MEU PAI, UM PIONEIRO DE BRASÍLIA!



As lembranças e reminiscências costumam povoar as datas comemorativas. Esse é também o caso do Dia dos Pais. São feitas comparações do pai mais comum com super-heróis. É relembrado que ele é um exemplo a ser seguido, um homem a ser respeitado. Nos tempos atuais, nos quais os papéis estão totalmente subvertidos, o que podemos esperar?

Ao ver meu velho pai com 73 anos, vítima de AVC fulminante que o deixou com o lado direito paralisado, sinto o peso dessas tradições. Acostumado a ir e vir sem dar muita satisfação a quem quer que seja, agora queda-se desolado sobre uma cadeira de rodas. Debate-se onde teria errado e por que está nessa situação. Incrivelmente não se julga culpado por estar assim.

É extremamente difícil vê-lo nessa situação. Quando somos pequenos, acreditamos que nossos pais são eternos, vão viver para sempre. É um choque, crescer e descobrir que tudo não passa de tola fantasia! Por que tanta correria? Tanto desespero? Se o fim inexorável virá a todos irremediavelmente!

Em uma tarde qualquer, quis saber de meu pai como se tornou um pioneiro de Brasília. Foi depois de sair de sua terra – Crateús no Ceará – e tentar a sorte no Rio de Janeiro como baiano – todo nordestino no Rio é baiano –, rumou para o Planalto Central após a convocação de Juscelino Kubitschek. Buscava o sonho e a esperança.

"Em meio à terra virgem desbravada
na mais esplendorosa alvorada
feliz como um sorriso de criança
um sonho transformou-se em realidade
"
 (Brasília, Capital da Esperança)

Chegou à terra de chão vermelho pungente em 1957. Mal pousou a mala e começou a trabalhar como servente na concretização dos traços de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Trabalhou muito e só foi rendido 48 horas depois, quando o apontador de obras o liberou. Dormiu um dia e meio para descansar. Nessa terra promissora vários homens foram enterrados com seus sonhos no concreto derramado em Brasília. O entusiasmo e a força do homem simples vindo de várias partes do país impediam a preocupação com a segurança no trabalho, além de escusos interesses. Algo inconcebível hoje em dia. Passou depois a ajudante de carpinteiro e, logo depois, a carpinteiro.

Foi interessante ouvir como suas refeições a base de marmita eram feitas encimado no caminhão de tijolos que atravessava o lago Paranoá ainda enxuto. Recorda a alegria do momento em que soltaram as águas para enfim encher o lago sem o qual não sobreviveríamos hoje.

No altiplano, antevisto por D. Bosco, não ocorria só trabalho! Havia diversão na Cidade Livre (hoje Núcleo Bandeirante)! Revelou que era um pé de valsa nos bailes de forró no Ceará e que se divertia nos momentos livres. Foi em uma dessas festas dos candangos, que ele viu pela primeira vez D. Angélica, garbosa e atraente. Ele ficou apaixonado!

Junto com as festas, surgiam também eventos de confronto com a polícia da época. O trabalho e o dinheiro atraíam não só sonhos e esperanças, mas também a cobiça, a trapaça e a violência.

Eram tempos românticos, do Presidente Bossa-nova! Era época dos versos de Vinícius e Jobim! Cinquenta anos em cinco!

Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com uma fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino. (Juscelino Kubitschek)

As promessas foram adiadas quando o céu nublou em torno da intolerância e do medo. A princesinha do cerrado e a princesinha do mar viram seus súditos serem perseguidos, mortos ou expulsos de sua presença. Elas se quedaram num torpor, como se tivessem se ferido na agulha da roca, após a maldição da bruxa. Esse sono durou longos vinte anos. Alguns poucos resistiram e lutaram para derrubar os muros da violência e da ignorância. Hoje tentam esmaecer as cores de algo que foi brutal.

A princesinha do cerrado é cinquentona, mas que ainda sonha que todos possam visualizar o esplendor do seu horizonte de pujança e alegria.

... quando Brasília fez maior a sua glória
com esperança e fé
era o gigante em pé...
(Hino oficial de Brasília)

Seu Manoel ainda queda-se desolado em sua cadeira de rodas. Tempos que não voltam mais....


Autor: Luzimar Paiva


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