ASPECTOS HISTÓRICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SUA APLICABILIDADE AOS BANCOS



A necessidade de uma legislação específica que regulasse as relações de consumo surgiu em razão das revoluções industriais e tecnológicas as quais permitiram o consumo em massa. Após a Segunda Guerra Mundial, a difusão do capitalismo e o rápido crescimento do comércio mundial foram gradativamente rompendo as fronteiras comerciais, aumentando em larga escala o grau de complexidade das relações econômica.

Esse novo estágio das relações comerciais provocou o afastamento entre o consumidor e o fornecedor. Logo se constatou que o primeiro ficou desprotegido e a mercê do segundo, o qual possuía um poder econômico incomparavelmente maior para fazer prevalecer seus interessem nas relações de consumo. Foi nesse contexto histórico, no qual o código civil mostrava-se insuficiente para defender os consumidores, que o Estado se viu obrigado a interferir mais veementemente na vontade privada a fim de tentar equilibrar tais discrepâncias no intuito de promover a paz social.

A promulgação do Código de Defesa do Consumidor, por meio da lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, marcou um grande avanço na proteção das relações consumo, especialmente do consumidor, de forma a garantir o que já estava expresso na atual Carta Magna em diversos artigos.

Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos:

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor

Artigo 24º: Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

VIII: Responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico

Artigo 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

§ 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.

Artigo 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social, observados os seguintes princípios:

V: Defesa do consumidor (BRASIL, 1988)

Contudo, no que diz respeito às instituições financeiras, começaram a proliferar, em todo o Brasil, decisões judiciais fixando o custo do dinheiro com base no CDC, ao reduzir juros e encargos cobrados pelos Bancos, administradoras de cartões de crédito e seguradoras. Os magistrados passaram a conceber que, quando os juros e encargos pudessem ser considerados iníquos ou abusivos, ainda que regularmente contratados, estariam sujeitos ao controle jurisdicional das varas especializadas de consumo, em virtude da fragilidade presumida do consumidor perante a instituição financeira. Essa prática criou um risco ao equilíbrio do Sistema Financeiro Nacional, uma vez que, até então, os Bancos eram regulados de maneira mais branda apenas por legislações complementares, conforme determina a Constituição Federal na original redação antes da alteração preferida pela emenda constitucional nº 40 de 2003:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado por lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão fiscalizador;

IV – a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras públicas e privadas;

A interferência do CDC nas relações bancárias gerou a proposta da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591/DF, encaminhada em 26 de dezembro de 2001, a qual passou mais de cinco anos de tramitação no Supremo Tribunal Federal. A referida ADIN, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), tinha o objetivo de retirar do artigo 3º, §2º da Lei n. 8.078/90, a expressão "inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária".

Com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o qual considerava que a Constituição Federal de 1988 havia recepcionado com o status de lei complementar a Lei 4.595/64 que trata do Sistema Financeiro Nacional, a Consif defendeu que a ordem expressa no artigo 192 da CF já havia sido completamente referendando pela lei 4.595/64. Desta forma, como a lei havia delegado ao Conselho Monetário Nacional a tarefa de fiscalizar e regular o funcionamento das instituições financeiras, qualquer determinação derivada do legislador ordinário do CDC, que viesse a conflitar com as Resoluções do CMN, deveria ser considerada imprestável para tratar de tal assunto.

Desconsiderando tal premissa e rebatendo outras mais a respeito da incompatibilidade dos Bancos ao conceito de fornecedor, o Superior Tribunal Federal decidiu por nove votos a dois, que é absolutamente constitucional a aplicação da Lei 8.078/90 às atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras.

Embargos de declaração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso:

ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88.

INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE

DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONA-LIDADE JULGADA IMPROCEDENTE.

1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito.

3. Ação direta julgada improcedente. (BRASIL, 2006)

Assim, se agentes e usuários do sistema se enquadram textualmente na definição legal, é inútil qualquer socorro à Economia ou à Sociologia em busca de termos que desqualifiquem o enquadramento legislativo.

Insatisfeitos com esse desfecho, os Bancos ainda tentaram, mais uma vez, fugir da aplicação do CDC através do Projeto de Lei 143/2006, de autoria do Senador Valdir Raupp. Sua finalidade era deixar os juros remuneratórios dos Bancos fora de qualquer controle judicial através do acréscimo de mais um parágrafo ao artigo 3º do CDC com a seguinte redação:

§ 3º O disposto no presente Código não se aplica em relação ao custo das operações ativas ou à remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro, que obedecerá a legislação específica. (BRASIL, 2006d)

Contudo, a pressão social e política a favor da aplicabilidade do CDC às Instituições financeiras foram maiores do que o poder e a influência dos Bancos, de forma que, em 14/06/2007, o próprio Senador autor do projeto solicitou a retirada da sua proposta em caráter definitivo. Deste modo, o referido projeto de lei 143/2006 foi arquivado em 15/10/2007.

CONCLUSÃO

Apesar dos esforços das instituições financeiras a fim de afastar a aplicabilidade do CDC às relações bancárias, a jurisprudência pacificou o entendimento de que os Bancos estão sim submetidos às especiais garantias ao consumidor atribuídas pelo CDC.Não há como negar a característica de consumidor do cliente bancário. Poderá ele recorrer às proteções do CDC, a exemplo do ônus inverso da prova, sempre que constada sua vulnerabilidade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>. Acessado em 05 abr. 2009.

BRASIL, Projeto de Lei do Senado (2006d). Disponível em: <http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/8206.pdf> Acessado em: 10 jun 2009.

BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do Consumidor de da outras providencias. Presidência da República. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8078.htm> Acessado em: 04 mai. 2009.

BRASIL. Resolução 3518 do Conselho Monetário Nacional (2007). Disponívelem <http://www.cosif.com.br/mostra.asp?arquivo=r3518> Acessado em 09 de junho de 2009.

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, 2. ed. rev., Atual. E ampl., São Paulo: Saraiva, 2000.

CARVALHO SILVA, Jorge Alberto Quadros de. Código de Defesa do Consumidor Anotado. 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2002.

DANTAS, LUCIANA. Artigo sobre Consumidor equiparado: vítima da relação de consumo. Publicado em 26 de novembro 2007. Disponível em: < http://ibedec.org.br/cons_ver_artigo.asp?id=46> Acessado em: 04 junho 2009.

DONATO, Maria Antonieta Zanardo. A Proteção do Consumidor. SãoPaulo:Revista dos Tribunais, 1994.

MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor: arts. 1º a 74: aspectos materiais / Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003;

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Direito Material (art. 1º a 54º). São Paulo: Saraiva, 2000.


Autor: Thiago Lopes


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