ASPECTOS: CLÍNICO, MICROBIOLÓGICO E HISTOPATOLÓGICO DA ESTOMATITE POR PRÓTESES MUCO-SUPORTADAS
Embora o tecido apresente-se hiperêmico e inflamado, a estomatite por dentadura é freqüentemente assintomática, entretanto, a mucosa pode mostrar-se hemorrágica e o paciente pode sentir prurido, queimação, sintomatologia dolorosa, sabor desagradável, bem como apresentar halitose e xerostomia (RITCHIE et al., 1969; ARENDORF, WALKER, 1987; DOROCKA-BOBKOWSKA, BUDTZ-JORGENSEN, WLOCH, 1996).
A etiologia da estomatite por dentadura mostra-se extremamente variável, sendo considerada multifatorial. Placa microbiana, infeccção por Candida, trauma, uso contínuo da dentadura e xerostomia constituem fatores predominantes na patologia desta alteração (AGUIRRE et al., 1996; BUDTZ-JORGENSEN, 1974; CARTER, SHEPHERD, 1986; DOROCKA-BOBKOWSKA, BUDTZ-JORGENSEN, WLOCH, 1996; FELTRIN et al., 1993; RENNER et al., 1979; WEBB et al., 1998-a; WEBB et al., 1998-b). A freqüente associação entre Candida, especialmente a C. albicans com estomatite por dentadura, vem sendo relatada há bastante tempo na literatura e confirmada por pesquisas atuais (BIRMAN, 1998; ELLEPOLA, SAMARANAYAKE, 1998; MESQUITA et al., 1998; WILSON, 1998).
A estomatite por dentadura, geralmente, é classificada de acordo com a aparência clínica da mucosa inflamada, sendo utilizada a classificação de NEWTON (1962), a qual compreende três tipos clínicos:
Ú Hiperemia puntiforme - (classe I):
É limitada aos ductos das glândulas salivares palatinas menores.
Ú Hiperemia difusa - (classe II):
A inflamação é generalizada, a mucosa apresenta-se lisa e atrófica, abrangendo toda a região recoberta pela prótese.
Ú Hiperemia granular - (classe III):
É caracterizada por uma mucosa hiperêmica, com aparência nodular, a qual pode estar presente em toda a região recoberta pela prótese, porém, mais comumente restrita à região central do palato, sendo, particularmente, encontrada em áreas sob câmara de sucção das próteses totais.
O diagnóstico definitivo de estomatite por dentadura associada à infecção fúngica bucal é dado pela somatória de sinais e sintomas clínicos e exames micológicos, seja cultura, citológico, exame histopatológico, ou sorologia (OLSEN, STENDERUP, 1990; ALLEN, 1992; LIMA, SILVEIRA, BIRMAN, 1994; MESQUITA et al., 1998). Em infecções fúngicas invasivas, o exame histopatológico é a forma mais segura para o estabelecimento do diagnóstico definitivo (OLSEN, STENDERUP, 1990; MESQUITA et al., 1998).
Frente aos dados supra citados, o presente trabalho tem a finalidade de estudar as alterações clínicas, microbiológicas e histopatológicas de estomatite por dentadura, associadas ou não à presença de espécies de Candida, visando principalmente o diagnóstico.
Os termos candidose e/ou candidíase, são utilizados na literatura para denominar infecção bucal por fungos, especialmente, pela Candida albicans. Alguns pesquisadores preferem o termo candidose em razão de o sufixo ose ser geralmente utilizado na denominação de outras infecções fúngicas, como blastomicose e coccidioidomicose. O sufixo íase é menos apropriado porque geralmente reflete uma infecção por protozoários, como em giardíase. No entanto, o uso do sufixo íase acha-se amplamente sedimentado e candidíase é o termo mais comumente empregado (COLEMAN, 1996).
Há consenso entre várias pesquisadores que a cultura quantitativa da saliva e a microscopia de esfregaços são suficientes para o estabelecimento do diagnóstico da estomatite por dentadura associada à Candida (BUDTZ-JORGENSEN, 1974; OLSEN, STENDERUP, 1990; IACOPINO, WATHEN,.1992; FELTRIN,.1993; KULAK, ARIKAN, DELIBALTA, 1994; KULAK, ARIKAN, KAZAZOGLU, 1997; ROSSIE, GUGGENHEIMER, 1997). Para alguns autores, dentre os quais podem ser citados IACOPINO, WATHEN, (1992) e JORGENSEN (1990), a biópsia e o exame histológico dos tecidos são desnecessários. Em nossa opinião, o diagnóstico deve estar embasado nos achados micológicos associados aos sinais e sintomas clínicos, devendo ser ressaltado que o exame clínico e o laboratorial não podem ser considerados isoladamente, mas ao contrário, devem estar intimamente correlacionados.
Para SHEPHERD (1986), o relacionamento entre a formação de hifas e a infecção é baseado na premissa de que as hifas penetram mais facilmente os tecidos que as leveduras e são de mais difícil fagocitose. As enzimas hidrolíticas produzidas pela Candida albicans facilitam sua invasão ao epitélio bucal (CARTER; KERR; SHEPHERD, 1986; SHEPHERD, 1986; WEBB et al., 1998-b).
Embora as hifas de Candida não penetrem o tecido epitelial (CARTER, KERR, SHEPHERD, 1986; WILLIAMS et al., 1998), suas enzimas hidrolíticas degradam o tecido do hospedeiro (CARTER, KERR, SHEPHERD, 1986; ALLEN, 1994), promovendo uma resposta imune mediada por células (CARTER, KERR, SHEPHERD, 1986). Estes achados podem explicar a razão de estruturas fúngicas não terem sido detectadas nos exames citológicos da grande maioria dos esfregaços obtidos da mucosa do palato, e sim, constituírem achados freqüentes nos espécimes obtidos da superfície interna das próteses totais.
SHEPHERD (1986), concluiu que o mecanismo de defesa do hospedeiro é representado pelos polimorfonucleares e, especialmente, por linfócitos T e macrófagos, capazes de ingerir e fagocitar os organismos de Candida. Esta afirmativa pode ser confirmada nos achados histológicos onde predomina o infiltrado linfocitário, indicando reatividade imunológica contínua do hospedeiro.
Outros fatores, como as toxinas bacterianas estão envolvidas no processo de estomatite por dentadura (VAN REENEN, 1973; BERGENDAL, ISACSON, 1983), tornando-se praticamente inviável a distinção entre o papel de fungos e bactérias, na biofilme microbiano da dentadura (ARENDORF, WALKER, 1987). Nos achados de THEILADE e BUDTZ-JORGENSEN (1988), a microbiota das dentaduras nos pacientes portadores de estomatite foi predominantemente bacteriana.
Conforme CARTER, KERR e SHEPHERD (1986), a presença da prótese total altera o epitélio, o qual pode encontrar-se já alterado por deficiências nutricionais. Além disso, a dentadura sozinha é capaz de propiciar um meio ambiente que favorece a Candida albicans, um comensal saprófita, a proliferar para proporções patogênicas, mesmo na ausência de fatores gerais predisponentes, promovendo uma intensa reação imunológica, desenvolvendo a estomatite.
A estomatite por dentadura, usualmente, não é uma condição que traz danos sérios ao paciente, entretanto é importante prevenir esta alteração, uma vez que uma mucosa inflamada é um suporte deficiente para a prótese e porque a inflamação possivelmente, contribui para a reabsorção óssea subjacente (BUDTZ-JORGENSEN, 1990-a). Além disso, próteses totais são usadas principalmente por idosos, os quais são mais susceptíveis à infecções, devido a alterações imunológicas e distúrbios locais de defesa decorrentes da própria idade, doenças sistêmicas subclínicas, uso de agentes farmacológicos, deficiências nutricionais e exposição a doenças infecciosas (ÖHMAN et al., 1995).
Referências Bibliográficas
1. AGUIRRE, J.M. et al. Cytological changes in oral mucosa in denture stomatitis. Gerondontology, v.13, n.1, p.63-67, 1996.
2. ALLEN, C.M. Animal models of oral candidiasis: a review. Oral Surg Oral Med Oral Pathol, v.78, p.216-221, 1994.
3.ALLEN, C.M. Diagnosis and managing oral candidiasis. JADA, v.123, p.77-82, Jan.1992.
4.ARENDORF, T.M.; WALKER, D.M. Denture stomatitis: a review. J Oral Rehabilit, v.14, n.3, p.217-227, May1987.
5.BERGENDAL, T.; ISACSSON, G.A combined clinical, mycological and histological study of denture stomatitis. Acta Odontol Scand, v.41, n.1, p.33-44, 1983.
6.BIRMAN, E.G. Um breve retrospecto sobre Cândida e candidoses em relação à boca. Rev Racine, v.3, n.42, p.56-60, jan/fev.1998.
7.BUDTZ-JORGENSEN, E. Etiology, pathogenesis, therapy and prophylaxis of oral yeast infections. Acta Odontol Scand, v.48, p.61-69, 1990.
8.BUDTZ-JORGENSEN, E. Histopathology, immunology and serology of oral yeast infections: diagnosis of oral candidosis. Acta Odontol Scand, v.48, p.37-43, 1990.
9.BUDTZ-JORGENSEN, E. The significance of Candida albicans in denture stomatitis. Aarhus Denmark, 1974. (Tese. Royal Dental College). Scand J Dent Res, v.82, p.151-190, 1974.
10.BUDTZ-JORGENSEN, E.; LÖE, H. Chlorhexidine as a denture desinfectant in the treatment of denture stomatitis. Scand J Dent Res, v.80, p.457-464, Jun.1972.
11.BUDTZ-JORGENSEN, E.; THEILADE, E.; THEILADE, J. Quantitative relationship between yeasts and bacteria in denture-induced stomatitis. J Scand Dent Res, v.91, p.134-142, 1983..
12.CABRAL, L.A.G. Emprego da imunofluorescência direta no estudo das alterações de mucosa de palato, compatíveis com candidíase atrófica crônica, em indivíduos portadores de próteses dentárias totais muco-suportadas. Rev Odontol UNESP, v.19, p.125-139, 1990.
13.CARTER, G.M.; KERR, M.A.; SHEPHERD, M.G. The rational management of oral candidosis associated with dentures. New Zealand Dent J, v.82, n.369, p.81-89, Jul.1986.
14.COLEMAN, G. C. Diagnóstico diferencial das lesões brancas da mucosa. In: ___. Princípios de diagnóstico bucal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. Cap. 15, p.195-197.
15.DAVENPORT, J.C. The oral distribution of Candida in denture stomatitis. Br Dent J, v.129, n.4, p.151-156, Aug.1970.
16. DOREY, J.L. et al. Oral mucosal disorders in denture wearers. J Prosthetic Dent, v.53, n.2, p.210-213, Feb. 1985.
17. DOROCKA-BOBKOWSKA, B.; BUDTZ-JORGENSEN, E.; WLOCH, S. Non-insulin dependent diabetes mellitus as a risk factor for denture stomatitis. J Pathol Med, v.25, n.8, p.411-415, 1996.
18. ELLEPOLA, A.N.B.; SAMARANAYAKE, L.P. The effect of limited exposure to antimycotics on the relaative cell-surface hydrophobicity and the adhesion of oral Candida albicans to buccal epithelial cells. Arch Oral Biol, v.43, n.11, p.879-887, Nov.1998.
19. FELTRIN, P.P. et al. Estomatite protética: estudo da superfície interna da prótese total em microscopia eletrônica de varredura e da mucosa de suporte através de exame citológico, histopatológico e imunohistoquímico. Rev da Assoc Bras Odontol, v.1, n.1, p.31-38, jul/set.1993.
20.IACOPINO, M.; WATHEN, W.F. Oral candidal infection and denture stomatitis : A compreensive review. Rev JADA, v. 123, n.1, p.46-51, Jan.1992.
21. JORGE, A.O.C. et al. Estomatite por prótese total - presença de bactérias e fungos. Arq Cent Estud Curso Odontol UFMG, v.27, n.1/2, p.9-15, dez/jan. 1990.
22. KULAK, Y.; ARIKAN, A.; DELIBALTA, N. Comparison of three different treatment methods for generalized denture stomatitis. J Prosthetic Dent, v.72, n.3, Sep.1994.
23. KULAK, Y.; ARIKAN, A.; KAZAZOGLU, E. Existence of Candida albicans and microorganisms in denture stomatitis patients. J Oral Rehabilit, v.24, p.788-790, 1997.
24. LIMA, O.C.C.; SILVEIRA, F.R.X.; BIRMAN, E.G. Manifestações bucais de origem infecciosa em pacientes HIV-positivos ou com Aids/I: doenças fúngicas. Rev Assoc Bras Odontol Nac, v.2, n.1, fev/mar.1994.
25. LYNCH, D.P. Oral candidiasis: history, classification and clinical presentation. Oral Surg Oral Med Oral Pathol, v.78, p.189-193, 1994.
26. McCULLOUGH, M.J.; ROSS, B.C.; READE, P.C. Candida albicans: a review of its history, taxonomy, epidemiology, virulence atributes and methods of strain differentiation. Int J Oral Maxillofac Surg, v.25, p.136-144, 1996.
27. MESQUITA, R.A. et al. Candidíase oral e a infecção HIV. Rev Cons Reg Odontol Minas Gerais, v.4, n.1, p.27-31, jan/jun. 1998.
28. MORIMOTO, K.; KIHARA, A.; SUETSUGU, T. Clinico-pathological study on denture stomatitis. J Oral Rehabilit, v.14, p.513-522, 1987.
29. NEWTON, A.V. Denture sore mouth: a possible aetiology. Br Dent J, v.1, p.357-360, May1962.
30. ÖHMAN, S.C. et al. The prevalence of Staphylococcus aureus, Enterobactericeae species and Candida species and their relation to oral mucosa lesions in a group of 79-year-olds in Göteborg. Acta Odontol Scand, v.53, n.1, p.49-54, Feb.1995.
31. OLSEN, I.; STENDERUP, A. Clinical-mycologic diagnosis of oral yeast infections. Acta Odontol Scand, v.48, p.11-18, 1990.
32.RENNER, R. P. et al. The role of Candida albicans in denture stomatitis. Oral Surg Oral Med Oral Pathol, v.47, n.4, p.323-328, Apr.1979.
33.RITCHIE, G.M. et al. The etiology, exfoliative cytology and treatment of denture stomatitis. Journal Prosthetic Dent, v.22, n.2, p.185-200, Aug.1969.
34. ROSSIE, K.; GUGGENHEIMER, J. Oral candidiasis: clinical manifestations, diagnosis and treatment. Pract Period Aesthet Dent, v.9, n.6, p.635-641, 1997.
35. SANTARPIA, R.P. et al. An in vivo replica method for the site-specific detection of Candida albicans on the denture surface in denture stomatitis patients: correlation with clinical disease. J Prosthetic Dent, v.63, n.4, p.437-443, Apr.1990.
36. SHEPHERD, M.G. The pathogenesis and host defence mechanisms of oral candidosis. New Zealand Dent J, v.82, n.369, p.78-81, Jul.1986.
37. THEILADE, E.; BUDTZ-JORGENSEN, E. Predominant cultivable microflora of plaque on removable dentures in patients with denture-induced stomatitis. Oral Microbiol Immunol, v.3, p.8-13, 1988.
38. VAN REENEN, J.F. Microbiologic studies on denture stomatitis. J Prosthetic Dent, v.30, n.4, part.2, p.493-505, Oct.1973.
39. WEBB, B.C. et al. Candida-associated denture stomatitis. Aetiology and management: a review. Part.1. Factors influencing distribuition of Cândida species in the oral cavity. Aust Dent J, v.43, n.1, p.45-50, Feb.1998.
40. WEBB, B.C. et al. Candida-associated denture stomatitis. Aetiology and management : a review. Part.2. Oral diseases caused by Candida species.. Aust Dent J, v.43, n.3, p.160-166, Apr.1998.
41. WEBB, B. C. et al. Candida-associated denture stomatitis. Aetiology and management :a review. Part.3. Treatment of oral candidosis. Aust Dent J, v.43, n.4, p.244-249, Aug.1998.
42.WEBB, B.C. et al. Effectiveness of two methods of denture sterilization. J Oral Rehabil, v.25, n.6, p.416-423, June 1998.
43.WILLIAMS, D.W. et al. Characterisation of the inflammatory cell infiltrate in chronic hyperplastic candidosis of the oral mucosa. J Oral Pathol Med, v.26, n.2, p.83-89, 1997.
44.WILSON, J. The aetiology, diagnosis and management of denture stomatitis. Br Dent J, v.185, n.8, p.380-384, Oct.1998
Autor: EDSON COSTA
Artigos Relacionados
Leucoplasias Bucais
Infecções Focais (focus Infecciosos)
A Interface Entre A Odontologia E A Enfermagem Nos Cuidados De Pacientes Com ManifestaÇÕes Orais Da SÍndrome De SjÖgren
Estomatologia Bucal
Estudo Da PrevalÊncia De Enterococcus ( Streptococcus) Faecalis Multi-resistentes Em Quadros De Perimplantite.
CÂncer De Boca, CabeÇa E PescoÇo / Fonte Inca
Cisto ósseo Traumático (traumatic Bone Cyst)