O EFEITO MORAL DA CATARSE



Catarse vem do grego kátharsis. Etimologicamente significa purgação, purificação, limpeza, ou ainda, significa igualmente o efeito moral e purificador da tragédia clássica, conceituado por Aristóteles, cujas situações dramáticas, de extrema intensidade e violência, trazem à tona os sentimentos de terror e piedade dos espectadores, proporcionando-lhes o alívio, ou purgação, desses sentimentos.

Com a expressão - catarse – surge também o conceito gramsciano de política. Para Gramsci, podem-se distinguir dois momentos na política.Política em sentido amplo: aqui a política é entendida como uma universalidade, como liberdade, orientando-se pela totalidade das relações subjetivas. Onde se insere o conceito de catarse? Onde para Gramsci há uma passagem do momento meramente econômico – ou egoísta-passional – para um momento ético-político. O momento em que uma classe passa a ser um bloco histórico com a conquista da hegemonia.Política em sentido estrito institui-se em um conjunto de práticas que se referem diretamente ao Estado, às relações de poder entre governantes e governados. Modernamente política é tida como ação. Só existe política (em sentido estrito) quando há governantes e governados, ou seja, uma divisão que tem origem com a formação de classes sociais e, portanto um fato que nem sempre existiu, e que isto, deverá desaparecer com o fim da sociedade de classes[i].

A catarse é uma mistura de alívio e prazer. Para Albin Leski, a catarse não está ligada a nenhum efeito moral, embora entender a questão desta forma soa como um anacronismo cristão. Ou seja, não há, no sentido próprio da Poética, uma "purificação do Espírito", uma ascese da alma. Os espectadores não se sentem melhores por expulsar o mal de suas almas, tal sentido se assemelha a uma moral cristã tal como a Idade Média admite. [ii]

Uma vez conhecidos os conceitos, cabem as observações a respeito do tema. A tragédia marca o ser humano com o sofrimento alheio e de quem a vive. Os traumas psicológicos oriundos destes eventos que ocorrem e perfazem a história, acabam por redimensionar o espírito humano para a solidariedade ou hipocrisia. O grau de sensibilidade da criatura humana é extremamente variável. Depende sempre do background de cada um e o quanto somos tolerantes às dores alheias, ou o quanto suportamos as nossas próprias. O fato é que somos tendenciosos a desenvolver resistência à emoção, não obstante os acontecimentos choquem pela sua transparente realidade. O inconsciente coletivo é frágil, e existe sempre uma tendência a sublimar a dor. Há uma tendência de sepultarmos lembranças dolorosas em algum canto de nosso cérebro, e fazer a vida continuar, ou mesmo compartilhar.  É a natureza humana.

            A superação de dramas vividos coletiva ou individualmente depende da relação do ser humano com seu meio, e a capacidade de repensar sua existência a partir das travas impostas pelo destino, ou pela sua própria escolha. Ninguém na verdade caminha para a tragédia a menos que assumidamente tenha sentimentos altruísticos extremos ou suicidas.

            O que efetivamente nos faz aprender com o sofrimento alheio é o conhecimento do risco imposto pela experiência vivida pelo outro, isso quando não nos colocamos como intocáveis e invioláveis, sem a menor chance de perpassar pela mesma experiência e desafiamos os limites do pré-concebido. O inesperado circunda a existência humana num largo espectro de possibilidades.         Quando há previsibilidade ou noção da sensação de risco somos tendenciosos a evitar experiências relacionadas nesta esfera de acontecimentos, enquanto sensação de perigo. Há momentos em que a esperança se apaga definitivamente da expectativa de viver um grande risco, mas, ao mesmo tempo, o renascimento é sempre uma possibilidade. Talvez isto nos faça resistentes até nosso último segundo existencial, alcançando a dimensão da racionalidade e da imprevisibilidade.

A cinematografia tem explorado sobremaneira o conceito de catarse para recriar situações em que os sujeitos possam interpretar as relações humanas antes de vivê-las. O fato que os meios de comunicação constituem um canal educativo de ações humanas é inegável. Muitas vezes as soluções para problemas reais advêm de um mundo imaginário. Porém, há caminhos reversos, quando aquilo que o imaginário projeta sobre o real, perfaz o aspecto pernicioso dos meios de comunicação. A ação inocente, por exemplo, de uma criança imitando super-homem e voando janela a fora, sem o menor senso de perigo e de resultado. Fala-se então em mimesis, que é exatamente a imitação do comportamento humano alheio.

Finalmente, há que se considerar a lapidação da espécie humana a partir das experiências vividas, ainda que com efeitos morais dolorosos e trágicos incorporados ou não ao inconsciente coletivo, mas é, sobretudo importante saber superar a dor, de maneira a promover transformações individuais e sociais relevantes.


[i] Disponível em <http://www.milenio.com.br/hs/catarse/geral/sigcatarse.htm> Acesso em 15.08.2009.

[ii] Disponível em < http://www.consciencia.org/antiga/aripoeti.shtml> Acesso em 15.08.2009.


Autor: ANTONIO DOMINGOS CUNHA


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