Os Dois Ramiros – Parte 2



É muito fácil falar de Ramiro Guedes. Mesmo porque não se trata de uma personalidade monolítica, mas multifacetada. Há o comunicador, o leitor antenado, o amigo pronto a estender a mão e, obviamente, o apresentador do clássico "Almoço à Brasileira".

Qualquer pessoa, mínima e razoavelmente desapegada do sentimento do despeito, concordará comigo quanto aos caracteres acima atribuídos a Ramiro Guedes da Luz.

No entanto, há outros tantos Ramiros ocultos sob a mesma persona: o pai de família amoroso, o escritor bissexto (autor de crônicas deliciosas – aliás, tenho comigo um poema de sua autoria, sobre o qual, com certeza, ele é bem capaz de desconversar e sustentar que não é um poema, apesar da forma e fundo poéticos). Aqui entra o Ramiro modesto (traço decerto herdado das Gerais, pois é mineiro da gema, teixeirense de coração e, talvez, venha a se exilar na Atenas baianeira, e virar itanheense tardiamente).

A maior cisma de Ramiro Guedes? Não é Dilma Rousseff não se eleger presidente do Brasil, ou o Cruzeiro não chegar entre os quatros finalistas do Campeonato Brasileiro, tampouco os pitagóricos se converterem em franciscanos de uma hora pra outra... Mas desembarcar em Itanhém e ficar de vez na terra natal de Bode Mé. (Será esse o motivo de o Almoço à Brasileira não ter sido transmitido ao vivo, no último dia 15/08, de lá?)

Há ainda o Ramiro politizado, militante petista ("pero sin perder la ternura jamás"); crítico feroz da politicalha nacional, seja em Teixeira de Freitas (a expressão "administração abatinada", em referência ao governo do Padre Apparecido, é criação ramiriana), em Salvador ou Brasília. Aliás, é hora de os leitores saberem que Ramiro Guedes já foi vice-prefeito de uma cidade do interior de Minas Gerais... Portanto, quando trata de questões políticas, ele costuma argumentar com conhecimento de causa.

Como eu falava no início deste perfil, o Ramiro comunicador – radialista e jornalista – é um mestre a quem somos unânimes em render elogios e deferência. Pelo fato de que, em qualquer circunstância, as posições e condutas deste profissional refletem uma coerência acima de qualquer suspeita. Isso vale também para o cidadão preocupado com Teixeira de Freitas, cidade que escolheu para viver e constituir família. Se me pedirem para apontar um morador exemplar desta cidade, não hesitarei: Ramiro Guedes. Por quê? Porque ama a cidade, briga por ela, se mobiliza em prol dela, critica a ineficiência do poder público, mas também elogia as conquistas administrativas; de alguma forma, participou, participa e participará de todo e qualquer movimento que objetive fazer da chamada capital do extremo sul uma cidade decente e digna da gente teixeirense. No entanto, não se sabe por quê, a Câmara Municipal ainda não concedeu o título de cidadão teixeirense a alguém tão comprometido com Teixeira de Freitas. Será que os ilustres vereadores não desconfiam que pessoas como Ramiro Guedes, Zé da Bahiana e Padre José são muito mais úteis à causa local do que, por exemplo, o estatístico que deu nome à cidade? Às vezes é preciso dizer umas verdades ainda que pagando o preço da deselegância!

Falar do Ramiro leitor é chover no molhado. Porque se trata do leitor mais antenado, crítico, voraz e "apocalíptico" (segundo a definição de Umberto Eco) de que se tem notícia na nossa comunidade. Para se manter em dia com as novidades literárias, Ramiro é capaz de receber na forma de livros o pagamento pelos anúncios da livraria Nobel que veicula em seu programa de rádio. Na última quinta-feira, quando tomamos parte na mesa julgadora do projeto Tempos de Arte Literária (TAL), ele estava acompanhado de "Kafka e a marca do corvo", romance biográfico sobre o escritor tcheco, de Jeanette Rozsas. Enquanto a maioria das pessoas ignora completamente a existência do autor de "A Metamorfose", Ramiro demonstra conhecer não só a obra do autor mas, também, as produções que norteiam um dos nomes mais importantes do modernismo mundial.

Convém acrescentar que, mesmo ao assumir a condição de leitor bem-informado, Ramiro se revela modesto. "Se não tenho talento para a ficção, procuro compensar cultivando o hábito de leitura", diz a modéstia em forma de gente.

Ramiro amigo, irmão e camarada. Nesse quesito, a minha suspeição é igual à gratidão que tenho com ele. De maneira que prefiro apelar para a memória dos leitores, com esta pergunta: existe maior prova de amizade e solidariedade do que aquela dada por Ramiro Guedes quando da morte do radialista Ivan Rocha? Recapitulemos, com o testemunho do Centro de Defesa dos Direitos Humanos do Extremo Sul da Bahia (CDDH). Durante o primeiro ano de desaparecimento de Ivan, Ramiro manteve um fundo musical permanente em seu programa, alertando para que o fato não caísse no esquecimento. Utilizava os versos da música "Achados e Perdidos" (do compositor Gonzaguinha, na voz forte e dramática de Maria Medalha): "Quem me dirá onde está aquele moço fulano de tal, amigo, irmão, namorado que não voltou mais? Insiste o anúncio nas folhas dos nossos jornais: achados, perdidos, morridos, saudades demais..." Em seguida, Ramiro cobrava das autoridades: "Hoje faz tantos dias do desaparecimento". Depois, apesar das intimidações, colocava no ar um número de telefone para quem quisesse fornecer informações.

Sob o comando de Ramiro Guedes, o "Almoço à Brasileira" vai ao ar, aos sábados, na Caraípe FM. Isso acontece há pelo menos duas décadas, ininterruptamente. Ao meio-dia em ponto, o extremo sul da Bahia se liga no palco radiofônico em que desfilam as melhores vozes da MPB. O repertório é de primeiríssima qualidade. Intransigente, Ramiro não abre exceção para gêneros menores como axé, sertanejo, pagodices e quejandos.

O programa funciona como um espaço cultural onde o poeta, o músico e o ator podem divulgar seu trabalho poético, musical e de raiz em geral.

O Almoço à Brasileira, pelo apoio que tem dado à cultura e pelos nomes de expressão que já passaram por ali, constitui uma referência no cenário cultural de Teixeira de Freitas e região. E Ramiro Guedes, com o bom gosto de sempre, segue dizendo não à mesmice e tornando nossas vidas mais alegres.

(A. Zarfeg)


Autor: A. Zarfeg


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