As Medidas Cautelares E A Fungibilidade Estabelecida No Artigo 273, § 7º Do Código De Processo Civil



Palavras chaves: Tutela antecipada. Medida cautelar. Fungibilidade das tutelas de urgência. Permanência do processo cautelar.

Conceito e diferenciação das tutelas de urgência
A tutela antecipada prevista no artigo 273, inciso I do e a cautelar, nos artigos 796 e seguintes do diploma adjetivo civil constituem espécies do gênero “tutela de urgência”.
A Magna Carta, em seu artigo 5º, inciso XXXV, assegura o acesso à justiça, mas, não apenas formalmente, e sim, garantindo uma tutela efetiva, adequada e tempestiva. Nessa linha de raciocínio é que deve ser compreendida a tutela de urgência.
Nas palavras de Elias Marques Medeiros Neto (2003):

“Como resultado de uma criativa combinação de artigos e princípios, as medidas de urgência surgem como um importante elemento para o Direito Processual, devendo-se observar que é através delas que o Estado Juiz, diante de uma situação emergencial, possui adequadas ferramentas para evitar a chancela oficial da morosidade e da ausência de praticidade nas decisões judiciais”.

De regra, a prestação jurisdicional é entregue somente na sentença. Antecipar a tutela é concedê-la antes do momento considerado “normal”, ou seja, antes da prolação de uma sentença ou enquanto pendente recurso. Admite-se a sua existência uma vez que, entre os direitos fundamentais da pessoa se encontra o direito à efetividade. As tutelas antecipadas visam compatibilizar os valores rapidez e segurança, mas, de forma alguma, inibem ou substituem a tutela definitiva.
Segundo José Roberto dos Santos Bedaque (2004, p. 792):

“As tutelas provisórias destinam-se à compatibilização desses valores. Constituem técnicas processuais voltadas à obtenção de soluções imediatas, muitas vezes de conteúdo antecipatório do provimento final, para assegurar a utilidade deste último. Mas, como são tutelas provisórias, o resultado definitivo irá substituí-las. Caso a pretensão seja acolhida, a tutela final terá eficácia prática análoga à antecipada, com o acréscimo de eventuais efeitos não contidos nesta”.

Por sua vez, a tutela cautelar é aquela, que, servindo à defesa do próprio processo, visa superar os obstáculos temporais e garantir a efetiva prestação jurisdicional, exercendo função auxiliar e subsidiária.
Consoante a definição de Humberto Theodoro Júnior (2004), o objetivo da tutela cautelar nunca chega ao provimento de mérito visado pela parte, restringindo-se apenas às providências para assegurar o resultado prático do processo, no âmbito da cognição ou da execução.
Em linhas gerais, enquanto a tutela antecipada antecipa a fruição do próprio direito material discutido em juízo, a cautelar assegura a eficácia de um outro processo (o resultando útil de um outro processo).
A tutela antecipada é satisfativa e a cautelar, assecuratória.
Nas próprias palavras de Humberto Theodoro Júnior (2004):

“Enquanto a tutela cautelar é apenas conservativa, isto é, se ocupa em manter os elementos do processo em condições de serem úteis para a prestação jurisdicional que a seu tempo advirá-, a tutela satisfativa urgente volta-se para o problema de dar uma solução imediata, embora provisória, à pretensão de mérito, ou seja, para o pedido de tutela ao direito subjetivo da parte. Embora seja sumário e superficial o conhecimento desempenhado, o juiz, diante de uma grande probabilidade de sucesso da pretensão do litigante e da situação de risco (ou de relevância) em que o direito subjetivo material se encontra, fica autorizado a adotar um provimento de emergência para pôr o titular no exercício ou no gozo imediato de faculdades inerentes ao questionado direito subjetivo”.

O principal critério para a distinção entre tais medidas é o da referibilidade. Na antecipação de tutela, sempre há referibilidade entre a tutela antecipada e o bem da vida discutido na sentença, ao passo que, na medida cautelar, inexiste referibilidade, posto que não satisfaz (o bem da vida não pode ser antecipado).

A fungibilidade estabelecida no artigo 273, § 7º do Código de Processo Civil (fenômeno do “Sincretismo Processual”)
O poder geral de cautela, estipulado no artigo 798 do diploma processual pátrio, destinado a garantir o resultado útil de um processo, na hipótese de inexistência de previsão cautelar específica, passou a ter finalidade diversa na prática forense, sendo utilizado como técnica de sumarização da tutela jurisdicional definitiva, ou seja, como cautelar satisfativa.
Assim, conforme afirma Gilson Delgado Miranda, imperiosa era a modificação legal, a fim de evitar o ferimento das garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (2004, p. 789):

“(...) Pela via cautelar acabava-se adotando solução para o litígio, sem as garantias do devido processo legal, especialmente o contraditório e a ampla defesa. Daí a necessidade de o legislador regulamentar de forma mais precisa a antecipação dos efeitos da tutela, modalidade de medida de urgência. Essa preocupação faz-se necessária, principalmente se considerarmos os princípios do contraditório e ampla defesa, pois toda tutela urgente é fundada em cognição sumária e acaba implicando, em maior ou menor extensão, limitação a essas garantias constitucionais do processo. O abuso da tutela antecipada ocorreu não só no Brasil. Em países onde existe regra semelhante ao nosso art. 798, também se verificou esse uso possivelmente indevido do mecanismo cautelar, para concessão de tutelas urgentes não cautelares”.

Ante o abuso propugnado, fez-se necessária a criação do mecanismo de antecipação de tutela e, posteriormente, a fungibilidade das tutelas de urgência.
Nos dizeres de Elias Marques Medeiros Neto (2003):

“Em função da utilização excessiva das medidas cautelares de cunho satisfativo, afastando-se, por diversas vezes, da defendida natureza instrumental do provimento acautelatório, houve a instituição, através da Lei nº 8952/1994, do artigo 273 do Código de Processo Civil, o qual disciplina a Tutela Antecipada”.

Como já afirmado, o critério para a distinção das tutelas emergenciais é o da referibilidade. Entretanto, muitos são os casos encontrados numa denominada “zona cinzenta”, visualizando-se uma tendência doutrinária e jurisprudencial de se abusar de tecnicismos para distingui-las. As diferenças teóricas entre tais medidas não são facilmente identificáveis no cotidiano prático.
Tal situação é explicitada por Luiz Rodrigues Wambier (2002, p. 32):

“Muitas medidas encontram-se em uma “zona cinzenta”, entre o terreno inequivocadamente destinado à tutela conservativa e aquele outro atribuído à antecipação. Estabelece-se, em virtude disso, verdadeira “dúvida objetiva”, semelhante à que autoriza, no campo dos recursos, a aplicação do princípio da fungibilidade. Assim, em casos urgentes, o juiz não pode deixar de conceder a medida simplesmente por reputar que ela não foi requerida pela via que considera cabível. Nessa hipótese, se presentes os requisitos, o juiz tem o dever de conceder a tutela urgente pretendida e, se for o caso, mandar a parte posteriormente adaptar ou corrigir a medida proposta”.

Por essa razão, o legislador, através da lei 10.444/ 02, estipulou a fungibilidade. A noção de fungibilidade está diretamente ligada à idéia de substituição, inerente ao atual contexto do processo civil de resultado. Tal mudança legislativa demonstrou a necessidade de aproximação das tutelas urgentes, a fim de que recebam o mesmo tratamento jurídico.
Neste diapasão, pode o julgador conceder a medida mais adequada ao caso concreto, sendo irrelevante um eventual equívoco do requerente na formulação do pedido em juízo.

Via de mão dupla
Embora o legislador tenha estabelecido a fungibilidade, mencionou apenas a hipótese de o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar e não a possibilidade inversa.
Diante dessa situação lacunosa, surgiram duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais.
De um lado, os negativistas, defendendo que o § 7º é uma verdadeira “via de mão única”. É dizer, que somente seria admitida a fungibilidade para substituir um pedido de tutela antecipada por provimento cautelar, haja vista que os requisitos para a concessão da tutela antecipada seriam mais rigorosos do que os pressupostos da medida cautelar. Além disso, defendem a existência de um obstáculo de ordem prática na questão da cautelar preparatória - neste caso, não haveria petição inicial da ação principal, e, portanto, nem mesmo o pedido da tutela final.
Por sua vez, uma segunda corrente, dispõe que o dispositivo seria uma “via de mão dupla”, decorrendo tal solução do preceito constitucional contido no artigo 5º, inciso XXXV. Não poderia ser admitida uma interpretação literal do § 7º do artigo 273, porque a fungibilidade de meios seria inerente ao processo civil de resultado. Por conseguinte, ainda que não houvesse previsão infraconstitucional, a fungibilidade deveria ser aplicada. Em se tratando de cautelar preparatória, em resposta ao pensamento anterior exposto, entende-se que, para a aplicação do instituto, o juiz deveria determinar a emenda da petição inicial, nos termos do artigo 284 do Código de Processo Civil, a fim de indicar a causa de pedir e o pedido daquela que seria a ação principal.
Sabendo-se que todo o nosso ordenamento jurídico é pautado na Constituição Federal e deve ser interpretado de acordo com os ditames desta, ainda que existam louváveis entendimentos diversos, mister se entender que a fungibilidade se trata de uma via de mão dupla.
De acordo com os estudos de Antônio Carlos Marcato (2004, p. 808):

“Embora o legislador refira-se somente à possibilidade de substituição da tutela antecipada por cautelar, não pode haver dúvida de que a fungibilidade opera nas duas direções, sendo possível conceder a tutela antecipada em lugar de cautelar”.

Completados por Cândido Rangel Dinamarco (2003, p. 92):
“A fungibilidade entre as duas tutelas deve ser o canal posto pela lei à disposição do intérprete e do operador para a necessária caminhada rumo à unificação da teoria das medidas urgentes – ou seja, para a descoberta de que muito há na disciplina explícita das medidas cautelares que comporta plena aplicação às antecipações de tutela”.

A permanência das tutelas cautelares
Inobstante existam entendimentos de doutrinadores de que o § 7º do artigo 273 do diploma adjetivo civil vise mitigar a aplicabilidade do processo cautelar na atividade jurisdicional, posto ser mais cômoda e barata a utilização da antecipação de tutela, esta não é a opinião mais acertada.
Em primeiro lugar, deve ser compreendido que, as tutelas antecipada e cautelar são diferenciadas e possuem finalidades estanques. Assim, seria impossível se admitir que o processo cautelar não tenha mais cabimento em nosso ordenamento jurídico.
Embora possa ter sido um pouco diminuída a sua utilização, o processo cautelar não perdeu o seu objetivo. Nos dizeres de Bruna Timbó (2005):

“Realmente, impossível negar que, conferida ao julgador a possibilidade de utilizar-se do princípio da fungibilidade das medidas, escoar-se-ia um pouco do conteúdo material das medidas cautelares. Contudo, ainda restarão ao processo cautelar autônomo três utilidades, quais sejam a ação cautelar incidental, tendo em vista a necessária estabilização da demanda acautelada que já fora ajuizada e, também, como forma de não tumultuar o processo com o novo requerimento; nas hipóteses em que a ação cautelar é daquelas que dispensam o ajuizamento da ação principal, exatamente por não se tratar de medida cautelar ou cautelar restritiva; e, por fim, nas hipóteses em que, analisando o caso concreto, seja de maior eficácia, devido à urgência, o ajuizamento de ação cautelar visando resguardar os direitos da parte”.

E consoante a jurisprudência de nossos tribunais:

“Com efeito, a Lei n. 10.444, de 07/05/2002, introduziu o parágrafo 7º, no art. 273, do Código de Processo Civil, criou a regra de fungibilidade processual recíproca entre medidas cautelares e tutelas antecipatórias, de modo a permitir ao juiz a conversão do pedido de tutela antecipada em medida cautelar, com o processamento desta em autos apartados. Com esta nova disposição, tem o demandante ora agravado a faculdade de optar pelo pedido de tutela antecipada ou pelo ajuizamento de cautelar, pois a Lei antes mencionada não visou impedir o ajuizamento de cautelares. Embora a existência de corrente jurisprudencial entendendo que a partir da incorporação do instituto da antecipação de tutela por nossa legislação processual, não mais se justificaria o ajuizamento de cautelar, quando o provimento da liminar pode ser obtido na própria ação de conhecimento, mediante antecipação da tutela, tenho que compete à parte autora decidir qual a melhor forma de obter o provimento judicial que objetiva conseguir.” (www.tj.rs.gov.br. Agravo de Instrumento n°70007523038. Relator - Nereu José Giacomolli - nona câmara cível)

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLÉIA. PEDIDO DE INTERVENÇÃO. ARTIGO 273, § 7º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.I - Consoante precedentes jurisprudenciais desta Corte, a regra do artigo 542, § 3º, do Código de Processo Civil, que determina a retenção do recurso especial, admite temperamentos, sob pena de se tornar inócua a ulterior apreciação da questão pelo Superior Tribunal de Justiça. II - Apesar de se ter deferido, em caráter liminar, a intervenção na pessoa jurídica, cujo pedido foi formulado em autos de processo de conhecimento onde se postulou a nulidade de assembléia, já à época em que proferida a decisão, doutrina e jurisprudência vinham admitindo a fungibilidade das medidas urgentes, tendência que culminou com a inserção do § 7º no artigo 273 do Código de Processo Civil pela Lei nº 10.444/02. III - Tal providência se justifica em atendimento ao princípio da economia processual, haja vista que nem sempre é fácil distinguir se o que o autor pretende é tutela antecipada ou medida cautelar, conceitos que não podem ser tratados como sendo absolutamente distintos. Trata-se, diversamente, de duas categorias pertencentes a um só gênero, o das medidas urgentes”. (RESP 202740 / PB ; RECURSO ESPECIAL 1999/0008245-1. Ministro CASTRO FILHO. TERCEIRA TURMA. DJ 07.06.2004 p.00215).

A real lição contida neste preceito é de que, no contexto do processo civil de resultado, deve ser admitido um sincretismo jurídico, a fim de se garantir a efetividade do processo. Atualmente, não pode ser perdido tempo discutindo a separação entre os processos ou formalismos inócuos, mas, pelo contrário, impera-se a busca pela realização material da justiça.

Conclusão
Com o advento da lei 10.444/02 fora expressamente admitida a fungibilidade das tutelas de urgência, atendendo aos anseios doutrinários e jurisprudenciais, haja vista que a tutela antecipada e a medida cautelar se caracterizam como espécies de um mesmo gênero e que, desta forma, melhor se atenderia aos objetivos constitucionalmente estabelecidos de garantia de efetividade do acesso à justiça. Todavia, não foi mitigado o processo cautelar, uma vez que seus objetivos e finalidades são distintos do fenômeno da tutela antecipatória. Assim, o que pretendeu o legislador não foi, de modo algum, excluir a realidade cautelar, mas evitar que o excesso de tecnicismo impedisse a concessão de medidas de emergência e prejudicasse o direito de muitos cidadãos, bem como a utilização de cautelares satisfativas, que desvirtuavam o processo civil.

Bibliografia
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. et al. Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
GOMES, Victor André Liuzzi. Os limites de aplicação das tutelas cautelar e antecipada. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/22602,1. Acesso em 17 mar. 2006.
MARCATO, Antônio Carlos. Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Atlas, 2004.
MEDEIROS NETO, Elias Marques. Medidas de Urgência - O necessário sincrestismo processual previsto no artigo 273, 7º, do Código de Processo Civil. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/10/59/1059/. Acesso em 17 mar. 2006.
MIRANDA, Gilson Delgado. Código de Processo Civil Interpretado. Antônio Carlos Marcato, coordenador. São Paulo: Atlas, 2004.
PEÑA, Henrique Tibúrcio. Tutela Antecipada: Questões de aplicabilidade. Disponível em http://www.advogado.adv.br/artigos/2001/henriquetiburciopena/tutelantecipada.htm. Acesso em 17 mar. 2006.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 21. ed. São Paulo: Liv. E De. Universitária de Direito, 2004.
TIMBÓ, Bruna. A fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar – mão dupla. Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/19/18/1918/. Acesso em 17 mar. 2006.
WAMBIER, Luiz Rodrigues, ALMEIDA, Flávio Renato Correia de, TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002.





Autor: Mariana Pretel


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