A mulher em “O departamento feminino do clube”, de Helena P. Cunha



Ione Barbosa de Oliveira**

Juliana P. de Assis

O feminismo faz parte daquele grupo de "novos movimentos sociais", que emergiram durante os anos 60 (o grande marco da modernidade tardia), juntamente com as revoltas estudantis, os movimentos juvenis, contraculturais e antibelissísta, as lutas pelos direitos civis, os movimentos revolucionários do "Terceiro Mundo", os movimentos pela paz e tudo aquilo que está associado com "1968".

(HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005 p.44)

Ao longo da história do século XX, surgiram movimentos sociais, que contestaram os modelos impostos pela sociedade patriarcal que difundiam a idéia hegemônica de Ocidente. Sendo assim, emergiram "novas formas de identificação coletiva-negra, mulheres, povos indígenas, pacifismo, juventude, movimentos religiosos" (BURITY, 2001:01). Grupos que questionaram o etnocentrismo e toda forma excludente em vigência.

A literatura feminina desde os anos 60 vem sendo motivo de estudos e pesquisas, fato não usual no contexto histórico, tanto da literatura brasileira, quanto na literatura mundial.Esse interesse surgiu devido a questionamentos e discussões levantadas por parte de escritoras indignadas com o descaso que a crítica dava a muitas autoras, já que, poucas escritoras tinham o reconhecimento da crítica, como: Raquel de Queiroz, Cecília Meireles e Clarice Lispector.

De acordo com Maria Consuelo Campos (1992, p.115) a categoria gênero ocasionou alguns abalos na tradição Ocidental, por conta da crítica feminista, que demonstra que a mulher sempre esteve sujeita em pelo menos dois campos específicos, no campo social e no literário. O cânone ocidental sempre privilegiou os escritos masculinos e rotulou as escritoras como algo obscuro, desprezando e excluindo seus escritos.

A crítica Feminista propõe revisão ao cânone, a fim de que os escritos femininos possam ser incluídos, reconhecidos e ressarcidos desse preconceito patriarcal.

Num país multicultural como o nosso é válido reconhecer todo tipo de "manejo da diferença em nossa sociedade" que representa a "não-homogeneidade étnica e cultural dessas sociedades" (BURITY, 2001:01), garantindo e assegurando a pluralidade de grupos e tradições existentes em nosso país.

Helena Parente Cunha, escritora baiana contemporânea, colhe os frutos da conquista pelo reconhecimento da escrita feminina, que só foi possível após longos anos de estudos, pesquisas e questionamentos acerca da igualdade de direitos entre os papéis sociais, desempenhados por homens e mulheres, tanto na esfera profissional, como pessoal.

Segundo Ana Maria Machado (1999, p.67), todo e qualquer texto é carregado de ideologia e que não há obra literária inocente. O conto "O departamento feminino do clube" representa a ideologia feminina, no que diz respeito ao desempenho de papéis sociais entre homens e mulheres, pois se por um lado vemos a submissão de uma mulher, por outro vemos "milhares" de vozes femininas que lutam pelo reconhecimento, representadas pela narradora-personagem.

O feminino no pós-modernismo deixa para traz a submissão, o senso comum e segue rumo ao conhecimento, à autonomia. Faz-nos entender que o multiculturalismo, o hibridismo, essa heterogeneidade de idéias e conjuntos de relações sociais, produz um discurso que impulsiona a globalização.

O fenômeno da globalização funcionou como um divisor de águas, favorecendo a ruptura do local, regional e nacional. Tirando os movimentos sociais chamados minoritários do isolacionismo.

A categoria gênero toma outras proporções no mundo multicultural, pois leva em conta as particularidades de cada cultura, as práticas sociais e a recuperação do excluído na perspectiva dominante, como por exemplo, a mulher.

O conto "O departamento feminino do clube" constitui em uma narrativa do cotidiano de uma mulher, onde acontecem alguns diálogos entre a narradora e a personagem feminina do conto.

O título do conto nos remete a pensarmos, não exatamente no clube da Luluzinha, mas num lugar exclusivo, especial, próprio para mulheres do século XXI. Mulheres decididas, determinadas, contestadoras e que vão à luta. Ao lermos o conto nos causa uma grande surpresa, pois, nos deparamos com uma mulher moderna, já que ela trabalha fora para ajudar nas despesas do lar, a surpresa está na submissão que nos lembra séculos anteriores ao século XXI.

No conto a autora nos descreve uma personagem que enraizou os ensinamentos da sociedade patriarcal, e uma narradora- personagem que contesta, questiona e indigna-se com tanta passividade. Neste conto está evidente a relação de poder, do domínio dos homens, e da submissão, do consentimento das mulheres no que diz respeito aos papéis sociais desempenhados por homens e mulheres na sociedade.

Essa relação homem-mulher pode ser facilmente explicada historicamente. Nossa sociedade por muito tempo foi patriarcal e os papéis sociais de homens e mulheres foram bastante definidos. Onde o homem era o provedor e a mulher a progenitora, aquela que cuida da casa e dos filhos.

No conto essa definição de papéis é facilmente identificada, "nós é que fazemos a arrumação e a limpeza do salão de festa, do restaurante e da área da piscina" (p.42), mostrando que o papel da mulher se resumia aos afazeres domésticos. Enquanto que os homens, "as mesas dos homens ficam ao lado da sala de bilhar" e ainda "eles conversavam, falavam dos negócios deles, fumam, tomam café, bebem conhaque..." (p.43), como prova de que aos homens não compete o que seria obrigação das mulheres.

"... Os olhos das mulheres desse seu clube são todos da cor do mar sem maré? Não existe olhar de tempestade em meio das ondas e dos rochedos, nenhum olhar de afundar o barco ou mudar a cor da bandeira no alto do mastro?" (p.43). Trazendo para nossa linguagem popular é como se a narradora dissesse assim: "não existe entre vocês mulheres que têm sangue na veia não, é? nenhuma que queira dar um novo rumo a sua vida?

As metáforas usadas nos fragmentos supracitados denotam a inquietude da narradora diante do conformismo das mulheres que permitem e aceitam os padrões e regras estabelecidas pela sociedade. E demonstra que as mulheres do conto são todas pacatas, resignadas e que foram criadas, educadas para servir ao marido.

Essa servidão ao marido representa para estas mulheres a felicidade e a satisfação, sem este servir seriam provavelmente mulheres frustradas e infelizes. Se tudo está perfeitamente bem por que revoltar-se?

A narradora é, digamos que, o oposto da personagem, pois enquanto a personagem é calma e serena, conforme as metáforas "plácidas luzes verdes", e "verdes mares jamais bravios" (p.42), é evidente o tamanho da indignação e da revolta da narradora diante de tanta passividade e conformismo que podemos constatar no seguinte fragmento "Enquanto raios e coriscos rasgavam minhas pálpebras e os horizontes engasgados" (p.43).

A personagem do conto, representa o que (SCHIMIT,1995:183) chama de invisibilidade quando a personagem nega a "legitimidade cultural da mulher como sujeito do discurso", pois, ela vive em função da vida do marido e não da vida dela.

A mulher deste conto "O departamento feminino do clube" contrasta de maneira clara com a mulher do conto "O namorado", também de Helena P. Cunha. O conto "O namorado" representa o exemplo da quebra das definições de papéis atribuídos a homens e mulheres, e a certeza de que tais papéis são questionáveis mostrando a luta e a conquista pela igualdade de direitos.Enquanto que no conto "O departamento feminino do clube" representa a mulher que ainda não se desvinculou das velhas identidades impostas pela sociedade. Identidades estas que estabilizaram a sociedade durante muito tempo, de acordo com Hall (2005).

Esse conto é uma belíssima representação da história de muitas mulheres que ainda nos dias atuais, aceitam de forma passiva ema posição de inferioridade em relação ao homem. Sem refletirem a respeito do potencial feminino, aceitam e reproduzem um discurso que é absolutamente patriarcal e se condicionam a viver sua eterna "vidinha".

Com este conto Helena P. Cunhanos mostra a relação homem/mulher muito bem dividida, sonho de consumo de muitos homens, porém, esta relação apresentada pouco corresponde ao que vivemos neste século XXI. Século de auto-afirmação das mulheres após anos de luta pela igualdade de direitos.

REFERÊNCIAS

BURITY, Joanildo. Globalização e identidade: desafios do multiculturalismo. 2001

CAMPOS, Maria Consuelo. Gênero.In: JOBIN, José Luis (org.). Palavras da crítica: Rio de Janeiro: Imago Ed. 1992 Coleção Pierre Menard, p.115

CUNHA, Helena Parente. O departamento feminino do clube. In: Vento, ventania, vendaval. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998 p.42-43.

CUNHA, Helena Parente. O namorado. In: Vento, ventania, vendaval. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1998 p.47-49.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005 p.44-47

MACHADO, Ana Maria. Contracorrente: conversas sobre leitura e política. São Paulo: Ática, 1999.p.59-68.

SCHMIDT, Rita Terezinha. Repensando a cultura e o espaço da autoria feminina. In: NAVARRO, Márcia Hoppe (org.). Rompendo o silêncio: gênero e literatura na América Latina. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995.




Autor: Ione Barbosa


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