicoidal e estabilizada principalmente por pontes de hidrogênio. Como pontes de hidrogênio são interações intermoleculares fracas, elas podem ser rompidas facilmente pelo aumento de temperatura, variação do pH e também por substâncias químicas desnaturantes. Uma vez desnaturada, a molécula pode voltar ao seu estado nativo (dúplex), caso as condições que favoreçam a formação de pontes de hidrogênio sejam restabelecidas. As leis do pareamento das bases predizem que duas fitas complementares de DNA se religam exatamente base a base quando a temperatura da solução é lentamente reduzida até a temperatura normal. Esta complementariedade fiel entre os nucleotídeos das fitas opostas confere ao DNA tanto a capacidade de replicar e, indiretamente, de mediar a síntese protéica.


MUTAÇÃO

Segundo JUNQUEIRA & CARNEIRO (1997) uma das mais impressionantes características da replicação de DNA é sua precisão. Vários mecanismos de revisão são usados para eliminar nucleotídeos incorretamente posicionados; como resultado, a seqüência de nucleotídeos em uma molécula de DNA é copiada com menos de um erro em 10 nucleotídeos adicionados. Muito raramente, todavia, a máquina de replicação comete erros adicionando ou não alguns nucleotídeos, ou colocando um T onde deveria haver um G, ou um A no lugar de um G. Qualquer mudança deste tipo na seqüência de DNA constitui um erro genético chamado mutação, o qual poderá ser copiado em todas as próximas gerações de células, desde que as seqüências de DNA “erradas” sejam copiadas fielmente como sendo “corretas”. A conseqüência de tal erro pode ser de grande extensão, mesmo a troca de um único nucleotídeo pode ter efeitos importantes na célula, dependendo onde a mutação ocorreu.

Uma mutação em um gene, causada pela alteração na sua seqüência de DNA, pode levar à inativação de uma proteína crucial e resultar na morte da célula e a mutação será perdida. Por outro lado, a mutação pode ser silenciosa e não afetar a função da proteína. Muito raramente a mutação dará origem a um gene com uma função melhorada ou alterada. Neste caso, organismos carregando a mutação terão uma vantagem, e o gene mudado poderá eventualmente substituir o gene original pa população através de seleção natural (COTRAN et al. 2000).

Enquanto as células germinativas devem ser protegidas contra altas taxas de mutação para manter as espécies, as outras células de um organismo multicelular (as células somáticas) devem ser protegidas de mudanças genéticas para resguardar os indivíduos. Mudanças de nucleotídeos em células somáticas podem originar células variantes, algumas das quais, através do processo de seleção natural, crescem rapidamente às expensas do resto do organismo. No caso mais extremo, a proliferação celular descontrolada resulta no câncer (AIRES, 1999).

Um aumento de dez vezes na freqüência de mutação causaria, presumivelmente, um aumento desastroso na incidência de câncer, acelerando a taxa de surgimento de células somáticas variantes. Assim, tanto para a perpetuação de uma espécie com 60 mil proteínas, quanto para a prevenção do câncer resultante de mutações em células somáticas, os eucariotos dependem marcadamente da alta fidelidade com a qual as seqüências de DNA são mantidas (THOMPSON et al. 1998).

Apesar das milhares de mudanças aleatórias produzidas diariamente no DNA de uma célula humana, pela energia do calor e por acidentes metabólicos, somente algumas mudanças estáveis (mutações) acumulam-se na seqüência de DNA de uma célula comum no decorrer de um ano. Hoje, sabe-se que menos de uma em mil mudanças acidentais de bases no DNA causam uma mutação; as restantes são eliminadas, muito eficientemente, por reparação do DNA (JUNQUEIRA & CARNEIRO, 1997).


CÂNCER

ORIGEM

Segundo BARACAT et al. (2000) mesmo que um câncer tenha se tornado metastático, sua origem pode geralmente ser determinada como sendo de um único tumor primário originado de um determinado órgão e presumivelmente derivado por difusão de uma única célula que sofreu alguma mudança hereditária que permite a esta crescer mais do que as vizinhas. Quando é detectado pela primeira vez, no entanto, um tumor típico já contém cerca de um bilhão de células ou mais.

Cerca de 10 divisões celulares ocorrem no corpo humano durante a vida; em um camundongo, com seu menor número de células e seu menor tempo de vida, seu número é cerca de 10. Mesmo em um ambiente livre de mutagênicos, mutações irão ocorrer espontaneamente a uma razão estimada em cerca de 10 mutações por gene por divisão celular – um valor estabelecido por limitações na acuidade da replicação do DNA e reparo. Assim, durante a vida, cada gene deverá sofrer mutação em cerca de 10 ocasiões independentes em qualquer ser humano, ou em cerca de 10 ocasiões no camundongo.

Entre as células mutantes poderá ter muitas que possuem distúrbios nos genes envolvidos na regulação da divisão celular e, em conseqüência, que desobedecem às restrições normais da proliferação celular. Desde ponto de vista, o problema do câncer parece ser não o porquê ocorre, mas por que ocorre com baixa freqüência. Evidentemente, uma única mutação não é suficiente para converter uma célula sadia típica em uma cancerosa que prolifera sem restrição, ou seríamos organismos inviáveis. Muitas linhas de evidência indicam que a gênese de um câncer requer como regra geral, que vários acidentes raros e independentes ocorram juntos em uma célula. A partir de tais estatísticas, foi estimado que em torno de três a sete eventos ao acaso e independentes, cada um com baixa probabilidade, são necessários para tornar uma célula normal em cancerosa; um menor número se aplica a leucemias e um maior número se aplica a carcinomas.

Para COTRAN et al. (2000) os cânceres que têm uma causa externa conhecida, há sempre um longo período entre os eventos causais e o estabelecimento da doença: o câncer pulmonar inicia a fase de crescimento rápido somente após dez ou 20 anos de fumo intenso; a incidência de leucemias em Hiroshima e Nagasaki não apresentou um aumento marcante até cerca de cinco anos após a explosão da bomba atômica, alcançando seu pico após oito anos. Durante este longo período de incubação, as células cancerosas em potencial passam por sucessivas mudanças. Parece que membros dos clones mutantes iniciais sofrem outras mutações que os fazem proliferar mais rapidamente (ou dividir mais vezes antes de morrer ou atingir seu estágio final de diferenciação).

O desenvolvimento de um câncer geralmente envolve muitas etapas, cada qual governada por múltiplos fatores, alguns dependentes da constituição genética do indivíduo, outros dependentes do ambiente e do estilo de vida. Portanto, mudanças do ambiente ou hábitos devemos, em princípio, ser capazes de reduzir nossa chance de desenvolver quase todos os tipos de câncer. Isto é demonstrado mais claramente pela comparação da incidência de câncer em diferentes países: para quase todos os cânceres que são comuns em um país, há um outro onde a incidência é muitas vezes menor; e populações migrantes tendem a apresentar o padrão de incidência do câncer típico do país hospedeiro, implicando que as diferenças são devidas a fatores ambientais, não genéticos (AIRES,1999).


ONCOGENE e PROTO-ONCOGENE

Como o câncer é o resultado de uma série de acidentes genéticos ao acaso e sujeito à seleção natural, não há dois casos, ainda que da mesma variedade da doença, que sejam geneticamente idênticos, contudo, pode ser esperado que todos os cânceres envolvam um rompimento da repressão normal sobre as células em proliferação e, para cada tipo celular, há um número finito de formas em que tais rompimentos podem ocorrer. De fato, mudanças em um conjunto de genes relativamente pequeno parecem ser responsáveis por muitos dos desarranjos do comportamento da célula no câncer (ROZMAN, 1999).

A proliferação celular pode ser regulada direta ou indiretamente. Diretamente através de um mecanismo que determina se a célula passa o ponto de restrição, ou inicia o ciclo de divisão celular, ou indiretamente, por exemplo, através da regulação do comprometimento à diferenciação total ou à morte celular programada. Em qualquer dos casos, os genes regulatórios normais podem ser classificados naqueles em que os produtos contribuem para estimular um aumento no número de célula e naqueles que contribuem para sua inibição. Correspondentemente há duas rotas de mutação em direção à proliferação incontrolada da célula e capacidade de invasão que são características do câncer . A primeira é para tornar um gene estimulatório hiperativo: esse tipo de mutação possui um efeito dominante – somente uma das duas cópias dos genes necessita sofrer mudanças – e o gene alterado é chamado de oncogene (o alelo normal sendo um proto-oncogene). A segunda é para fazer um gene inibitório inativo; esse tipo de mutação geralmente possui um efeito recessivo – ambas as cópias de gene devem ser inativadas ou deletadas para liberar a célula da inibição e o gene perdido é chamado de gene supressor do tumor (BARACAT et al. 2000).

Os genes mutantes com um efeito dominante, isto é, os oncogenes, podem ser identificados diretamente extraindo o DNA das células tumorais e pesquisando os seus fragmentos que, introduzidos em células normais, irão causar a elas o comportamento semelhante a uma célula tumoral. Técnicas para obter estes efeitos foram inicialmente desenvolvidas nos finais dos anos 70; seu desenvolvimento seguiu estudos anteriores de um processo semelhante ao que ocorre naturalmente, quando vírus transferem seu material genético de uma célula para outra. Este trabalho abriu caminho para uma explosão de descobertas de oncogenes e proto-oncogenes.

A ativação dos proto-oncogenes leva a célula a adquirir e manter certas características malignas. Os proto-oncogenes ativados recebem a denominação de oncogene.


GENE SUPRESSOR

Knudson propôs a teoria de que dois eventos são necessários para a transformação tumoral de uma célula – alvo. Os dois eventos foram conjunturados em envolver ambos os alelos do mesmo gene e as células malignas eram homozigóticas para a mutação neste gene canceroso. Mais adiante, dados provenientes de estudos citogenéticos e de análise do polimorfismo dos fragmentos de restrição do DNA indicaram que tais eventos geralmente envolvem deleções de material cromossômico. Estes genes supressores ou antioncogenes foram definidos como codificadores de proteínas que são responsáveis pelo controle do crescimento e diferenciação celular. A perda de ambos alelos provavelmente é necessária para o desenvolvimento do tumor, enquanto um único alelo funcional é necessário para o controle normal do crescimento celular. Estes achados estão em contraste com o mecanismo de ação dos oncogenes, que apresentam um efeito dominante, sendo, por conseguinte, a presença de um único alelo alterado o suficiente e necessário para a transformação maligna. Os mecanismos genéticos para a inativação de ambos os alelos dos genes supressores incluem as deleções de parte ou todo o cromossomo ou mutações pontuais no gene das células somáticas. Atualmente é proposto que o primeiro evento ocorre em um dos alelos do gene supressor, ocasionando o estado de heterozigosidade. Nesta fase o gene supressor ainda apresenta a sua funcionalidade. Com a perda do segundo alelo, a função normal do gene supressor é perdida. Este processo pode ser decorrente da disjunção cromossômica durante a mitose ou da recombinação entre o cromossomo afetado e o normal, levando à inativação do segundo alelo, ou até mesmo devido à reduplicação do cromossomo afetado.

O gene supressor de tumor, WT-1, parece estar envolvido com o aparecimento do tumor de Wilms. Este tipo de nefroblastoma ocorre esporadicamente ou de forma familiar; cerca de 7% dos casos se manifestam em crianças com idade mais precoce, quando o desenvolvimento ocorre em ambos os rins, apresentando um componente hereditário. Em contraste, com o gene do retinoblastoma, existem grandes evidências de que vários loci podem estar envolvidos no desenvolvimento do tumor de Wilms. Um dos loci foi mapeado no cromossomo 11 na região 11 p13.




O gene p53 está localizado no braço curto do cromossomo 17, onde a perda da heterozigosidade está associada a diferentes tipos tumorais. De todos os genes envolvidos com o desenvolvimento de cânceres humanos, o p53 é o mais comumente alterado, sendo encontrado entre outros, nos tumores de bexiga, cólon, fígado, pulmão, cérebro, mama e algumas leucemias. O p53 também foi associado à síndrome de Li-Fraumeni onde se tem maior incidência de diversas neoplasias em indivíduos em uma mesma família.


GENÉTICA MOLECULAR EM TUMORES PEDIÁTRICOS

RETINOBLASTOMA

O retinoblastoma pode ocorrer de forma hereditária ou não – hereditária. Os pacientes sem história familiar desenvolvem tumor em apenas um olho. Dois terços das crianças que têm a forma hereditária irão desenvolver um ou mais focos de tumor na retina, geralmente acometendo os dois olhos, o que é uma forte evidência de presença de mutação do gene rb em células da linhagem germinativa. Estes pacientes também têm uma maior predisposição a desenvolver um segundo tumor de modo espontâneo, ou secundário ao tratamento do primeiro câncer. Estes tumores são principalmente sarcomas de partes moles ou tumores ósseos e este risco é triplicado se a radioterapia houver sido empregada no tratamento do retinoblastoma. Sendo assim, é fundamental distinguir entre os casos esporádicos e hereditários de retinoblastoma Baseados nas taxas de ocorrência da doença unilateral e bilateral, Knudson et al. (1975) propuseram um modelo de carcinogênese resultante de dois eventos genéticos distintos. Em pacientes com a forma familiar (bilateral) da doença, a primeira mutação é herdada de um dos pais, vinda de células de linhagem germinativa. Desta forma, esta mutação estaria presente em todas as células deste indivíduo. A segunda mutação, no outro alelo do gene, ocorreria em células somáticas, levando à total inativação do gene e ao aparecimento da doença. Os casos esporádicos se devem à ocorrência simultânea de mutações nos dois alelos em uma mesma célula, sendo, portanto muito mais rara.

O gene rb, um gene supressor de tumor, se localiza no braço longo do cromossomo 13 (13q14). Este gene contém 27 éxons e a gama de alterações inclui deleção, mutações pontuais e duplicações. Quando estas alterações ocorrem em células da retina, o gene pode ser inativado, predispondo ao surgimento do tumor.

A localização e identificação das mutações em rb na linhagem germinativa são a princípio dificultadas pelo grande tamanho e pela complexa organização do gene. Uma vez identificada à mutação, o que normalmente é feito usando DNA extraído de leucócitos do sangue periférico de pacientes, o seu rastreamento nos diferentes membros da família é bastante facilitado. A identificação e caracterização das mutações neste gene permitiram a obtenção de uma base sólida para o aconselhamento genético (FORBES & JACKSON, 1997).




NEUROBLASTOMA

Nos pacientes portadores de neuroblastoma não se identifica forma familiar de acometimento, se limitando à forma esporádica.

Dois eventos genéticos são extremamente importantes no prognóstico de neuroblastoma: a perda de porções do cromossomo 1 e a amplificação do oncogene n-myc. Estudos citogenéticos de pacientes com neuroblastoma demonstram uma alta freqüência de deleções no braço curto do cromossomo 1, principalmente na região 1p36.11-12. Todos os estudos moleculares que tratam da perda de 1p e prognóstico de neuroblastoma demonstraram uma clara associação entre a perda alélica e um pior prognóstico. Este fato sugere que esta região deva conter importantes genes supressores de tumor que estariam envolvidos com a gênese da doença (TONINI,1997).

O oncogene n-myc está também descrito e associado ao prognóstico dos pacientes. Quando n-myc se encontra amplificado (tem o seu número de cópias aumentado no genoma) encontra-se forte associação a uma rápida progressão da doença e um pior prognóstico, de maneira independente de idade ou estádio da doença.

Nos neuroblastomas o gene nb2. está associado a tumores diplóides que têm amplificação de n-myc e que ocorrem em crianças maiores de um ano, estando relacionado a pior prognóstico. A perda de heterozigosidade (LOH) da região 1p36 é encontrada em tumores triplóides, em pacientes menores de um ano de idade sem amplificação de n-myc e geralmente com bom prognóstico.

Nos dias de hoje, o achado simultâneo de perda de 1p e amplificação de n-myc constitui um dos piores fatores prognósticos de neuroblastoma. Tumores com estas características disseminam mais rápido, e diminuem muito a sobrevida dos pacientes. O diagnóstico molecular destas alterações é fundamental na determinação do prognóstico clínico dos pacientes.


TUMOR DE WILMS

Segundo TONINI (1997 a ocorrência do tumor de Wilms é freqüentemente associada com o desenvolvimento de síndromes diversas, tais como a síndrome de aniridia esporádica, WAGR (Wilms, aniridia, anomalias geniturinárias e retardo mental), Denys-Drash (Wilms, desordens intersexuais e nefropatias) e outras. O tumor de Wilms hereditário parece seguir o modelo de duas mutações proposto por Knudson para o retinoblastoma. De acordo com a freqüência da segunda mutação, os indivíduos podem desenvolver desde uma doença unifocal/ unilateral até quadros de doença multifocal/ bilateral.

A associação do tumor de Wilms e aniridia permitiu isolar o primeiro gene candidato, o WT-1, localizado no braço curto do cromossomo 11 (11p13).

A LOH em WT-1 é detectada em 35% dos casos. Observa-se também a LOH no lócus 11p15 em 15% dos casos. Neste lócus encontra-se o gene denominado WT-2. Nos outros 50% dos casos, não há perda da heterozigosidade em 11p13 ou 11p15, o que sugere a existência de outros genes envolvidos com a gênese deste tumor.


TUMORES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Os tumores do SNC constituem cerca de 20% dos tumores infantis. Sua variedade histológica é bastante grande, compreendendo desde os tumores benignos, tais como os astrocitomas policísticos juvenis, até os altamente agressivos, como os tumores rabdóides. Vários destes tumores se encontram associados a síndromes hereditárias co a síndrome de Gorlin, Li-Fraumeni e neurofibromatose. A descrição dos genes NF-1 e 2, envolvidos respectivamente com a neurofibromatose tipo 1 e 2, sugere o seu envolvimento com diferentes malignidades do sistema do sistema nervoso central(TONINI,1997).

A anormalidade citogenética e molecular mais freqüente é a presença do isocromossomo 17q [i(17q)]. Tal anormalidade é encontrada em tumores neuroectodérmicos primitivos (PNET) / meduloblastomas e está presente em aproximadamente 50% dos casos. Este achado está relacionado com a presença do gene supressor 17p, importante no desenvolvimento tumoral. Outro gene supressor encontrado na banda cromossômica 22q11.2 parece estar associado com a presença de tumores rabdóides. As deleções do cromossomo 22 também são encontradas nos meningiomas e me menor número de casos nos ependimomas. Nos astrocitomas pilocísticos ou de baixo grau de malignidade ainda não foram identificadas alterações genéticas, enquanto nos astrocitomas de alto grau, variante anaplásico, ou nos gliomas multiformes, os achados moleculares são semelhantes aos encontrados em pacientes adultos – a perda do alelo 17p 13, mutações no gene de p53, trissomia do cromossomo 7 e rearranjos EGFR, além de perda do cromossomo 10 e 22.


RABDOMIOSSARCOMAS (RMS)

Segundo BARR (1997) os RMS requerem um acurado método diagnóstico, pois são subdivididos em vários subgrupos e cada um exigindo uma terapêutica específica. Além disso, estes tumores são agressivos e por muitas vezes letais.

Histopatologicamente, os RMS são divididos basicamente em dois grupos: embrionário e alveolar cada qual com distintas características clínicas na maioria dos casos. Os RMS embrionários estão associados a um melhor prognóstico, acometem principalmente crianças com menos de dez anos de idade, e estão presentes na região de cabeça e pescoço, trato geniturinário, retroperitônio. Os RMS alveolares são associados a um prognóstico menos favorável (disseminação precoce, envolvimento de medula óssea e resposta pobre à quimioterapia), geralmente acometem adolescentes e adultos jovens, e estão presentes na região do tronco e extremidades.

Em termos de lesões genéticas, são divididos em dois grupos: a- caracterizado por translocações cromossômicas recorrentes, resultando em fusões específicas de genes, biologicamente semelhantes às encontradas nas leucemias: b- associados à inativação dos genes supressores.

Análises citogenéticas dos rabdomiossarcomas alveolares revelam translocações envolvendo cromossomos 2 e 13, t(2;13) q35-37;q14) em 70% dos casos, sendo também descritas outras translocações, tais como: (1;13)( p36;q14).

Os rabdomiossarcomas embrionários não parecem mostrar alterações cromossômicas, porém estudos moleculares mostram que há um lócus com polimorfismo associado à perda de um alelo no cromossomo 11. A perda do alelo é manifestada pela ausência de uma ou duas bandas nas células tumorais e indica um evento genético, seja ele uma perda, uma deleção ou recombinação. Não há descrição de trabalhos que mostrem perda do alelo em cromossomo 11 nos rabdomiossarcomas alveolares, parecendo ser esta uma característica dos embrionários. A região descrita de localização é 11p15.5 região similar à encontrada em pacientes com síndrome de Beckmwith-Wiedemann, seja em tumor de Wilms ou hepatoblastoma.


TUMORES ÓSSEOS

Osteossarcoma – é um tumor ósseo maligno que acomete crianças e adultos jovens. Fatores prognósticos clínicos estão bem estabelecidos na literatura: local do tumor, tamanho níveis séricos elevados de sidrogenase lática e fosfatase alcalina, idade, sexo e resposta à quimioterapia. Estudos citogenéticos têm sido descritos e as alterações são freqüentemente complexas. Perda de heterozigosidade (LOH) já foi identificada nos seguintes cromossomos: 3q,13q,17p e 18q. LOH em 13q e 17p sugere a perda de rb1 e p53 que estão freqüentemente afetados nos osteossarcomas. LOH no cromossomo 13 (13q) e alterações no DNA (rb1) têm indicado tumores de mau prognóstico. A expressão de erbb2 pode ser detectada em 42% dos pacientes com osteossarcoma e está relacionada a recaídas pulmonares precoces e prognóstico pobre. Recentemente Tarkkanen et al. (1999) através de métodos de hibridização detectaram alterações cromossômicas, sendo três mais freqüentemente encontradas: número de cópias aumentadas no cromossomo 1q21 em 58%,8q (8q21.3-q22) em 52% e 8 cen-q13 em 45%. Pacientes com número de cópias aumentadas de 8q21.3-q22 e 8cen-q13 mostraram sobrevida livre de eventos significativamente pior estatisticamente(TONINI,1997).


SARCOMA DE EWING

A translocação cromossômica (11;22) (q24;q12) tem sido identificada nas células tumorais de aproximadamente 90% dos pacientes com sarcomas de Ewing e tumores neuroectodérmicos primitivos(BARR,1997).


LINFOMAS

As alterações genéticas encontradas nos linfomas não Hodgkin (LNH) e linfomas de Hodgkin (LH) podem estar relacionadas à predisposição genética, exposição a certos agentes virais e mais freqüentemente a rearranjos genéticos (COTRAN et al.,2000).

Nos Estados Unidos, em torno de 50% dos casos dos LNH são os linfomas de pequenas células não-clivadas. Estes tumores são decorrentes de uma translocação maligna de células precursoras de linhagem B. São subdivididos em LNH tipo Burkitt e não-Burkitt. A ativação do gene c-myc parece ser o evento que está relacionado na maioria dos casos. O LNH tipo Burkitt é classicamente caracterizado pela translocação t(8.14) (q24, q32) e menos comum em t(2,8) (p11, q24) e t(8,22) (q24, q11). O proto-oncogene c-myc com os genes das imunoglobulinas (Ig) confere à proteína c-myc capacidade de superexpressão e desregulação. Este evento é considerado o mais importante na patogênese desse tipo de LNH. Diferença na localização da quebra cromossômica em c-myc está relacionada às formas endêmicas ou esporádicas do tumor, dependendo da localização da quebra(BARACAT et al.,2000).

Os LNH linfoblásticos correspondem a 30%-40% dos casos pediátricos e são predominantemente originados das células T. São morfologicamente idênticos às leucemias linfocíticas agudas. Define-se leucemia ou linfoma de acordo com a contagem de linfoblastos na medula óssea (menor que 25% são chamados de LNH linfoblásticos). As anormalidades cromossômicas são idênticas às leucemias de células T. Em ambas os rearranjos moleculares estão associados com os genes dos receptores de células T (TCR).

O gene mais comumente envolvido na patogênese de leucemias e linfomas de células T é o gene TAL1. Alteração do gene TAL1 ocorre em aproximadamente 30% dos casos, sendo detectado em 3% dos casos por translocação e em 26% dos casos através de uma deleção específica não detectada por técnicas citogenéticas convencionais(TONINI,1997).

Os linfomas de células grandes (large cell lymphoma – LCL) compreendem 15% dos LNH e podem ser originados de células T, B e indeterminadas (“null”). Alguns LCL oriundos de células B apresentam translocações idênticas às encontradas nos linfomas tipo Burkitt, principalmente t(8,14) (q22q32) e provavelmente o mecanismo seja semelhante. Os LCL classificados como anaplásicos são originários de células T, expressam antígenos de superfície CD30 e são chamados de linfomas Ki 1.Geneticamente apresentam t(2,5) (p23,q35) na maioria dos casos. Esta translocação é o resultado da fusão entre o gene NPM (nucleolar phosphoprotein) situado no cromossomo 5q35 com o gene ALK (anaplastic lymphoma kinase) situado no cromossomo 2p23(TONINI,1997).


LEUCEMIAS AGUDAS

Leucemias linfocíticas agudas – As bases genéticas das leucemias linfocíticas agudas (LLA) estão se tornando melhor compreendidas, os rearranjos cromossômicos associados às doenças agora podem ser relacionados à clínica, ao diagnóstico e a fatores prognósticos(ROZMAN,1999).

Os pacientes com LLA têm sido, do ponto de vista da genética, agrupados de acordo com o número de cromossomos presentes nas células malignas. Cariótipos hiperdiplóides com 50 ou mais cromossomos são encontrados em 25% a 30% das crianças com LLA. Em 8% a 15% dos casos são hiperdiplóides com contagem entre 47 a 49 cromossomos. Aproximadamente metade dos casos hiperdiplóides apresenta anormalidades estruturais freqüentemente associadas com duplicação de 1q e isocromossomo de 17q. Estes pacientes estão associados a um bom prognóstico, uma vez que são crianças entre dois e dez anos de idade, com leucócitos com contagem menor de 10 x 109 / mm3, morfologia L1 e imunofenotipagem pré-pré B (CD10+)(TONINI,1997).

Pacientes com LLA hipodipóides (<46 cromossomos) podem ser identificados em torno de 7% a 8% dos casos pediátricos e são considerados de mau prognóstico.

Algumas proteínas implicadas na gênese das LLA são proteínas quiméricas resultantes de translocações cromossômicas, tais como: fusão BCR-ABL em conseqüência da translocação do cromossomo Filadélfia t(9;22) (q34;q11). A t(9,22) pode ser identificada em torno de 25% a 30% dos adultos em LLA e 3% a 5% das crianças. Do ponto de vista citogenéticos são idênticas às encontradas em pacientes com leucemia mielóide crônica (LMC), entretanto do ponte de vista molecular existem diferenças no comprimento do segmento BCR-ABL, segmento este que está presente no ponto de quebra da translocação. Nas LLA o segmento BCR-ABL é menor (185 kDa) em relação ao mesmo segmento nos pacientes com LMC (210kDa). Freqüentemente os pacientes com LLA Ph + são CD10+ e com freqüência apresentam a co-expressão fenotípica mielóide. Os pacientes geralmente têm idade superior a dez anos, contagem leucocitária elevada e doença presente do sistema nervoso central. Estes fatores associados conferem características de mau prognóstico. Atualmente a identificação de Ph+ já é um exame de rotina em alguns laboratórios do Brasil (BARACAT et al.,2000).

Translocações cromossômicas ou deleção do braço curto do cromossomo 12 têm sido detectadas em aproximadamente 10% dos casos pediátricos. Recentemente o gene chamado TEL foi clonado e mapeado. Estudos sugerem que a identificação deste gene permite subdividir o grupo de pacientes LLA-B. Os pacientes que apresentam melhor prognóstico são os que expressam esse gene. Estudos recentes sugerem que entre os 15% a 20% dos pacientes que seriam classificados como de bom prognóstico baseado no número de leucócitos e idade deveriam ser revistos e reclassificados tendo como novo parâmetro à presença do gene(RUBNITZ,1996).

A fusão do gene TEL com o gene AML é descrita como t(12,21) (p13,q22) e pode ser encontrada em aproximadamente 28% dos casos de LLA de linhagem B.

Anormalidades citogenéticas na banda 11q23 podem ser identificadas em aproximadamente 8% dos casos de LLA. A anormalidade mais comum t(4,11) (q21,q23) está presente em 2% a 5% das LLAs, principalmente em lactentes abaixo de um ano de idade com hiperleucocitose e doença extramedular. O achado deste gene quimérico confere péssimo prognóstico às crianças que apresentam este rearranjo e freqüentemente está associado à perda da expressão CD10 e taxas de cura bastante diminuídas(TONINI,1997).


LEUCEMIAS NÃO-LINFOCÍTICAS AGUDAS

As leucemias não-linfocíticas agudas são também chamadas de leucemia mielóide aguda. Muitos avanços têm sido descritos na pesquisa genética em nível molecular nas LNLAs, apesar de ser a LNLA uma doença onde as curvas de sobrevida, mesmo nos dias de hoje, encontra-se com baixas taxas de cura. Espera-se da citogenética e dos estudos moleculares que auxílios fundamentais possam trazer respostas e caminhos para que um maior número de crianças acometidas sejam curadas(FORBES & JACKSON,1997).

A maioria dos casos pediátricos de hiperdiploidias nas LNLAs apresenta apenas um ou dois cromossomos extras. A mais comumente encontrada, em 5% a 10% dos casos, é a trissomia do 8, sendo em pacientes com síndrome de Down e LNLA esta trissomia bastante freqüente. Parece que esta anormalidade não está associada ao prognóstico, exceto quando acompanhada de outra alteração citogenética (BEHRMAN et al.,2002).

A trissomia do 21 está associada em um número bastante elevado de pacientes com síndrome de Down, mas também é descrita como trissomia constitucional. Trissomia do 22 está fortemente associada a LNLA-M4Eo (tipo FAB mielomonocítica eosinofílica) e com inv (16). A trissomia do 4 é bastante inespecífica e ocorre menos de 1% dos casos (THOMPSON et al.,1998).

As perdas cromossômicas mais comumente encontradas estão associadas ao cromossomo 7. A monossomia do 7 / del (7q) pode ser detectada em torno de 5% a 7% dos casos. Leucemias com monossomia ou deleção do braço longo do cromossomo 7 (7q) são agrupadas em conjunto. Duas diferentes regiões são deletadas nas neoplasias mielóides 7q22 e 7q32, sendo esta última associada a mau prognóstico.

A translocação t(8,21) é a anormalidade estrutural mais freqüente nas LNLAs e freqüentemente associada ao tipo FAB M2. Imunofenotipicamente expressam antígenos CD19 e CD56. Clinicamente as crianças são mais velhas, predominantemente do sexo masculino e têm alta taxa de doença extramedular. Conferem melhor prognóstico com taxas maiores de remissão quando comparadas às outras LNLA-M2. Em nível molecular a translocação t(8,21) expressa dois genes: am/1 de 21q22 e eto de 8q22.

De acordo com RUBNITZ (1996) as leucemias mielóides tipo M3 (promielocíticas), também chamadas na literatura internacional de APL (Acute Promyelocytic Leukemia) representam incidência de 3% a 10% das LNLAs, embora haja incidência maior na Itália, América do Sul e Espanha. A translocação t(15,17) é característica desta doença e não tem sido descrita em tumores sólidos ou outras patologias (exceto nas LMC em crise blástica). Alguns casos associam-se a outras anormalidades, tais como trissomia do 8 e em um terço dos casos a iso (17q), que conferem características de mau prognóstico .

A inversão do cr 16 ocorre em torno de 6% a 11% dos casos de LNLA e em torno de 19% a 36% das M4. A grande maioria das leucemias com inv(16) é classificada como M4Eo. Em geral as leucemias que apresentam inv(16) expressam imunofenotipagem CD2. A inversão de 16 está mais comumente presente em crianças maiores e em alguns estudos mostra associação maior com infiltração do sistema nervoso central ao diagnóstico.

A inv(16) apresenta quebra associada a dois genes cbfb na região 16q e myh1 na região 16p. A fusão foi descrita e detectada em 10% dos casos LNLA M4 não-eosinofílica e em 6% dos casos de LNLA não M4. Ainda é controverso se a presença desta fusão está relacionada a mau prognóstico.

A anormalidade 11q23 está presente em torno de 5% a 18% dos casos de LNLA nas diversas séries descritas na literatura. Está mais comumente associada aos subtipos M4 e M5. Assim como nas LLAs, onde os lactentes apresentam com mais freqüência esta anormalidade, também nas LNLAs, em torno de 50% a 70% dos casos pode ser detectada esta alterações. Nas LNLAs secundárias à exposição de quimioterápicos do tipo inibidores da topoisomerase II, a incidência de 11q23 é bastante alta.

Na eritroleucemia (M6), do ponto de vista citogenético podemos subdividi-las em dois subgrupos, os pacientes com cariótipos complexos, geralmente com anormalidades no cr 5 e 7 (perdas completas, deleção, translocações) que estão relacionados a leucemias mielóides associadas à leucemia secundária ao tratamento e com isso de pior prognóstico e pacientes com anormalidades simples ou ausentes associados a leucemias “de novo” de bom prognóstico.

Em relação às leucemias megacariocíticas (M7) devem ser subdivididos em quatro grupos. LNLA M7 com síndrome de Down, as LNLA M7 com trissomia 21 adquirida, as LNLA M7 t(1,22) (p13,q13) e as LNLA M7 com anormalidades 3q21 e 3q27, e monossomia 7 / de17q.



CONCLUSÕES

Como o câncer é o resultado de uma série de acidentes genéticos resultando em uma diversidade de síndromes é possível concluir que a determinação do quadro clínico associado aos achados moleculares favorece a seleção da conduta clínica em oncologia.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BARACAT, F.F.;FERNANDES JUNIOR,H.J. e SILVA,M.J. Cancerologia atual.São Paulo: ROCA,2000.
BARR, F.G. Molecular genetics and pathogenesis of sarcomas.J.Ped Hematol Oncol 19(6), 1997.
BEHRMAN, R.E.;KLIEGMAN,R.M. e JENSON,H.B. Nelson – Tratado de Pediatria.Rio de Janeiro:Guanabara-Koogan,2002.
COTRAN,R.S.;KUMAR,V. E ROBBINS,S.L. Robbins- Patologia Estrutural e Funcional.Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan,2000.
FORBES, C.D. e JACKSON,W.F. Clínica Médica.São Paulo: Editora Manole,1997.










ROZMAN,C. Medicina Interna.São Paulo:Editora Manole,1999.
RUBNITZ,J.E. Molecular diagnosis in acute leukemia.Leukemia 10(1),1996.
TONINI, G.P. Molecular genetics.Encyclopedia of cancer.New York:Letterman Ed.,1997.





Autor: EDSON COSTA


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