Do interior das plantações de cebola para os bancos universitários



Eu sou um rio
Pequeno embora
Que corro limpo
Pela vida afora
Não quero nunca
Ser um grande mar
Que bate lerdo
No mesmo lugar.
Sendo rio
Corro, percorro
Sirvo ao ser inerte
E ao ser vivente
Mas o grande mar
Bobo orgulhoso
Precisa da minha
Água corrente.
Que seria do mar
Se não fossem os rios?
Que seria dos grandes
Sem os pequenos?
Que seria da praia
Se não tivesse areia?
Que seria da aranha
Se não fizesse a teia?


 

O poema O Rio, da Professora Dra. Djalmira de Sá Almeida, escrito na década de 80, retrata tudo o que ela desejava ser em sua vida e aquilo que ela representa na nossa história. A sua trajetória sempre foi como a de um rio que corre mundo afora e nunca se acomoda diante das diversidades, como faz o mar.

Nascida no dia 5 de novembro de 1954, em uma cidade no interior de Pernambuco, chamada Terra Nova, Djalmira vivia na fazenda, até os oito anos somente saia de casa quando tinha festa na cidade. Foi nesse ambiente rural que ela aprendeu a ler e escrever as primeiras palavras, em uma escolinha que funcionava na própria fazenda onde crianças e adultos estudavam juntos. Djalmira revela que era um local um pouco atrasado e que o sistema de ensino era chamado de multi- seriado, as pessoas estudavam por livro, enquanto uns estavamno quarto livro, outros da sala ainda estava no primeiro. O maior problema era quando chegava tempo de lavoura, todos deixavam de estudar para trabalhar na cebola, cacau, arroz, entre outras plantações, portanto quatro vezes ao ano os alunos afastavam-se acarretando na demora da alfabetização.

Severino, pai da Djalmira, como tinha fazenda, por exigência do Governo Federal, mantinha escola no lugar, onde estudavam os funcionários e conseqüentemente estudou a entrevistada, mas ela não era matriculada, apenas acompanhava as aulas, para que não ocupasse o lugar de outra pessoa mais velha que precisava também se alfabetizar.

Foi somente depois dos oito anos, quando suas duas irmãs mais velhas a Reuma e Reuza, jáprofessoras e trabalhando na cidade de Parnamirim, formadas e concursadas, levaram Djalmira para estudar na cidade, pois ela havia aprendido várias coisas freqüentando a escolhinha da fazenda. Alugaram uma casa, onde ficavam durante o período de aulas, nas férias voltavam para a fazenda, ela conta que servia de cobaia para as irmãs que a utilizavam para testar os métodos de alfabetização, era uma aprendizagem mútua.

Sempre gostou de escrever e estudar, considerava-se mais interessada que os outros irmãos, nessa experiência com as irmãs, acabou ficando dez anos em Parnamirim. Em meio a muitas risadas, revela-me que nas férias não gostava de ir para a fazenda, na verdade odiava, até os 14 anos vivia jurando para si mesma: "...eu vou estudar o máximo que eu puder porque eu não gosto de fazenda, de mato, de cebola, até hoje vou na fazenda um pouquinho e o máximo que fico é um ou dois dias".

Sua mãe, dona Dijanira, se pudesse deixava as filhas na cozinha o tempo todo fazendo comida e cuidando dos afazeres da casa, mais o seu pai foi a mola mestre, todos os filhos foram incentivados a estudar, ela acredita que ele dava muito importância a isso, pois não tinha estudado muito, só aprendeu a ler depois de adulto quando entrou no exército. Seu Severino dizia ainda que as mulheres só poderiam se casar depois da formatura, com os homens não conseguiu fazer o mesmo, alguns nem quiseram fazer faculdade.

Em Parnamirim, seu pai era funcionário do Governo Federal e sempre esteve envolvido com política, houve uma época em que a família começou a ser perseguida pelos seus adversários, então entristecido com essa situação resolveu vender tudo, fazenda, carro, propriedades e foram para o Paraná, na região de Itaipu, no período da construção da hidrelétrica na década de 70.

A cidade escolhida foi Corbélia, optou por um lugar pequeno, onde houvesse maior segurança, pois em Foz do Iguaçu dizia-se haver muita promiscuidade, prostituição, e ele preocupava-se com os filhos, na época Djalmira era adolescente, somente os irmãos mais velhos foram morar em outras cidades do Paraná.

Em Corbélia terminou o segundo grau, fez letras em Cascavel e Especialização em Londrina, terminando foi nomeada para inspetoria de Marechal Candido Rondon. Para ela esse foi um período difícil, foi umas das primeiras inspetoras do Estado, muito jovem, sofreu bastante, porque era uma comunidade alemã e as pessoas tinham uma restrição muito grande aos brasileiros, todo mundo tinha quer ser descendente de alemão, quem sabe não seria esse um resquício da época nazista que pregava a superioridade da raça alemã em detrimento de outras. Sem experiência, errou ao distribuir aulas, verificar escolas. Diz que "apanhou" muito, mas também aprendeu muito nos dois anos e oito meses que ficou trabalhando lá.

Quando voltou para Londrina, conheceu um rapaz que trabalhava numa metalúrgica, chamado Roberto, foi com ele que Djalmira casou-se e teve dois filhos Roberto Júnior e Emanuelle. Casou-se na cidade de Cascavel, contra a vontade da família, ninguém aprovava o relacionamento por que ele era descendente de paraguaio, conforme diz Djalmira:

"meu pai não queria de jeito nenhum porque ele também gostava de tomar umas cachaças e não gostava muito de trabalhar, ninguém na família esperava, porque eu não era muito de namorar, ficava sempre envolvida com estudos, viagens, pesquisas, achavam que eu não casaria cedo".

Mesmo contra a vontade dos familiares eles casaram-se, somente o pessoal da faculdade, amigos dela, comparecem à cerimônia, logo engravidou do Júnior. Morando em Londrina, perto da família dele, fez o concurso da Universidade e passou, mesmo já com uma responsabilidade familiar, continuava dando aulas, seu tempo se dividia entre colégios e Universidades.

Sua vontade de estudar e crescer profissionalmente era incansável, mesmo com dois filhos e um marido que sofria de alcoolismo, entrou parao mestrado epor alguns anos ela viajava de Londrina até São Paulo, para cursar o mestrado, tendo que enfrentar muitas dificuldades, inclusive a morte do marido, que não conseguia se recuperar e sair do vício do álcool, mesmo com todos os esforços para tentar levá-lo para a recuperação, ele acabou sofrendo uma parada cardíaca e faleceu.

Depois de viúva, os irmãos que estavam aqui no Pará, começaram a ligar para ela, pois queriam montar uma escola, seu pai tinha pensado nisso quando veio em Itaituba, na década de 80. Nesse momento fiquei pensando como é realmente interessante o processo histórico que envolveu a vinda dessa famíliapernambucana que sai para o Paraná e depois vem para a região tapajônica, e seus novos olhares, agora na estrada da educação e do conhecimento,colaboram para muitas mudanças sociais e culturais em Itaituba.

Então, Djalmira explica-me como eles vieram parar em Itaituba, e conta que o pai colocou uma serraria em Jamanxim entre Caracol e Morais de Almeida, os quatro filhos mais velhos vieram com ele, e todos trabalhavam, o Abel, por exemplo, cerrava madeira. Depois tiveram problemas com o IBAMA, posseiros, invasores, mas situações passíveis de se resolverem. O que afetou realmente a família foi à morte do irmão Huyrian, que pegou malária e não resistiu.Seu pai ficou decepcionado e largou tudo abandonado no meio do mato e dizia sempre para os filhos que havia terra para eles na região, então depois da morte do seu Severino as terras foram divididas. Os irmãos que estavam aqui resolveram ficar, o Antônio no Caracol, Irajá em Miritituba, Severino em Moraes, somente o Abel voltou para terminar a faculdade de Administração.

Enquanto isso as mulheres da família sempre estudando, a Reuva que tinha terminado a faculdade de Administração, tinha uma fábrica de forro de gesso para prédios que não deu muito certo, faliu e ela e o marido vieram para o Pará também, tentando recomeçar a vida, e foi a Reuva que insistiu constantemente para que Djalmira viesse para Itaituba, inclusive a idéia da faculdade foi dela. Depois de muitas conversas pelo telefone, com a persistência também de Abel, ela começou uma pesquisa para verificar quais os procedimentos necessários para abertura de uma faculdade.

A primeira coisa a ser feita era ter uma empresa registrada em cartório, depois ficou pesquisando junto ao MEC, para montar os projetos, mas sua intenção era de apenas mandar para Itaituba, onde os irmãos os executariam:

"...comecei a fazer a pesquisa e pedia pra Reuva ir fazendo aqui, mandava os questionários, fazia pesquisa de mercado, mandava o roteiro pra fazer entrevistas com as pessoas pra saber os cursos,porque era isso que o MEC exigia, eu pesquisava na internet e ligava pra lá e eles diziam o que precisava. Eu montei os projetos em Londrina e não conhecia aqui..."

Mesmo não planejando vir para Itaituba, foi isso que aconteceu, veio para escolher o local onde ficaria a FAI, nessa época o prefeito de Itaituba era o Wirland Freire, que tentou ajudar cedendo uma escola do município, mas ao mesmo tempo desestimulou os irmãos, pois dizia conhecer a população e aqui ninguém gostava de pagar pelos estudos, que na primeira turma não teriam nem doze alunos, que ele morava aqui há mais de 40 anos e conhecia o povo, muita gente preferia ir no sopão que ele oferecia, do que batalhar pela vida sozinho, que a maioria vivia em função da prefeitura, enfim não deu muitas perspectivas de sucesso para a nova faculdade.

Mesmo assim, foram olhar várias escolas e desde o começo quando Djalmira viu o Chapeuzinho Vermelho, achou a localização boa, uma parte da escola de madeira, outra parte um pouco torta, mas o padrão do terreno era idêntico a planta que o Abel e ela haviam planejado. Olhavam e verificavam o que deveria mudar, principalmente a estrutura do prédio que seria toda reformada. Djalmira conta que " bateu o olho " e disse para Reuva: " Vamos comprar essa escola ", mas ninguém tinha tanto dinheiro para isso, a alternativa encontrada foi cada um vender suas coisas para comprar a escola.

A Reuva foi a que " batalhou " mais, fez a pesquisa de mercado, as entrevistas, comprou briga em banco, em escola, com as pessoas que não queriam que a FAI se instalasse na cidade. Na época o Secretário de Educação, que já tinha a idéia de colocar uma faculdade particular, perseguiu muito a família, nem tinha ainda feito a inscrição em Brasília e já havia documentos contra a faculdade. Mais uma vez as dificuldades a estimulam e fazem com que Djalmira compre a briga e lute, junto com seus irmãos, para conseguir instalar a faculdade na cidade. Os filhos também gostaram daqui e ela viu que não conseguiria se afastar do seu trabalho, que não conseguiria ficar longe dos meios acadêmicos, mesmo já estando aposentada com doutorado desde 2002.

Quando perguntei se existia resistência por parte da população, no que se refere às instituições escolares particulares, ela coloca:

"Sentimos-nos ainda mais motivados quando percebemos que as pessoas não valorizavam tanto a educação, porque enquanto estiverem dependendo de órgãos públicos elas ficarão com a vida limitada, porque mesmos os que se formaram não procuram se reciclar e estudar as novidades, prejudicando na qualidade do seu serviço, não pesquisavam, não liam mais nada e se acomodavam. Eu imagino que é uma missão que a gente tem, porque dinheiro até agora não ganhamos".

Minha colaboradora ainda reforça e comenta que atualmente sente que a juventude de Itaituba está valorizando o estudo, os mais velhos ainda são resistentes, tiveram o enriquecimento fácil e continuam com esse pensamento. Os jovens já pensam em um negócio próprio, mas sem a intenção de ganhar dinheiro a qualquer custo, querem fazer com qualidade e querem lutar por suas coisas. Antes havia muitos jovens que saiam daqui para estudar, os mais ousados e financeiramente privilegiados, vão embora e muitas vezes não voltam e a cidade não cresce se a juventude continua saindo. Quando foram colocar em prática o projeto da faculdade, sentiram dificuldades e quando há barreiras normalmente aspessoas recuam, já com outras o desafio incentiva, é um estimulante.

Djalmira teve dificuldades durante toda a sua vida para estudar, chega a acreditar que seus filhos viram como ela sofreu e hoje não se interessam muito, não querem passar pelos mesmos problemas.Em meio aos risos ela diz que logo de início seguraram-na no sítio até os oito anos, depois quando foi para a cidade e ficou dos oito aos quatorze anos, percebeu que a escola era o lugar com o qual mais se identificava, inclusive nas férias quando todos ficavam felizes em poder ir para a casa dos pais, ela chorava e dizia ter muitas tarefas para fazer na cidade, queria ficar para ler livros, ir à biblioteca, escrever suas coisas, porque acreditava que parando um dia, perderia muita coisa em sua vida.

Depois que terminou o ginásio, a primeira experiência com educação foi alfabetizando adultos, chegou o Mobral na cidade e não tinham muitos professores interessados, havia preconceito em ir para o sítio trabalhar com adultos,já Djalmira envolveu-se com o projeto e foi para o campo, usava como método de alfabetização cadernos do Paulo Freire. Para ela era um orgulho ir para o interior ensinar o pessoal a ler e escrever, ensinava as pessoas que trabalhavam na roça, e todos adoravam a presença das chamadas normalistas, quando chegavam nas fazendas as pessoas esperavam-nas com galinha caipira, buchada de bode, era como uma festa.

O único problema é que recebiam por aluno alfabetizado, no começo era novidade a sala ficava cheia, mas quando chegava o tempo da lavoura eles não freqüentavam como de início a escola. O MEC mandava fazer o levantamento para aplicação da prova, que vinha da capital lacrada para saber se as pessoas tinham aprendido a ler e escrever, vinha inclusive uma equipe para fazer o exame de leitura, mas os alunos tinham sumido para a colheita. No primeiro ano Djalmira alfabetizou mais de cinqüenta alunos e apareceram sete para a prova, então ela só recebeu pelos sete.

Nessa altura, ela revela que já devia dinheiro para todos os irmãos, tios, parentes, pois comprava cartolina, pincel, para fazer material didático que havia aprendido como normalista, gastava muito e devia para todo mundo, porque só recebia no final do ano quando era feita a colheita do que havia sido plantado, e acrescenta: "paralelo à sabedoria a fama que ficou foi também de caloteira" .

Depois em Corbélia, em 1973 teve seu primeiro emprego e a partir daí passou em uma série de concursos, para a Prefeitura em primeiro lugar e depois para o Estado, em 75 fez vestibular para Letras, 76 concurso da Caixa, em 77 no Banco do Brasil, mas acabou optando em ficar na escola que era o que realmente gostava. Depois que terminou a faculdade de Letras pensou em fazer a pós-graduação e se especializou-se em Português, e resolveu mudar de cidade por que Corbélia já estava pequena para ela, há seis anos alfabetizando crianças, queria progredir, afirma que se continuasse ali as crianças progrediriam e ela não.

Foi para Londrina, onde já tinha um irmão morando, alugaram uma casa com mais duas amigas, a Inalva da cidade de Toledo e a Marina que era de Corbélia. Durante esse período, década de 80, recebeu muita censura, todos diziam que ela só queria saber de estudar. Participou de um concurso de Contos e Poesias, com o poema O Rio e ganhou uma máquina Olivete de datilografia, que era um sucesso na época.

Sua vida dividia-se em dar aulas de manhã no primário, à tarde no ginásio e a noite ir para a Universidade fazer a pós-graduação e quando chegava passava as noites escrevendo, dormia muito pouco. Durante esse período estudou muito, quando saiu de láfoi para Marechal Cândido Rondon, onde foi muito discriminada, como já foi mencionado.

Esse emprego em Marechal foi conseguido por influência política do seu pai, e lá teve que aprender alemão, pois quem não sabia o idioma e não era loiro dos olhos claros não tinha valor. Trabalhou durante dois anos e oito meses dando aulas na faculdade no curso de Letras, foi a primeira professora de lingüística. Depois abriu o curso de História, e Djalmira no início ajudou a implantar o curso, mas se envolveu tanto que acabou fazendo vestibular e abandonou as aulas de lingüística, e voltou a ser aluna, fazia muitas pesquisas sobre os animais que estavam sumindo com a questão da transição da Hidroelétrica de Itaipu.

Escreveu muita coisa, a primeira monografia de Marechal foi a dela, a primeira história publicada, a primeira experiência historiográfica. Inclusive houve uma situação um tanto engraçada com o livro que foi publicado, onde em uma viagem para Cascavel de ônibus, uma senhora sentou-se ao seu lado e puxando conversa começou a comentar sobre um livro que havia lido, que falava da história de Marechal, e comentou que havia sido escrito por uma tal professora chamada Djalmira, mas que estava muito ruim o livro, cheio de erros, a mulher passou a viagem falando mal do livro para a autora dele, sem saber. Djalmira coloca que existiam erros sim, mas na época as aulas de metodologia científica ainda não existiam, aprendia-se tudo sozinho.

Em sua vasta experiência, conta que participou do projeto Rondon em uma etapa regional em Cascavel que ia até Curitiba, pesquisavam sobre o folclore, artesanato, música e danças populares, sobre a Folia de Reis, fez inclusive um trabalho junto aos outros integrantesque foi colocado na Biblioteca Pública do Rio de Janeiro. Depois de formada foi coordenadora do Projeto, foi a primeira vez que saiu do Paraná, era uma operação especial que percorreu o interior de Minas Gerais, São Paulo, era um trabalho voltado para o curso deLetras, onde se fazia um cadastramento lingüístico, e também pesquisava-se sobre a história das pessoas, as suas descendências. Djalmira admira o trabalho de Letras e História, pois proporciona conhecimento, fica- se sabendo das concepções e interpretações que as pessoas tinham em determinadas época, nos diferentes contextos históricos.

Djalmira sempre trabalhou e estudou com dificuldades, primeiro tinha os dois filhos pequenos e um marido doente, depois quando ele morreu ficou sozinha com as crianças, afirma que as únicas vezes que as coisas facilitaram um pouco foi quando ganhou bolsa do Projeto Minerva e Projeto Memória, e mesmo agora depois de aposentada não pode dizer que a vida é fácil, porque a educação não deixa ninguém financeiramente rico, existem limites, principalmente no setor público, que limita as pessoas.

Hoje, também faz um trabalho como avaliadora do MEC, normalmente eles escolhem pessoas que são mestres ou doutores, quando trabalhava na Universidade de Londrina teve a oportunidade de trabalhar com isso também, o reitor a convidou várias vezes para avaliar faculdades, mas antes o sistema era diferente, as faculdades públicas avaliavam as que estavam surgindo, isso envolvia muita política e interesses pessoais. Hoje o sistema está mais justo, são escolhidas duas pessoas de Estados diferentes, uma de faculdade particular e outra da pública, assim não existe mais esse jogo de interesses políticos.

Com relação ao futuro, ele revela ter uma enorme paixão por Belém, sente vontade de comprar uma casa e morar lá, mas quando reflete bem percebe que sem a faculdade não consegue ficar, então ao invés de trabalhar como funcionária, prefere cuidar do que é dela. Enquanto estiver com vontade de trabalhar aqui é o melhor lugar, porque ainda existe muita coisa para ser feita, e só ficará contente quando perceber que as pessoas de Itaituba estão preocupadas com cultura e educação, preocupadas em aprender, caminhando com as próprias pernas, ela credita ter uma missão.Em Itaituba é onde Djalmira se sente útil, sente vontade de implantar um museu, onde se valorize, por exemplo, os sítios arqueológicos que aqui existem, tem certeza de que ainda vai ver o pessoal do curso de História envolvido com o museu, fazendo projetos grandes, envolvidos com meio ambiente, cultura, onde se possa colocar Itaituba no meio internacional.

De modo geral sem a escola, sem a faculdade, Djalmira diz que sua vida não tem razão, ela não se sente aposentada, porque ainda não descansou, mas quando tem feriados prolongados, como o carnaval, fica muito aflita e quer voltar logo para a instituição, se deixasse de fazer o que gosta ficaria muito ranzinza, chatearia todo mundo, então vai ter que continuar na Faculdade e trabalhando no que gosta.

Como toda boa família de interior, o número de irmãos é grande, quatorze no total, e isso acarreta tanto em vantagens como desvantagens, mas para Djalmira a primeira prevalece. Ela revela que não existe aquela atenção, carinho, acompanhamento individualizado que quando se tem pouco filhos, levar na escola, preparar a comidinha para eles, sua mãe deve ter feito isso só com a irmã mais velha, depois quando foi tendo cada ano mais um, o maior acabava cuidando do menor, não tem muito carinho, não são doces, cada um aprende sozinho a se virar, em termos de afetividade existe defasagem, ela reforça que não há nenhum irmão com essa característica, que isso é perceptível.

Outra desvantagem é em termos financeiros, mesmo sendo de uma família de classe média, porque seu pai tinha açude, plantações, carro, um pouco de gado, já não era fácil, sofreram para estudar, comprar roupas, ter material escolar, para ter uma vida social, o uniforme do filho mais velho ia para o mais novo, calçados, sem contar nas épocas difíceis, quando não chovia que abaixava o açude. No Nordeste os pais querem ter muitos filhos para ajudar na lavoura e com eles não foi diferente, ajudaram muito nas plantações, socando arroz, buscando água em locais muito longe quando faltava em casa, ajudando a pesar, carregando caminhão, tratando peixe. Não que fosse obrigado mais todos ajudavam, e na verdade chegava a encarar a situação como se fosse uma brincadeira entre as crianças.

A vantagem de se ter uma grande família, na concepção de Djalmira, é que a afetividade que faltou entre pais e filhos, cria-se entre os irmãos, que se unem numa amizade muito grande, mesmo com a briga um sente falta do outro. Só é mais complicado quando um passa muito tempo longe, Djalmira morou vinte e dois anos longe e diz que se sentiu um pouco deslocada quando veio para Itaituba junto dos irmãos. Se um irmão estiver em situação difícil todos ajudam, mas se um fizer alguma coisa errada, todos brigam também. A censura às vezes também é complicada, mas se ela quer saber se uma história que escreveu é boa ou ruim é só ler para eles, porque são críticos a ponto de jogar o trabalho no lixo ou sair direto para a editora, com o cuidado vem a cobrança, para ela é como ter muitos pais e mães.

Como o assunto estava em torno de relações familiares, questionei se ela sente vontade de casar novamente, ela negou, disse que:

"...casamento seria largar tudo e ficar em casa, ninguém quer turista em casa, eu prefiro ficar viajando, fazendo minhas avaliações do MEC, conhecendo novas pessoas, eu me basto não preciso de alguém para ser feliz, antes eu achava que precisava, essa fase passou, não estou com ninguém e estou com todo mundo, adoro minha profissão casei com ela".

O mais interessante é que fiz a entrevista pretendendo conhecer a história da professora, da educadora que realmente está ajudando a transformar e construir tantas outras histórias em Itaituba, mas o trabalho foi além disso, primeiramente se conheceu uma Djalmira que nasceu numa fazenda, rodeada pelas plantações de cebola, mas não se deixando acomodar lutou pelo que queria, acreditando sempre que a educação é o caminho mais certo para o conhecimento. Tive a oportunidade de" viajar " por alguns lugares onde ela trabalhou e teve papel importante para a história dos municípios e das pessoas que ali viviam.

Aparentemente quem a conhece, não a vê como uma mulher que deixa aflorar sentimentos e emoções, principalmente quando esbarramos com ela pelos corredores da faculdade, a FAI, sempre com um andar apressado, uma postura firme, extremamente profissional, mas o historiador não pode se guiar sobre aquilo que é aparente.Assim, quando o olhar se volta para a história de vida dessa mulher que sempre acreditou e lutou pelo conhecimento, é possível compreender que jamais uma pessoa de pouca sensibilidade teria o dom de ensinar e transformar-se numa grande educadora e colaboradora para a mudança educacional no município de Itaituba.


Autor: Carolina Whitaker


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