A vergonha de ser honesto



Emanuel Moura
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“De tanto fazer crescer as nulidades, haverá um tempo em que os homens terão vergonha de ser honestos”, com esta máxima Ruy Barbosa parecia profetizar o que assemelha-se a um verdadeiro apocalipse das relações humanas. Felizmente, ele não viveu o suficiente para ver o cumprimento impecável de seu vaticínio. Para nós, que estamos vivos, resta-nos a vergonha de constatar que Barbosa estava certo.

Certamente o Criador deve tê-lo poupado de ter a visão, com um século de antecedência, do cenário patético, espalhafatoso, ridículo e boçal da odisséia de horror e vergonha que marcou a sessão do Senado Federal no dia 6 de agosto. Brasil (e mundo!) viu e ouviu por todos os meios e veículos possíveis quando os senhores Renan Calheiros e Tasso Jereissati –recuso-me a intitulá-los de senadores– resolveram protagonizar o circo dos horrores trocando agravos e palavrões que até de pensar é torpe.

A esta altura do campeonato, não vale mais a pena questionar o que motivou o início da discussão. Quem defendeu quem? Quem tem moral para atacar quem? Quem pode atirar a primeira pedra? Ninguém! O episódio me incentivou a, pela primeira vez, vir a público e registrar minha alegria e satisfação por ter votado nulo em todos os cargos da última eleição estadual e federal. Quando revelei a alguns amigos que havia feito isso, fui indagado do porque optei por esta atitude se sou um moço ‘tão esclarecido’.

Pois bem, justamente por ser esclarecido optei, e tenho grande chance de continuar optando, pelo candidato “Dr. Nulo”. No dia 6, a tranquilidade por não ser responsável pela presença de nenhuma daquelas pessoas naquele lugar foi um bálsamo para a alma e a certeza de que não errei.

Fui educado em casa e sempre vi no comportamento de gente decente que, ao presenciarmos o agravo entre qualquer pessoa, ou adotamos o “deixa-disso” ou, elegantemente, nos retiramos do local. Pelo que me recordo, as cenas mostram que a esmagadora maioria dos presentes no plenário do Senado permaneceram imóveis diante do circo. Pelo mínimo de nobreza que tivessem deveriam, na menor das possibilidades, fazer fila indiana e deixar os cachorros loucos se devorarem sozinhos. Mas, não! A sensação é que, instantaneamente, formaram torcidas e fizeram suas apostas para ver quem era melhor na patifaria.

Por um breve momento, parece que dá mesmo vergonha em ser honesto. Parece que não vale a pena evitar as escolhas que nos favoreceriam sobejamente e prejudicariam drasticamente a vida do próximo. Parece que ser mesquinho, avarento, mentiroso, hipócrita, ladrão dos homens e de Deus garante prestígio, fama e poder.
O poeta Asafe descreve sentimento semelhante no livro de Salmos. Felizmente, em um momento de restauração do equilíbrio espiritual ele constatou: “Bom é aproximar-me de Deus; ponho a minha confiança no Senhor” (Salmo 73:28). Sugiro que façamos o mesmo, para não perdermos a centelha de esperança que ainda existe.


Autor: Emanuel Moura


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