A Inserção do Indígena no Ensino Superior em Porto Velho - RO



Este trabalho tem como objetivo primeiro descrever e analisar algumas questões referentes ao acesso e à permanência de estudantes indígenas no Ensino Superior em Porto Velho/RO. Trata-se de pesquisa de cunho qualitativo, tendo sido utilizados como métodos a pesquisa documental e a pesquisa de campo. No que concerne ao aspecto documental, o trabalho aponta algumas ações afirmativas governamentais e não-governamentais que fomentam o acesso e permanência do índio ao Ensino Superior; retrata, também, a história da educação indígena destacando as suas fases desde o período colonial á formação de professores indígenas. Quanto à pesquisa de campo, foi realizada a análise de entrevistas com estudantes indígenas que estão cursando o Ensino Superior em faculdades particulares de Porto Velho-RO, destacando em suas falas informações relevantes para a constituição de um perfil dos estudantes indígenas: quem são eles?Como conseguiram ingressar na faculdade? Quais suas dificuldades, seus anseios e perspectivas em relação à sua profissão? A pesquisa demonstrou que no meio universitário muito preconceito ainda existe: o principal deles é a idéia de que os povos indígenas representam um empecilho ao desenvolvimento do país. Por outro lado, os estudantes indígenas acreditam estar contribuindo para mudar os dados com relação ao pequeno número de indígenas no Ensino Superior no Brasil. Nota-se que os estudantes, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, estão muito felizes com a oportunidade e que o estudo é motivo de orgulho para eles e para a comunidade indígena, já que muitos jovens indígenas estão saindo de suas aldeias a fim de cursar o Ensino Superior.
Palavras-Chave: Educação Escolar Indígena, Ensino Superior e Ações Afirmativas Governamentais e Não-Governamentais.

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta um estudo interessante e atual do processo de acesso e permanência de indígenas no Ensino Superior, nas diversas áreas do conhecimento, como forma de manifestação da autonomia indígena na gestão de seus territórios e modo de viver.

A educação escolar indígena, nestes mais de quinhentos anos de história, passou por várias etapas. Este processo, e mais recentemente o ingresso de estudantes indígenas no Ensino Superior, faz emergir, na sociedade brasileira, de maneira geral, vários questionamentos. A pergunta elementar é justamente esta: por que índio quer estudar? A partir desta, surgem outras: o aprofundamento do conhecimento científico não é uma necessidade e um valor dos não-índios? Depois de quatro anos na academia, o indígena volta para a sua aldeia, de que forma aplicará os conhecimentos que adquiriu na Universidade?

Estes questionamentos e dúvidas surgiram da minha experiência como bolsista do PROEXT (Programa de Extensão Universitária), no Programa de Extensão "Convivendo com a Diversidade", coordenado pela professora Drª. Wany Sampaio, no ano de 2006. O trabalho consistia em dar assistência aos indígenas em trânsito na Casa do Índio/ FUNAI que ficam alojados nos apartamentos cedidos pela Casa do Índio, quando se deslocam de suas aldeias para a cidade em busca de tratamento de saúde, atividades pessoais e busca de continuar os estudos dos filhos. Um dos propósitos do Programa "Convivendo com a Diversidade" consistia em buscar diminuir a permanência dos jovens e crianças indígenas nas ruas de Porto Velho, onde ficam expostos a vários tipos de violência - como o uso de drogas e bebidas alcoólicas; para tanto, o Programa oferecia oficinas de leitura, esporte e lazer e acompanhamento escolar.

Durante um ano em que atuei no programa, cultivei bons amigos indígenas que me impulsionaram a estudar o processo de acesso e permanência em faculdades particulares em Porto Velho/RO.

Considerando a existência de poucos indígenas no Ensino Superior; a pesquisa teve por objetivos: a) conhecer as barreiras encontradas pelos indígenas quanto ao seu acesso e permanência no Ensino Superior; b) Delinear o perfil de cada estudante indígena: o nome do curso, em qual período, qual a idade, seu estado civil etc.., o que representa o ensino superior para eles; qual a importância para os estudantes indígenas de estudar e se qualificar; sobre os objetivos dos estudantes em relação ao Ensino Superior; sobre o gosto pelos estudos; sobre os auxílios pelo governo federal recebidos pelos indígenas e perspectiva de futuro, em relação aos seus respectivos cursos.

A pesquisa consistiu, ainda, na análise de algumas das ações afirmativas na demanda dos povos e organizações indígenas em torno do ingresso, permanência e sucesso no sistema universitário. Vale salientar que a discussão sobre Ensino Superior é distinta daquela referente ao Ensino Fundamental e Médio; não se trata de universilazição da escolarização, mas da formação de indígenas qualificados e comprometidos com a defesa dos direitos indígenas. Entende-se que a demanda pelo Ensino Superior se justifica enquanto instrumento para defender os direitos constitucionais, surgido a partir das necessidades práticas da vida cotidiana das aldeias.

O trabalho de pesquisa desenvolveu-se sob uma abordagem qualitativa, tendo sido adotada a seguinte metodologia: a) Pesquisa documental, através da qual foram levantadas informações documentais, bibliográficas e webgráficas acerca do tema em estudo; b) pesquisa de campo, com aplicação de entrevistas aos sujeitos da pesquisa.

Para demonstrar os resultados da pesquisa, a presente Monografia encontra-se organizada em três capítulos: a) o primeiro capítulo trata das Políticas Públicas Federais e da Cooperação Internacional para a Educação Superior de Indígenas; nele se encontram, ainda, algumas das ações afirmativas referentes ao acesso e permanência de indígenas no Ensino Superior, através de projetos governamentais e não-governamentais;b) o segundo capítulo aborda o Processo Histórico da Educação Escolar Indígena no Brasil, tratando desde a colonização do Brasil até a formação acadêmica em nível superior de professores indígenas; c) o terceiro capítulo trata do acesso e permanência de estudantes indígenas no Ensino Superior na cidade de Porto Velho – RO.

CAPÍTULO I

AS POLÍTICAS PÚBLICAS FEDERAIS E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR DE INDÍGENAS

Há uma ausência de políticas públicas para atender a demanda ao Ensino Superior pelos indígenas interligada à melhoria de gestão dos territórios. Segundo Ricardo Henrique (2004), secretário da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD/ Ministério da Educação – MEC - a educação indígena, dentro do MEC, está localizada na SECAD, criada com o objetivo de redefinir procedimentos administrativos no interior do Ministério da Educação.

No portal do MEC encontra-se:

[...] a SECAD não é uma secretaria voltada especificamente para os povos indígenas, mas trabalha com o conceito de "diversidade" de uma forma que contempla vários segmentos da população. A Secretaria faz articulações horizontais e verticais, dentro do MEC, em um sistema bicameral com a Secretaria de Ensino Superior – SESU e junto ás administrações estaduais e municipais. A Comissão Nacional de Professores Indígenas – CNPI é ofórum de interlocução para dialogar com a SECAD e a SESU.

(http://diversidade.mec.gov.br/sdm/publicacao/engine.wsp. Acesso em 20/03/2008)

Aurélio Vianna – Fundação Ford – FF, no Seminário Desafios para uma Educação Superior para os Povos Indígenas no Brasil, em 2004, comentou sobre a posição da Fundação Ford diante da questão indígena:

[...] a atuação da Fundação Ford em relação à questão indígena, iniciou em meados dos anos 80, privilegiando a questão da garantia dos direitos indígenas, sobretudo à terra, como o tema central a ser trabalhado. A partir da década de 90, após a promulgação da Constituição de 1988, o trabalho que já vinha sendo desenvolvido foi redimensionado e passou-se a perceber o processo de constituição das organizações indígenas como elemento central para as conquistas dos índios, além da afirmação dos direitos humanos, a partir da perspectiva do etnodesenvolvimento e do debate sobre o desenvolvimento sustentável. Dessa forma, foram apoiados projetos – pilotos de formaço de pessoal para trabalhar com a questão indígena, a cargo do LACED, que implementou cursos de especialização universitária voltados para indígenas e não – indígenas. Atualmente – dando continuidade a esta linha de atuação e tendo como objetivo o etnodesenvolvimento - a Fundação apóia o projeto Trilhas de Conhecimento, também a cargo do LACED, visando atender às demanda do movimento indígena nesta nova etapa em que não se trata mais de resolver apenas as questões de direitos humanos, mas produzir alternativas para a gestão dos territórios/indígenas.(http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/Desafios.pdf. Acesso em 20/03/2008.

Outro programa muito significativo para a demanda de índios no ensino superior é o Programa Internacional de Bolsas - IFP, iniciado em 2002, com duração prevista até 2012, financiado pela Fundação Ford. O programa se destina a todas as lideranças negras, índias e brancas, oriundas das regiões do Norte, Nordeste e Centro Oeste do Brasil. Pretende atuar junto a estudantes que tenham compromisso social com suas comunidades de origem por meio da oferta de bolsas de estudo que permitam aos selecionados se afastarem de suas atividades produtivas para se dedicarem integralmente aos estudos.

O Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas – PDPI, implementado pelo Ministério do Meio Ambiente, diz em seu portal da internet intitulado Povos Indígenas no Brasil:

[...] O objetivo do PDPI é contribuir para a sustentabilidade econômica, social e cultural dos povos indígenas em suas terras e para a conservação dos recursos naturais nelas existentes. Este programa pretende atingir suas metas por meio do financiamento de subprojetos no nível local que sejam planejados e executados de forma participativa, que sejam exemplares e de caráter demonstrativo. (http://www.socioambiental.org/pib/portugues/org/pdpi.shtm. Acesso em 07/08/2008).

Na área educacional, o programa se dedica a fortalecer o movimento indígena e suas organizações e alerta para a necessidade de formação de indígenas em vários campos do conhecimento. Neste sentido, promove capacitação política para os povos indígenas, oferecendo cursos de gerenciamento de projetos, elaboração de planos de ação, prestação de contas etc.

1 A SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADE – SECAD

A modalidade Educação Escolar Indígena no Ministério da Educação foi reorganizada a partir das responsabilidades atribuídas à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD).

A Educação Escolar Indígena é uma modalidade de ensino que solicita inovações e atitudes institucionais dentro do Ministério e das Secretarias, capaz de se comprometer com a diversidade étnico-racial, de gênero, geracional, territorial e cultural de cada comunidade indígena. A SECAD é a primeira tentativa do governo federal para atender a educação voltada para a diversidade, tendo como meta a inclusão educacional, orientada pela busca de qualidade com redução das desigualdades.

Segundo Lima et al (2004, p.65):

"A SECAD representa um redesenho institucional e operacional que, do ponto de vista dos sistemas de ensino e do Ministério da Educação, pretende enfrentar o passivo histórico de enorme desigualdade educacional existente no Brasil – uma estrutura de gestão política e administrativa no MEC com a responsabilidade de produzir formulação, instrumentos, procedimentos, sistemas de incentivo, de financiamento e de monitoramento e avaliação que, de forma sistêmica, contribuam para o aumento da qualidade e para a redução das desigualdades educacionais".

A SECAD garante em suas políticas a formação específica de professores indígenas, apoiando cursos propostos pelas secretarias estaduais de educação e organizações não-governamentais.

O Ministério da Educação – MEC, por intermédio da SECAD, da Secretaria de Ensino Superior – SESu e do Fundo Nacional da Educação – FUNDE – lançou o PROLIND, que é um programa de apoio ao desenvolvimento e à implementação de projetos de licenciaturas específicas para a formação de professores indígenas. Segundo o portal do MEC, o "objetivo do PROLIND é instituir um programa integrado de apoio à formação superior de professores para o exercício da docência aos indígenas, como uma política da União a ser implementada pelas IES públicas federais e estaduais de todo a país".

A Coordenação-Geral da Diversidade e da Inclusão Educacional - CGDIE - da SECAD firmou, no ano de 2003, o Programa Diversidade na Universidade, em parceria do Banco Interamericano de Desenvolvimento -BID - o qual tem como principal objetivo a construção de conhecimentos para a elaboração de políticas públicas para o Ensino Médio e o acesso ao Ensino Superior das populações afro-descendentes e indígenas.Este programa financia instituições para atender a formações de professores e cursinhos pré-vestibulares, abrindo um leque de oportunidades para o acesso de alunos indígenas ao Ensino Superior.

O grande desafio da Educação Indígena hoje é alcançar resultados de qualidade através de uma política pública que possa estabelecer interações junto ao MEC, as secretarias estaduais e municipais e a FUNAI.

2 PROJETO TRILHAS DE CONHECIMENTO/LACED

A Fundação Ford vem apoiando dois grandes programas internacionais no Brasil: o Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford, executado pela Fundação Carlos Chagas e o Programa Caminhos para o Ensino Superior, que apóia projetos relacionados ao ingresso e à permanência de estudantes afro-descendentes e indígenas em universidades.

A cooperação internacional não-governamental tem atuado na causa indígena com políticas e programas inovadores, para ao ensino superior indígena. Inicialmente a Fundação Ford no Brasil atuava em cooperação a questões referentes ao direito dos indígenas à terra; já se pensava em utilizar as terras de modo sustentável ou numa proposta de etnodesenvolvimento. Na década de 90, outras demandas surgiram em vários pontos do país, incluindo-se propostas como a formação de professores indígenas. Assim, surge, o Projeto Trilhas de Conhecimentos, que atende a essa nova demanda de procura do ensino superior.Segundo o portal do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade e Cultura e Desenvolvimento – LACED:

"O Projeto Trilhas de Conhecimentos teve seu início em fevereiro de 2004, financiado por uma doação da Fundação Ford através da Pathways to Higher Education Iniciative. O objetivo inicial era fomentar as ações afirmativas desenvolvidas por universidades destinadas a dar suporte ao etnodesenvolvimento dos povos indígenas no Brasil através da formação de indígenas no ensino superior". (http://www.laced.mn.ufrj.br/laced.htm. Acesso em 13/08/ 2008).

O Projeto Trilhas de Conhecimentos é o mais recente projeto desta longa caminhada que a educação indígena enfrenta. Este projeto é o resultado de uma parceria e de demandas surgidas nas organizações indígenas e de apoio á causa indígena.

3 PROGRAMA INTERNACIONAL DE BOLSAS – IFP

O Programa Internacional de Bolsas - IFP - foi implantado no Brasil no ano 2000. Tem como finalidade oferecer melhores oportunidades para mulheres e homens, com potencial de liderança em seus campos de atuação,a prosseguirem seus estudos superiores, capacitando-se para promover o desenvolvimento de seus países, bem como maior justiça econômica e social. O IFP está sendo implantado nos seguintes países: África do Sul, Chile, China, Egito, Filipinas, Gana, Guatemala, Índia, indonésia, Quênia, México, Moçambique, Nigéria, Palestina, Peru, Rússia, Senegal, Tailândia, Tanzânia, entre outros.

O Programa oferece bolsas a indivíduos discriminados socialmente. Os bolsistas são negros ou indígenas nascidos nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e que sejam de famílias que tiveram poucas oportunidades econômicas e educacionais. Os bolsistas são selecionados com base em seu potencial acadêmico e de liderança e compromisso com a solução de problemas de sua comunidade, grupo social, região ou país.

O Programa não tem um número específico de cotas para os diferentes segmentos sociais, o que leva a uma pequena proporção de indígenas na busca do ensino superior. O objetivo de oferecer bolsas aos indígenas tem o apoio da Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal do Amazonas, que já contabilizaram um total de 14 bolsistas contemplados das seleções anteriores.

Uma das ações mais audaciosas do Programa IFP se refere ao acesso de indígenas e negros na Pós-Graduação. Com o maior acesso de indígenas ao ensino superior, espera-se que haja procura pela Pós-Graduação.

Segundo este Programa "as instâncias públicas e organizações da sociedade civil devem construir estratégias para preparar indígenas e negros para as seleções de pós-graduação, à maneira do que vem ocorrendo nos "cursinhos" para acesso ao Ensino Superior" (LIMA et al., 2003,p.77).

As universidades de elites e (não elites) brasileiras têm a oportunidade, neste momento, de ficar atentas à democratização e à diversificação étnico-racial, na composição de seu corpo discente e docente.

4 O PROJETO DEMONSTRATIVO DOS POVOS INDÍGENAS – PDPI

O Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas-PDPI está vinculado ao Governo Alemão e Britânico, Governo Brasileiro e com o Movimento Indígena.

Apesar de seu caráter governamental, é fundamental que a Comissão Executiva tenha como gerente um indígena.

O PDPI é um programa de apoio a projetos em terras indígenas; são apoiados projetos de valorização cultural, situações de perda lingüística, reforço do cultivo de espécies fundamentais para a alimentação tradicional etc. Também projetos na área do manejo da fauna e criação de pequenos animais e proteção das terras indígenas contra a ameaça de invasão. Este projeto atua somente na Amazônia, com experiências pilotos capazes de formular políticas públicas para indígenas.

O objetivo do PDPI, segundo o coordenador Fernando Viana, é enfrentar os chamados "desafios pós-demarcação". Há necessidade que as populações indígenas sejam dotadas de "fortalecimento institucional" voltado para a formação de indígenas com o "Curso de Formação de Gestores", o qual capacita os índios a lidarem com a linguagem do mundo dos projetos nas áreas de contabilidade, administração, informática e português instrumental.Esta experiência do PDPI está servindo para evidenciar demandas dos povos indígenas pelo ensino superior.

CAPÍTULO II

PROCESSO HISTÓRICO

DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL

O enfoque principal deste trabalho é a Educação Superior Indígena em Porto Velho – RO. A partir do ano de 2005, estudantes indígenas de várias etnias do estado procuram o ensino superior em outras áreas de atuação além do magistério indígena. Uma explicação lógica por esta demanda se dá através do estudo do processo histórico da educação escolar indígena no Brasil, e como esta necessidade de várias etnias levou muitos indígenas a saírem de suas comunidades e procurarem defender os seus direitos, mediante a inserção em universidades e faculdades.

No Brasil, até os anos 80, as populações indígenas só participavam das universidades como objeto de estudo; poucos indígenas conseguiam o acesso ao ensino superior. Os registros existentes sobre indígena que adentraram o ensino superior são: os makuxi, de Rondônia, os kaingang (RS, SC e PR) e terena (MS) que, com a ajuda da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, custeavam suas despesas, pagando as mensalidades escolares, alojamento e alimentação.

A trilha que os povos e organizações indígenas buscam para a demanda do ensino superior segue dois caminhos diferentes que historicamente se cruzam: o da busca por formação superior para professores indígenas em cursos específicos e o da busca por capacidades para gerenciar as terras demarcadas.

O primeiro caminho se refere à educação escolar imposta ao índio desde o Brasil Colônia pelos missionários católicos tinha como objetivo negar a diversidade dos índios e de civilizá-lo, capacitando-o profissionalmente, produzindo, assim, mão-de-obra barata para a sociedade nacional; este caminho gerou a formação de professores indígenas.

Historicamente, a educação para as populações indígenas tem servido como instrumento de aculturação e destruição das respectivas etnias. Podemos dizer que pouca coisa mudou desde a chegada dos colonizadores no Brasil. Ainda hoje o descaso e a omissão são presentes em nossas políticas e são poucas as secretarias de educação empenhadas em incorporar os novos conceitos constitucionais.

O segundo caminho surgiu da necessidade de se ter indígenas graduados em outras áreas, inseridos nas universidades, capazes de articular os conhecimentos científicos e tradicionais de sua comunidade. Com isso, o índio é considerado apto a discutir junto à universidade os problemas que a sua comunidade indígena enfrenta, quando se refere ao processo contemporâneo de territorialização previsto desde a constituição de 1988.

No que diz respeito ao primeiro caminho de educação para indígenas, foi com a criação do Sistema de Proteção ao Índio - SPI, em 1910, que existiu pela primeira vez - com relação à educação escolar indígena - uma preocupação lingüística e cultural. Instalou-se uma rede de escolas para índios, com o ensino das primeiras letras. Entretanto, havia uma maior ênfase à educação agrícola, enquanto uma forma educacional de integrar o índio à comunidade nacional, como produtores agrícolas.

Surgiram, então, os Clubes Agrícolas e as Casas do Índio, que continham em seu currículo escolar Práticas Agrícolas para os meninos e Práticas Domésticas para as meninas. A adequação das escolas às condições e necessidades de cada grupo indígena não se davam em função da diversidade cultural de cada povo. E, além do mais, as autoridades da época não tinham interesse em investir na alfabetização bilíngüe, em livros didáticos, professores capacitados.

Mudanças significativas ocorreram com a extinção do SPI e a criação da FUNAI, em 1957. O ensino bilíngüe foi eleito como política primordial da FUNAI. Em 1973, o Estatuto do Índio (Lei 6.001) tornou obrigatório o ensino de línguas nativas nas escolas indígenas. Como forma de expressar o propósito da educação escolar indígena, a FUNAI investiu na capacitação de indígenas em funções educativas em suas comunidades, interferindo o mínimo possível nos valores culturais de cada povo.

A política bilíngüe levou a um outro problema: a desqualificação do quadro técnico da FUNAI para lidar com a grande variedade lingüística existente no país. Mediante este problema, a FUNAI recorre a lingüistas e pedagogos especializados do Summer Institute of Linguistics–SIL, para atender aos programas educacionais bilíngües e garantir toda uma política de respeito à diversidade lingüística e cultural das sociedades indígenas, integrando o índio à sociedade ocidental a partir das traduções de textos traduzidos na língua nativa. As críticas à política de ensino da FUNAI fizeram com que a instituição elaborasse uma nova política educacional para atender às necessidades dos índios por melhores condições de vida e participação na sociedade nacional.

Ao longo das décadas de 1980 e 1990, ONGs fundadas por antropólogos, tais como o Conselho Indigenista Missionário-CIMI, órgão assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB e a organização leiga Operação Anchieta, a ela vinculada (hoje Operação Amazônia Nativa –OPAN, independente da ação eclesiástica), passaram a contestar a ação educativa da FUNAI e das missões tradicionais, propondo modelos alternativos de escolarização cujas atribuições eram de prestar serviços na área da educação escolar para índios.

Surgiram, neste momento de lutas por educação indígena, as organizações indígenas como a União das Nações Indígenas-UNI, em 1980. Estes grupos, a partir dos anos 70, passaram a atuar em áreas indígenas, oferecendo ás populações educação formal, marcada pelo compromisso político com a causa indígena e a formação da autodeterminação e respeito aos direitos indígenas. A partir destas experiências surgiram os encontros, reuniões e assembléias em favor da educação escolar indígena.

O I Encontro Nacional de Educação Indígena reuniu pessoas envolvidas em experiências alternativas com educação em áreas indígenas, promovendo o intercâmbio de experiências com assessoria de lingüísticas, pedagogos e antropólogos, visando "conhecimento, análise e questionamento das diversas experiências, na direção de uma maior profundidade no trabalho educacional indígena". No II Encontro foi apontada a necessidade da participação de professores indígenas para definir seu papel na questão da educação indígena.

O III Encontro a Operação Amazônia Nativa-OPAN defendeu a escola alternativa com a participação de todos os envolvidos no processo -neste caso, os índios - com o objetivo de participarem frente à sociedade nacional, articulando e defendendo seus direitos. A partir do IV Encontro (1988), o tema central foi a formação de professores indígenas, mesmo sem a participação de índios, com a justificativa de que os participantes do evento estavam se capacitando para formar os novos professores indígenas, em suas respectivas aldeias. No V Encontro (1990) estiveram presentes apenas missionários, leigos e religiosos, para a discussão de currículos para as escolas indígenas.

Os encontros promovidos foram significativos na medida em que conseguiram, antes da aprovação da Assembléia Constituinte, nortear alguns direitos para os indígenas, como a educação formal. O Encontro Nacional de Educação Indígena, em 1987, no Rio de Janeiro, foi promovido pela *Fundação Nacional Pró-Memória do Ministério da Cultura e pelo Museu do Índio do Rio de Janeiro, por meio do Núcleo de Educação Indígena. Tal evento reuniu representantes de 27 entidades, organizações e instituições nacionais, como a UNI, CPI/SP, CIMI, OPAN, CTI, MEC, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e Cultura, entre outras.

Neste encontro discutiram-se variados temas: Currículo Escolar, Missões Religiosas Proselitistas, Educação Bilíngüe e Mecanismos de Ação Coordenada. Documentos foram elaborados e encaminhados ao Ministério da Educação e Cultura, reclamando a criação de organismos próprios de educação indígena para executar, acompanhar e avaliar a implementação de uma política de educação indígena, nova e qualitativamente diferente, formada com a participação dos povos indígenas, dos educadores e instituições nacionais comprometidos com o destino do povo.

O BONDE – Grupo de Trabalho "Mecanismos de Ação Coordenada", foi criado a partir da necessidade de se encaminhar com urgência uma proposta de educação escolar para índios á Assembléia Constituinte e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O grupo de trabalho tinha entre os seus membros organizações e instituições nacionais;desde a sua criação, apresentou proposta de educação para índios, inclusive documentos elaborados por professores indígenas nos encontros realizados por eles.

A necessidade de se definirem leis complementares para regulamentar os direitos constitucionais dos povos indígenas fez com que o BONDE elaborasse novas propostas para a LDB, como os documentos "Subsídios para a Elaboração da Política Nacional de Educação Indígena e Legislação Ordinária Correspondente" (1988) e "Da Educação Indígena" (janeiro de 1989), entre outros. Em medida incorporada ao capítulo "Da Educação para as Comunidades Indígenas", as propostas foram parte do Projeto de Lei da nova LDB (SILVA et al., 2001, p. 91). Articulada ao movimento indígena, a atuação de diferentes instituições pró-índio marcou mais uma fase da educação escolar para povos indígenas.

Outro marco desta etapa da história escolar indígena foi a criação, a partir de 1981 e em várias regiões do país, de Núcleos de Educação (e/ou Estudos) Indígenas, os NEIs. Destacam-se o Núcleo de Estudos Indigenistas do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco; o Núcleo de Educação Indígena de Roraima; o Núcleo de Educação Indígena do Mato Grosso; o Núcleo de Estudos Indígenas de Belém; o Seminário Permanente de Educação e Estudos Indígenas da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e o MARI – Grupo de Educação Indígena da Universidade de São Paulo.

Em novembro de 1999, a pedido da Coordenação Geral de Apoio ás Escolas Indígenas – CGAEI/ Secretaria de Educação Fundamental/MEC, a assessoria internacional do órgão elaborou um Parecer que resume a posição oficial do Ministério da Educação diante do SIL e suas atividades nos meios indígenas no Brasil. Aconteceu, assim, o esvaziamento da FUNAI. Em fevereiro de 1991, o Ministério da Educação passou a se responsabilizar por "coordenar as ações referentes à Educação Indígena, em todos os níveis e modalidades de ensino, ouvida a FUNAI". Tais ações devem ser "desenvolvidas pelas Secretarias de Educação dos Estados e Municípios em consonância com as Secretarias Nacionais de Educação do Município da Educação" (artigo 1º e 2º do Decreto Presidencial nº. 26, de 4/2/91). Os fundamentos legais desse decreto, nº. 58.824, têm como base a Convenção 107 de Genebra, de 1957.

A Portaria Interministerial nº. 559, de 16 de abril de 1991, regulamenta a competência do Ministério da Educação para coordenar ações referentes à educação indígena; este dispositivo permite que os índios tenham garantidas características específicas de educação no que se refere á formação de professores, currículos, calendários, metodologias, avaliação e materiais didáticos.

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, especificamente através de seus artigos 26, 32, 78 e 79, fixou as bases para que documentos como as Diretrizes para a Política de Educação Escolar Indígena (1993), do Comitê de Educação Escolar Indígena, criado pelo MEC para subsidiar a formulação desta política, delineassem eposteriormente propusessem o atual Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI.

Outros documentos legais, como o Parecer 14/99 e a Resolução 3/99, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, deram continuidade à normatização da educação escolar indígena em território nacional: o item 9 do Plano Nacional de Educação 2001, sobre a educação escolar indígena, e particularmente sua meta 17, estabelece a formulação, em dois anos, de um plano para a implementação de programas especiais para a formação de professores indígenas em nível superior, através da colaboração das universidades e de instituições de nível equivalente; e a aprovação, em 2002, pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação, do parecer do relator Carlos Roberto Jamil Curi sobre formação de professores indígenas em nível universitário, atendendo à solicitação da Organização de Professores Indígenas de Roraima- OPIR.

Nesse período de intensa articulação indígena, nas diversas regiões do país foram realizados encontros, congressos e assembléias que permitiram o estabelecimento de uma comunicação permanente entre inúmeras nações indígenas, cujo objetivo principal era a reestruturação da política de Estado. O direito a educação diferenciada e específica tem sido uma das principais bandeiras do movimento indígena, dentre os ideais de autodeterminação.

O movimento de professores indígenas foi ímpar para a história da educação escolar indígena; surgiu como resposta á necessidade de refletir sobre problemas comuns vividos pelos professores indígenas de regiões distantes e de encontrar alternativas para uma mudança nos rumos da educação escolar. Deve-se, pois, destacar, desde o fim dos anos 1980, em especial no período pós-constituinte, o surgimento da categoria profissional dos professores indígenas.

A partir daquele momento, os próprios povos indígenas discutem, propõem e procuram realizar seus modelos e ideais de escola, segundo seus interesses e suas necessidades imediatas e futuras. Foi a partir desta iniciativa que se começou a discutir a escola como uma instituição a serviço da identidade de cada povo, assumindo a pluralidade constituinte de nosso país, superando a perspectiva integracionista. Abriu-se então um leque de articulações com um único objetivo de construir uma política indígena de educação escolar. Conforme analisou Silva (1995 pp. 9 -10).

[...] Embora tão antiga quanto a colonização do Brasil, a escola indígena e, de modo mais amplo, a educação escolar presente em áreas indígenas passaram a ser objeto de reflexão e crítica e, em alguns casos, de uma "revolução pedagógica", há cerca de parcos vinte anos. (...) Nas aldeias e nas áreas indígenas, é também a década de 70 que vê as tentativas pioneiras de construção de uma educação escolar sintonizada com os interesses, direitos e as especificidades e povos e culturas indígenas. (...) Esta tendência, ainda ausente ou incipiente em muitas localidades, é, no entanto, a grande novidade e o fruto principal de um processo recentemente iniciado, mas rapidamente amadurecido, do qual, os encontros e as associações de professores índios são hoje o pólo mais avançado.

No processo de organização dos professores indígenas, os encontros representaram momentos decisivos nos quais as articulações culturais e políticas tornaram-se possíveis e as trocas de experiências e conhecimentos fizeram surgir uma nova concepção de educação escolar indígena. Esta nova concepção respeita os conhecimentos, as tradições e os costumes de cada povo, valorizando e fortalecendo a identidade étnica, ao mesmo tempo em que procura passar conhecimentos necessários para uma melhor relação com a sociedade não-índia. Os encontros acontecem anualmente e têm possibilitado aos professores indígenas a aquisição de instrumental de discussão que lhes permite um nível de diálogo e relacionamento mais equilibrado perante os demais setores da sociedade civil e do Estado.

A nova categoria socioétnica-profissional – o professor indígena, criatura e criador das práticas instauradoras dessa nova política – não foi acompanhada de ações de Estado voltadas para efetivamente formar indígenas dotados de conhecimentos necessários a exercê-los, pois, no tocante á formação superior de professores indígenas, nada de concreto foi feito na esfera do MEC pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Os cursos pioneiros de licenciatura intercultural indígena partiram da Universidade Federal de Mato Grosso – UNEMAT e do Núcleo Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima – UFRR, coordenado pelo professor Elias Januário e concebido pela professora Maria Auxiliadora de Souza Mello, já falecida, e hoje coordenado pelo professor Fábio Carvalho; estruturam-se por iniciativas autônomas, apoiadas, sobretudo pela FUNAI. A FUNAI tem fomentado a formação de indígena, ainda que de forma assistemática.

No que diz respeito ao segundo caminho pela demanda dos indígenas por formação superior,, trata-se de boa parte das demarcações de terras indígenas, que se intensificou no período pós-constitucional, e da participação intensa de organismos internacionais financiando e normatizando a definição de terras indígenas no Brasil.

Segundo Lima et al (2004, p.11).

[...] Um importante líder indígena Ailton Krenak, organizou um centro de formação em Goiânia, visando enfrentar os desafios á formação de indígenas em áreas que iam desde a agronomia até a advocacia, pensando exatamente no cruzamento dos conhecimentos tradicionais indígenas e dos saberes universitários e na necessidade de terem quadros indígenas que construíssem novos relacionamentos com o Estado Brasileiro e com redes sociais nos contextos locais, regionais, nacional e internacional sem a mediação de profissionais técnicos não-indígenas.

Com a quebra do monopólio tutelar, a capacidade processual reconhecida às organizações indígenas, a intensa ação do Ministério Público Federal por meio da sua Sexta Câmara de Coordenação e Revisão e desde o governo Collor, o surgimento de políticas indigenistas em diversos ministérios, como a de saúde indígena - estruturada a partir da Fundação Nacional de Saúde-FUNASA, em 1999, na gestão de Fernando Henrique Cardoso - colocaram os povos indígenas como interlocutores e, em certa medida, protagonistas de processos para os quais se faziam necessários conhecimentos aos quais não tinham acesso e que nem lhes chegavam com facilidade.

As propostas do governo federal sobre educação escolar intercultural, bilíngüe e diferenciada, suscitaram vários questionamentos por parte dos segmentos governamentais e não-governamentais quanto às políticas da diferença, em que a territorialização seria o eixo principal. Compreendia-sehaver a necessidade de capacitar os povos indígenas para que possam ser os coadjuvantes e protagonistas deste processo.

Deste modo, cursos e treinamentos proliferaram no formatos das agências internacionais e nacionais. Mas muitos indígenas defendiam que, além dessas capacitações, era necessário que fossem formados nas universidades, para que adquirissem os conhecimentos não-indígenas e se adaptassem às determinações dos novos direitos.

Hoje muitas organizações indígenas apóiam indígenas para que estudem nas universidades públicas, mas manter-se nelas é o maior desafio. Alguns, por esforço pessoal, trabalham e estudam nas cidades para o seu sustento próprio e dos seus estudos. A FUNAI tem sido um suporte quase único para isso, através de bolsas de estudos disponibilizadas por faculdades particulares de qualidade muito duvidosa.

Há, portanto, uma urgência em se pensar educação superior para povos indígenas, adequada às especificidades de cada povo indígena, criando-se mecanismos de acesso e permanência de indígenas nas universidades públicas.

1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES INDÍGENAS NO BRASIL

Hoje em todo o país há uma preocupação entre o "legal e o real" quando se trata de questões indígenas como: valorização da língua materna, ensino bilíngüe, formação de professores, respeito aos costumes e crenças, acesso aos conhecimentos, etc. Tudo isso demonstra que mesmo em meio a tanto descaso para com os indígenas, percebe-se que um novo olhar dialético vem sendo construído em nosso país.

A partir do período que compreende a ditadura militar, entre meados da década de 70, surgiram, no cenário brasileiro, organizações não-governamentais que passaram a atuar com os indígenas, buscando alternativas quanto à escola, suas concepções e práticas escolares, lutando por leis e regimentos que defendam os direitos dos povos indígenas. Lideranças e representantes das sociedades indígenas de todo o Brasil passaram a articular-se, buscando alternativas para problemas comuns – basicamente a defesa de territórios, o respeito á diversidade lingüística e cultural, o direito á assistência médica adequada e a processos educacionais específicos e diferenciados. Através de suas organizações sociais, os índios realizam assembléias, votam em diretorias, registram seus estatutos em cartórios, etc.

Diferentes experiências provenientes dos encontros com várias comunidades indígenas ocasionaram a elaboração de projetos educacionais específicos para as realidades socioculturais e históricas de cada povo. Além de apontar as insuficiências no sistema educacional como, por exemplo, a falta de professores indígenas lecionando nas comunidades, osindígenas propõem alternativas para contornar esta dificuldade em suas aldeias.

Conseqüência dessas reuniões foi a criação do COPIAM (Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia), com o objetivo de dar continuidade aos movimentos indígenas e promover encontros visando a busca de parceria entre os educadores, dando continuidade à troca de experiências e conhecimentos entre professores indígenas.

Através de encontros entre as etnias da Região Norte, precisamente em Roraima, as lideranças indígenas declararam não querer professores não-índios e exigiram professores de própria comunidade. Reivindicaram, ainda, um sistema de capacitação para índios adultos, com treinamento em marcenaria, enfermagem, veterinária, etc.,

Na III Assembléia Indígena do Acre/Sul do Amazonas, promovida em Rio Branco (AC), em abril de 1986, lideranças e representantes dos Kaxinauá, Iauanau, Katukina, Poianáua, Kaxarari, Kulina, Machineri, Arara, Apurinã e Nuquini produziram documento na área da educação escolar:

[...] Queremos que a FUNAI e a Secretaria do Estado dêem melhores condições para nossos professores indígenas ensinarem em nossas comunidades. Reivindicamos a ampliação do convênio FUNAI/Sec. De Ed./CPI-AC no sentido de treinar e contratar novos monitores indígenas (...) e que esta educação seja bilíngüe, resguardando a nossa língua e que as nossas escolas tenham um currículo e calendário próprio, de acordo com os costumes de nossas comunidades. (CEDI, in SILVAet al., 2001, p. 99-100).

O Estado de Roraima é o modelo de lutas na busca da educação indígena: na década de 30 teve estabelecidas suas primeiras escolas por iniciativa do antigo SPI. A educação disponibilizada nestas escolas era de responsabilidade da igreja católica e mais tarde passou a ser responsabilidade do governo. Com o ensino muito precário nas aldeias e com a necessidade de grandes mudanças, surgiu a OPIR (Organização da Educação Indígena de Roraima) que tinha por objetivo consolidar as bases de uma política permanente de formação de professores e material didático diferenciado; foram também criadas a APIR (Associação dos Povos Indígenas de Roraima) a DEI (Divisão de Educação Indígena) e a OMIR (Organização das Mulheres de Roraima).

A partir das reivindicações apresentadas em assembléias e encontros, resultados significativos aconteceram, como a promulgação da Constituição de 1988 que reconheceu, no capítulo "Dos Índios" (caput do artigo 231), "sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras".Na Seção "Da Educação" Art. 210, afirma-se que:

[...] o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada ás comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

As mudanças ocorridas nestes últimos anos no Brasil - quando se fala em educação escolar indígena e formação de professores indígenas - nos remetem ao pensamento de que só haverá escolas indígenas de qualidade se professores indígenas pertencentes às diversas etnias estiverem à frente desta luta. Só a partir do direito, assegurado por lei, de uma educação pautada nos princípios da diferença, da especificidade, do bilingüismo e da interculturalidade, o desafio de formar professores para as mais diversas escolas indígenas será alcançado.

Em várias regiões do país se tem encontrado meios de contornar o problema da falta de formação de muitos professores indígenas, haja vista a diversidade lingüística, cultural e histórica de muitas comunidades. O que muitos professores indígenas desejam é obter uma formação em magistério, e poderem oferecer a suas crianças os conhecimentos adquiridos na formação acadêmica. Grupioni (2003, p. 14) comenta:

[...] esses processos de formação almejam possibilitar que os professores indígenas desenvolvam um conjunto de competências profissionais que lhes permita atuar, de forma responsável e crítica, nos contextos interculturais e sociolingüísticos nos quais as escolas indígenas estão inseridas.

O professor indígena possui múltiplas tarefas dentro de uma comunidade: muitas vezes ele é o único representante do mundo fora da sua sociedade; cabe a ele refletir criticamente e buscar estratégias para a interação do conhecimento universal e dos próprios conhecimentos do seu grupo étnico.

Grupioni (2003, p.14) cita o Plano Nacional de Educação, comentando que, segundo tal documento, estabelecido pelo MEC ,os professores indígenas:

[...] têm a difícil responsabilidade de incentivar as novas gerações para a pesquisa dos conhecimentos tradicionais junto aos membros mais velhos de sua comunidade, assim como para a difusão desses conhecimentos, visando sua continuidade e reprodução cultural; por outro lado, eles são responsáveis também por estudar e compreender, à luz de seus próprios conhecimentos e de seu povo, os conhecimentos tidos como universais reunidos no currículo escolar (BRASIL, 2002, p. 20-21).

A primeira referência legal quanto à necessidade de formar professores indígenas qualificados para as comunidades encontra-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, em seu art. 79: "a união apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural ás comunidades indígenas, desenvolvendo-se programas integrados de ensino e pesquisa".

Esses programas não se limitam aos representantes indígenas, como consta em projetos anteriores. Isto pode ser confirmado com o texto da Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que institui o Plano Nacional de Educação (PNE). Com efeito, nas diretrizes da modalidade de educação indígena, esta lei estabelece claramente essa prioridade afirmando que a formação inicial e continuada dos professores índios deve ocorrer em serviço e concomitantemente a sua própria escolarização. Diz o texto:

[...] A educação bilíngüe, adequada às peculiaridades culturais dos diferentes grupos, é melhor atendida através de professores índios. É preciso reconhecer que a formação inicial e continuada dos próprios índios, enquanto professores de suas comunidades, deve ocorrer em serviço e concomitantemente à sua própria escolarização. A formação que se contempla deve capacitar os professores para a elaboração de currículos e programas específicos para as escolas indígenas; o ensino bilíngüe, no que se refere à metodologia e ensino de segundas línguas e ao estabelecimento e uso de um sistema ortográfico das línguas maternas; a condução de pesquisas de caráter antropológico visando à sistematização e incorporação dos conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades indígenas e à elaboração de materiais didático-pedagógicos, bilíngües ou não, para uso nas escolas instaladas em suas comunidades (Brasil, 2002b, p. 31).

O PNE estabelece, em cinco objetivos, as metas para a educação indígena: a profissionalização e o reconhecimento público do magistério indígena, a necessidade de se criar a categoria de professores indígenas como uma carreira específica do magistério, bem como a criação e manutenção de programas contínuos de formação de professores indígenas, inclusive para o ensino superior. Além da meta 16, o PNE trata da formação de professores e profissionais indígenas nas metas de número 15, 17, 19 e 20. Vale aqui destacar a meta de número 16 do PNE:

[...] Estabelecer e assegurar a qualidade de programas contínuos de formação sistemática do professorado indígena, especialmente no que diz respeito aos conhecimentos relativos aos processos escolares de ensino-aprendizagem, à alfabetização, à construção coletiva de conhecimentos na escola e à valorização do patrimônio cultural da população atendida.

A resolução nº 3/99, do Conselho Nacional de Educação, trata da formação do professor indígena nos artigos 6º e 8º, estabelecendo que a atividade docente na escola indígena será exercida prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia, e que a formação desses professores deverá específica, realizar-se-á em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a própria escolarização.

Os sistemas estaduais de educação deverão ofertar formação inicial e continuada de professores indígenas, contando com o apoio técnico e financeiro da União.

A trajetória dos povos indígenas no Brasil, nos últimos 500 anos, se formulou na idéia de que era necessário fazer a educação do índio. A escola passa a ser assumida pelos índios como uma necessidade de pós-contato, mesmo com todos os riscos, incertezas, dificuldades e resultados contraditórios ocorridos ao longo da história.

3 MAGISTÉRIO INDÍGENA EM RONDÔNIA

Hoje, o maior desafio da Educação Escolar Indígena é formar professores indígenas para as diversas escolas, capazes de discutir e articular ações voltadas para defender a educação da diferença, especificidade, bilingüismo e interculturalidade.

Em Rondônia, o I Encontro dos Professores Indígenas ocorreu em Vilhena, em novembro de 1990. Esses encontros contribuíram para a capacitação política dos professores e lideranças indígenas, possibilitando o reconhecimento dos professores indígenas como categoria profissional e assim puderam assumir a condução do processo de regularização de suas escolas.

Uma forma de acesso dos professores indígenas á educação superior começou a partir de 1997, mediante os cursos de magistério indígena. O Estado de Rondônia juntamente com a Secretaria de Educação/SEDUC, Universidade Federal de Rondônia – UNIR e entidades da sociedade civil promoveram a formação em magistério para vários professores indígenas do estado, através do Projeto Açaí – um programa que teve como objetivo primordial formar em magistério professores indígenas.A partir da conclusão do curso oferecido por este projeto, osindígenas- habilitados em Nível Médio - estão aptos a ingressar no ensino superior. O projeto teve como objetivo, ainda, melhorar a qualidade do Ensino Fundamental e implantar o Ensino Médio nas aldeias, promovendo um diálogo intercultural.

CAPÍTULO III

ACESSO E PERMANÊNCIA

DE ESTUDANTES INDÍGENAS NO ENSINO SUPERIOR

NA CIDADE DE PORTO VELHO – RONDÔNIA

Um elemento facilitador para a realização deste trabalho foi a participação anterior da pesquisadora no Programa de Extensão Universitária – PROEXT, no Projeto "Convivendo com a Diversidade", durante o ano de 2006. Através daquele Projeto, a pesquisadora já conhecia alguns dos estudantes, pois estivera auxiliando-os na leitura em língua portuguesa; no período de 2006, alguns destes estudantes indígenas estavam ingressando no primeiro período da faculdade, sendo auxiliados com a leitura, compreensão e interpretação de textos.

Neste capítulo tem-se como objetivo, portanto, descrever o processo de acesso e permanência de indígenas no Ensino Superior, na cidade de Porto Velho. Para tanto, foi realizado um levantamento das informações sobre os estudantes indígenas: quem são quantos são em que Faculdades estudam e onde encontrá-los.

A idéia em pesquisar estes estudantes indígenas surgiu da curiosidade de saber quais representações eles têm do Ensino Superior; qual a importância de estudarem e se qualificar profissionalmente; de quem foi à idéia de cursar o Ensino Superior, se partiu deles mesmo ou se alguém os incentivou; se gostam de estudar e o porquê de estudarem; questionar sobre a instituição onde estudam; se eles gostam e se sentem bem naquele recinto; se há alguma forma de discriminação por serem indígena; quais as dificuldades que passam enquanto estudantes indígenas em relação às disciplinas dos seus respectivos cursos, aos colegas de sala de aula e aos professores; como é que acontece essa relação interpessoal.

Foram gravadas entrevistas com alunos indígenas que estão cursando o Ensino Superior em Porto Velho/RO, visando conhecer como acontece sua inserção no Ensino Superior e como se encontram atualmente enquanto estudantes e quais suas vivências e perspectivas em relação ao Ensino Superior.Outro fator relevante foi saber se há ou não contribuições governamentais e não-governamentais e de organizações indígenas para o acesso e permanência destes alunos no Ensino Superior. Se existe alguma ajuda do Governo Federal para a compra de livros, transporte e alimentação para o custeio de todo o curso e se o que existe supre a permanência nos respectivos cursos.

Quanto ao futuro profissional, qual a perspectiva em relação à profissão que pretendem exercer; se o conhecimento adquirido na faculdade tem aplicabilidade nas suas aldeias.

1 A PESQUISA

1.1 COLETA DE DADOS: O TRABALHO DE CAMPO E OS INSTRUMENTOS

A pesquisa de campo consistiu de duas etapas. Na primeira etapa foi realizada coleta de informações junto ao setor de Educação da FUNAI em Porto Velho. A segunda etapa consistiu de entrevistas junto aos estudantes indígenas. A realização do trabalho foi devidamente autorizada pelo Sr. Osman Ribeiro Brasil, então diretor da Administração Regional da FUNAI/Porto Velho.

Os dados como o número de alunos ingressos no Ensino Superior, Faculdades em que estudam, local de moradia (alguns moram em casas alugadas na cidade e outros moram na Casa do Índio), telefones de contato, entre outros, foram fornecidos pela Profª. Tânia Regina R. Silva, técnica de educação da FUNAI.

As informações fornecidas pela FUNAI facilitaram o contato com os estudantes indígenas, com os quais foi marcada uma entrevista. Antes da realização das entrevistas foi explicado aos entrevistados o objetivo do trabalho; também foi necessário explicar o que é um trabalho monográfico de fim de curso, cuja temática é conhecer a realidade de um estudante indígena no ensino superior, o acesso e permanência nas faculdades.

1.2 LEVANTAMENTO SOBRE INDÍGENAS NO ENSINO SUPERIOR EM PORTO VELHO

No primeiro levantamento realizado junto ao setor de Educação da FUNAI/Porto Velho, foram detectados 10 (dez) alunos indígenas de 5 (cinco) etnias diferentes em 3 (três) faculdades particulares, distribuídos entre os cursos de Administração, Biologia, Turismo, Enfermagem, Engenharia Florestal, Farmácia, Direito e Educação Física.

No segundo levantamento, foram detectados mais 04 (quatro) indígenas cursando o ensino superior, os quais recebem ajuda da FUNAI, mas são considerados desaldeados, pois sua filiação é com não-indígenas. Estes alunos são de 2 (duas) etnias diferentes distribuídos em 3 (três) faculdades nos cursos de Administração, Educação Física e Enfermagem; destes alunos, 2 (dois) não têm bolsa de estudo e 1 (um) tem bolsa de 30%. O quadro a seguir apresenta a relação das etnias, cursos, faculdades, bolsas e administração responsável (FUNAI - pólos de atendimento):


Autor: LEIDIANE DA SILVA FERREIRA


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