O MOVIMENTO ESTUDANTIL E A REFORMA UNIVERSITÁRIA NA DÉCADA DE 1960: HISTÓRIA E CONFLITOS



Autora: Vanessa Ribeiro Andreto Meira

Co-autora: Arilda Inês Miranda Ribeiro

Introdução

O século XX foi marcado por algumas transformações, dentre elas, a ampliação do acesso ao ensino superior, com o intuito de acoplar cada vez mais mão de obra qualificada para o mercado em expansão.

Nesse sentido, Martins complementa:

[...] um conjunto de fatores tem contribuído para esse processo, tais como a valorização do conhecimento técnico e científico, como um dos ingredientes centrais das sociedades modernas, pressões por direitos sociais, aspirações de mobilidade social por meio do sistema educacional, por parte dos estudantes e de usas famílias, necessidade de aquisição de competências técnicas para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais instável e seletivo. (2006, p. 1002).

Diante disso, alguns autores apontam que por muitos anos o ensino superior atendeu grupos sociais dotados de condições financeiras mais favoráveis (MARTINS, 2006), realidade essa que se alterou, por meio do processo de ampliação do acesso ao ensino superior, favorecendo a integração de novos grupos sociais. Segundo Martins “as matrículas no ensino superior praticamente duplicaram nos quatro cantos do mundo: em 1975, somavam pouco mais de 40 milhões de estudantes” (2006 p. 1002-1003).

Paralelo ao processo de ampliação do ensino superior, pode se observar o surgimento de parcerias do setor público e o setor privado como uma estratégia de captação de recursos, com o intuito de compensar a tendência de retração do aparelho estatal no financiamento de universidades sob sua responsabilidade. (TORRES, 2006 apud MARTINS, 2009)

Com base nesses fatores, inicia-se uma forte tendência na constituição do setor privado na operação e oferta do ensino, com o surgimento de inúmeras universidades privadas. Além disso, o ensino superior:

[...] têm experimentado também uma ampliação de suas funções e raio de atuação. Além de desempenhar, seus clássicos papéis de ensino e pesquisa, têm assumido em diversos países outras funções, tais como contribuir para o fortalecimento da competitividade da economia, fornecer treinamento especializado para atender as necessidades do mercado de trabalho. (MARTINS, 2006, p. 1005)

No Brasil, a questão da ampliação do acesso ao ensino superior ainda passa por adequações e algumas questões precisariam receber mais atenção. Uma dessas questões é saber em que medida o surgimento de inúmeras universidades pode beneficiar o processo educacional, visto que, a qualidade da educação necessita ser o ponto de partida para a ampliação do acesso ao ensino e para a criação de políticas públicas que normalizem tal ação.

Nesse sentido, a década de 1960 representa um período de muitas ações e manifestações com vistas a mudanças no sistema educacional. Segundo Martins:

A última reforma do ensino superior brasileiro ocorreu em 1968. Teve como antecedente um significativo movimento de estudantes e de professores, que desde o início da década de 1960, vinham se mobilizando para imprimir novos rumos na incipiente vida acadêmica nacional. (2006, p.1006)

Além disso, esse período foi marcado pela ação das forças opressoras oriundas do governo militar, contrárias a qualquer manifestação que ameaçasse as idéias e a política vigente.

A reforma do ensino superior na década de 1960 foi como uma espécie de ponto de partida para a luta por uma melhor qualidade no ensino superior, mediante o contato da UNE com uma proposta já amplamente debatida no resto da América Latina, durante o 1.o Seminário Latino-Americano de Reforma e Democratização do Ensino Superior, realizado na Bahia. (GROOPO, 2005)

Uma série de novos encontros e seminários, debatendo o tema, se daria nos anos seguintes, organizados pela UNE. O II Seminário Nacional de Reforma Universitária realizou-se em Curitiba, no Paraná, em 1962, e produziu novo documento, a Carta do Paraná, reivindicando representação dos estudantes em um terço dos órgãos colegiados das universidades. Em 1963, um ano antes do golpe militar, o III Seminário Nacional referendou a Carta do Paraná. (SOARES, 2002)

Por outro lado, enquanto a UNE e as entidades estudantis ingressavam na Campanha da Reforma Universitária, o Congresso Nacional discutia e aprovava, em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A LDB foi integralmente condenada pela UNE, na Declaração da Bahia, expressa por meio de uma carta que tocava em pontos básicos, repetidos pelo movimento estudantil nos anos seguintes, misturando populismo, nacionalismo e a retórica da alienação com certa defesa do tecnicismo. (GROOPO, 2005)

As ações da UNE para tentar impedir a promulgação da LDB de nada adiantaram. A lei previa que, até 27 de junho de 1962, as faculdades enviassem seus estatutos reformulados ao Conselho Federal da Educação. Essa reivindicação gerou a grande ação da UNE no ano de 1962 com a organização da greve do um terço, que paralisou 40 universidades no Brasil sendo 23 federais, 14 particulares e três estaduais. (GROPPO, 2005)

O desencontro entre estudantes e Estado foi forte no governo de Castelo Branco, quando, diante das arbitrariedades do ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda, eles se reorganizaram em reação ao avanço do autoritarismo tecnocrático nas instituições de ensino superior. (GROPP0, 2005)

No ano de1964, a ditadura militar incendeia a sede a UNE, como forma de intimidação e invade as instalações da Faculdade Nacional de Direito, apreendendo documentos e acervos históricos do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, que versavam sobre as atividades da UNE.

O Prédio da Faculdade foi cercado por tanques e grupos paramilitares de direita, que metralham a fachada do prédio tentando incendiá-lo com os estudantes dentro. Essa ação foi contida pelo capitão de cavalaria do Exército e do Regimento Presidencial, Ivan Cavalcanti Proença, que ordena sua tropa a impedir o massacre. (MARTINS, 2006)

Diante disso, a UNE como uma forma de desafio as proibições e ameaças, a partir de 1966, passa a realizar clandestinamente seus congressos e no ano de 1968, integrando-se a uma onda mundial de protestos estudantis, ocupa no Brasil o principal papel no palco das grandes manifestações populares contra a Ditadura Militar.

Prisões e arbitrariedades eram as marcas da ação do governo em relação aos protestos dos estudantes, e essa repressão atingiu seu apogeu no final de março com a invasão do restaurante universitário "calabouço", onde foi morto Edson Luís, de 17 anos, no Rio de Janeiro, marcando o início de uma movimentação estudantil que envolveria, ao longo do ano, toda a vida nacional e que culminaria com a invasão e ocupação militar da Universidade de Brasília, em setembro e, em outubro, com a prisão de 920 estudantes no Congresso da UNE, em Ibiúna.

Em 1968, o ministério foi ocupado por outro político avesso ao diálogo, Tarso Dutra. Ele fez distribuir uma circular, endereçada às universidades do País, em 30 de janeiro, exigindo a elaboração de “fichas ideológicas” de professores e funcionários. Na verdade, em cada Estado, oficiais do Exército, seguindo doutrinas anticomunistas, supervisionados pela nascente comunidade de informações, cuidavam das políticas estaduais de educação. (MARTINS, 2009)

No tocante à política universitária, os governos militares nos anos 1960 celebraram os Acordos MEC-USAID, assinados entre o Ministério da Educação e Cultura e a United States Agency for Internacional Development (Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional).

Diante de um novo convênio assinado entre o MEC e a USAID, de Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior, as discussões estudantis retomariam, em 1967, com ainda mais críticas a esse projeto. No mês de março, a UNE tentou realizar um seminário em Niterói para organizar campanhas contra ele, mas as fronteiras do Rio de Janeiro foram fechadas para inviabilizar o encontro.

A política de privatização e os fatores oriundos desses acordos tinham dois sentidos: estabelecimento do ensino pago e outro, o direcionamento da formação educacional dos jovens para o atendimento das necessidades econômicas das empresas capitalistas. Segundo Martins “desde o final dos anos de 1960 até a década de 1970, a expansão do setor privado laico ocorreu basicamente através da proliferação de estabelecimentos de ensino isolados de pequeno porte” (2009, p.23). Paralelo a esses fatores, Soares aponta:

Após longos anos de penumbra, nos quais a reforma universitária era debatida, exclusivamente nos fechados gabinetes da burocracia estatal, iniciou-se em 1968, uma nova discussão. O congresso aprovou a Lei da Reforma Universitária (Lei nº. 5540/68) que criava os departamentos, o sistema de créditos, o vestibular classificatório, os cursos de curta duração, o ciclo básico dentre outras inovações. (2002, p. 33)

A reforma universitária possibilitou a profissionalização dos docentes e criou condições propícias para o desenvolvimento tanto da pós-graduação como das atividades científicas no país. Como a pressão pelo aumento de vagas tornava-se cada vez mais forte, logo após 1968, ocorreu uma expansão do setor privado, que criou inúmeras faculdades isoladas, nas regiões onde havia maior demanda, ou seja, na periferia das grandes metrópoles e nas cidades de porte médio do interior dos estados mais desenvolvidos. (SOARES, 2002).

Assim, nos anos recorrentes o Brasil contou com um grande número de universidades privadas, sendo o setor público responsável pelo desenvolvimento da pós-graduação e das atividades de pesquisa, o que culminou em uma modernização importante para o sistema universitário brasileiro.

Conclusão

Este artigo buscou analisar as posições do movimento estudantil brasileiro nos anos 1960, sobretudo em 1968, quanto às transformações sofridas pelo ensino superior e a relação entre universidade, sociedade e o setor privado. A mobilização de estudantes nos anos 1960 mostrou habilidade em pensar o processo pedagógico e as estruturas de ensino como elementos a serviço dos próprios agentes sociais, não apenas como técnicas de adaptação das novas gerações às transformações socioeconômicas.

Referências Bibliográficas

GROPPO, Luis Antônio. A questão universitária e o movimento estudantil no Brasil nos anos 1960. Impulso 40. book page 117, 2005. disponível em: www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf acesso em 12/07/09

MARTINS, Carlos Benedito. A reforma universitária de 1968 e a abertura para o ensino superior privado no Brasil. Educ. Soc, Campinas, Vol.30, n. 106, p. 15-35, jan./abr. 2009. Disponível em http:/www.cedes.unicamp.br

MARTINS, Carlos Benedito. Uma reforma necessária. Educ. Soc. [online]. 2006, vol.27, n.96, pp. 1001-1020. ISSN 0101-7330

SOARES, S. (Org). Educação superior no Brasil. Brasília, DF: CAPES/UNESCO, 2002.

TORRES, C.A. Globalization and higher education in the Americas. In: TORRES, C.A. (Org.). The university, State and market: the political economy of globalization in the Americas. Stanford, Ca: Stanford University Press, 2006

Bibliografia

ARAGÃO, Raymundo Moniz. A instrução pública no Brasil. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1985.

CORBUCCI, Paulo Roberto. Financiamento e democratização do acesso à educação superior no Brasil: da deserção do Estado ao projeto de reforma. Educ. Soc. [online]. 2004, vol.25, n.88, pp. 677-701. ISSN 0101-7330.

CUNHA, Luis Antonio.A universidade reformada. O golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

FÁVERO, Maria de Lourdes de A. Universidade brasileira em busca de sua identidade. Petrópolis: Vozes, 1977.

FERNANDES, Florestan. Universidade brasileira: reforma ou revolução? São Paulo: Alfa - Omega, 1975.

TEIXEIRA, Anísio. Ensino superior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de Janeiro: Ed. FGV. 1989
Autor: Vanessa Ribeiro Andreto Meira


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