A DIGNIDADE HUMANA NO AMBIENTE DE TRABALHO



2.5 OS PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS: O DESRESPEITO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO AMBIENTE DE TRABALHO

Vendo-se acuado e marginalizado, os proletários da sociedade burguesa começam a reagir e se organizar em classes. Passam a reivindicar pelos seus direitos socioeconômicos.

Diante desse acontecimento social, surge um estudo proposto por Karl Marx que tem como foco a luta de classes, encontrando sua expressão maior no "Manifesto do Partido Comunista". Segundo este filósofo, a formação das sociedades tem sido um reflexo das lutas de classes, entre opressores e oprimidos (REIS FILHO, 1998).

Decorrência dessa sucessão de opressores e oprimidos é a substituição da sociedade feudal pela sociedade burguesa. Uma mudança que, em seu bojo, não tinha como interesse a abolição das contradições sociais, mas apenas a reorganização da luta de classes de uma nova sociedade que estava se formando. Ou seja, a sociedade burguesa veio para inovar a luta de classes, introduzindo novas regras para regulamentar uma conjuntura social que estava surgindo.

A antiga forma feudal de manufatura não atendia mais às necessidades mercantis, já não se adequava aos novos tempos capitalistas, e com isso surge uma nova divisão de trabalho. A manufatura é substituída pela indústria moderna, ao invés de pequenos produtores, surgem os burgueses modernos.

O estopim dessa nova ordem social, contudo, veio através da Revolução Francesa no século XVIII, que tinha como lema: "igualdade, liberdade e fraternidade". Ademais, em agosto de 1789, por meio da Assembléia Constituinte, sobreveio à promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, introduzindo na sociedade uma maior igualdade entre os seres humanos, pelo menos no âmbito formal.

Data vênia, não passava de uma nova divisão de classe disfarçada de uma revolução social, pois a partir desse momento a sociedade se rende ao capitalismo e a "pirâmide social" passa a ter como novo critério de formação o acúmulo de riqueza.

Reportando toda essa mudança histórica para a Constituição brasileira de 1988, nota-se um reflexo positivo de toda essa mudança social, pois emerge a normatização dos Princípios, dos Direitos e Garantias Fundamentais esquecidas pelas Constituições anteriores.

Os Princípios Fundamentais, em especial o da dignidade da pessoa humana, norteiam o Estado brasileiro e servem de embasamento para a formação de uma sociedade mais justa e democrática.

No caput do art.1º da Carta Magna chama-nos atenção a expressão: "Estado Democrático de Direito", que exprime a vontade do legislador por uma nação regida pela igualdade e justiça social. Um Estado formado pelo próprio povo, livre e digno em sua alma, fundado em valores originários de uma nação. Como expressou o jurista Miguel Reale, "um Estado de Direito e Justiça Social".

O que se percebe na conjuntura socioeconômica atual, com a ampliação gradativa do fenômeno do assédio moral, entretanto, é um total desrespeito à essa "justiça social" pretendida pelo legislador constituinte. Configura-se como uma transgressão ao mandamento constitucional, totalmente inadmissível, haja vista que se trata de uma cláusula pétrea, e como tal não deve ser modificada e muito menos desrespeitada como está sendo.

Deve o Estado se manifestar e impor normas rígidas às empresas – publicas e privadas – no intuito de acabar com esse fenômeno social destruidor, que só traz malefícios para a sociedade, tanto para o opressor e, principalmente, para o oprimido.

O que dizer, então, do inciso III do citado artigo?

III – a dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser encarado como o fundamento maior do Estado brasileiro, como a fonte principal que emana todos os outros direitos fundamentais, explícitos e implícitos. Esse princípio resguarda a honra e a autonomia do ser humano, tendo em decorrência disso a formação de uma sociedade justa e democrática.

(...) é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua, e não o meio da atividade estatal... (SARLET, 2004, p. 110-111)

Portanto, o Estado é constituído da pessoa humana e é dever deste proteger e zelar pelos seus integrantes. Ademais, o homem só deve ser vislumbrado como pessoa humana a partir do momento em que tem sua dignidade, sua liberdade e sua honra respeitadas, pois do contrário perderá sua essência e, conseqüentemente, perderá o Estado seu fundamento maior, que é o próprio ser humano em sua integridade.

O significado do princípio da pessoa humana é bastante antigo tendo sua origem desde o pensamento e da ideologia cristã:

(...) a idéia do valor da pessoa humana encontra suas raízes já no pensamento clássico e na ideologia cristã. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a conseqüência de que o ser humano é dotado de um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento. (SARLET, 2004, p. 111)

Observa-se, com isso, que há tempos já existia a repúdia do homem como um mero objeto ou instrumento, haja vista que o mesmo é dotado de uma característica própria, que é a dignidade humana, e que por causa dessa difere de todas as outras coisas e criaturas.

Além disso, deve-se entender que o valor humano, a dignidade humana, não deve ter diferença de uma pessoa para outra, pois parte-se da premissa que todos os homens são iguais, independente de raça, cor ou sexo, afinal faz parte da própria essência do homem.

Observa-se a preocupação do legislador com essa essência na Constituição de 1988, a partir do momento em que insere o princípio da dignidade da pessoa humana no rol dos princípios fundamentais, almejando pôr todos os homens em pé de igualdade, e, assim, atingir justiça social.

Para tanto, nos valemos, mais uma vez, dos ensinamentos de Ingo Wolfgang Sarlet:

Da concepção jusnaturalista remanesce, sem dúvida, a constataçao de que uma Constituição que – de forma direta ou indireta – consagra a idéia da dignidade da pessoa humana justamente parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão-somente de sua condição biológica humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados pelos seus semelhantes e pelo Estado (2004, p. 113).

Com isso, observa-se que o assédio moral é uma conduta social executada pelo homem contra o seu semelhante, que é digno de respeito tanto quanto àquele que o assedia. É uma prática totalmente intolerável, e que vai na contra-mão de uma ideologia classicamente difundida e consolidada, sem falar dos valores humanos, que por si só já são suficientes para fundamentar essa conduta social do mundo globalizado.

Vale mencionar, com o objetivo de ratificar a repúdia dessa conduta aterrorizante, o art. 1º da Declaração Universal da ONU (1948), deixando bem claro que ninguém é superior à ninguém no que se refere a dignidade de cada um, que todos nascem iguais, senão vejamos:

todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.[1]

Sendo assim, uma atitude que desmerece o semelhante, que compromete a integridade física e mental, que desrespeita um ser humano, como é o caso do assédio moral no trabalho, deve ser veementemente combatida assim como o crime de tortura e a proibição da pena de morte. As atitudes dessa mesma natureza vão contra o princípio da dignidade da pessoa humana, devendo o assédio ser colocado nesse patamar de intolerância e visto como um ato ilícito, tipificado no art. 183 do CC/02 e que enseja na reparação civil.

Art.183 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Outros fundamentos que devem ser levados em consideração para a formação de um Estado Democrático de Direito são os incisos II e IV, do art.1º da Carta Magna:

II – a cidadania;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

Estes dois incisos, juntamente com o da dignidade humana, deixam transparecer que a República Federativa do Brasil deve ser respaldada pela justiça e valores sociais, saltando aos olhos do leitor, mais uma vez, a questão da autonomia do homem no trecho em que o legislador cita a "livre iniciativa". Essa característica deve ser encarada como um dos fundamentos primordiais do ser humano e através daquela se constitui o cidadão.

Vale salientar, ainda, a preocupação do legislador em colocar a supremacia do interesse social em detrimento da injustiça e do simples interesse capitalista tão valorizado na atualidade, devido à filosofia do acúmulo de riquezas.

Tenta o legislador constituinte, incansavelmente, exprimir seu desejo de ver o bem-estar e a justiça social presentes na sociedade brasileira, haja vista que na carência desse objetivo o Estado brasileiro não estará respeitando a ordem social, como podemos perceber no art.193 da CF/88:

Art.193 – A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar social.

Dessa forma, o assédio moral surge como uma "praga ou epidemia" que se dissemina mundialmente, ameaçando a dignidade humana, o bem-estar e a justiça social.

Trata-se de uma conduta social repugnante, que tem por fim, mesmo sem ser percebida de maneira explícita, (a não ser pela vítima que passa pelas humilhações) a desconstituição dos princípios fundamentais que estruturam a nação.

Sendo assim, conclui-se que um fenômeno social que serve apenas para ofender ou violar a moral de uma pessoa e a ordem social não deve ser visto como algo normal e aceitável. Deve-se encarar o problema como de ordem mundial e bani-lo do âmbito das relações de trabalho, haja vista que só vem prejudicar o convívio social.

E por fim, diante da grandeza do problema, devem-se tratar as vítimas desse terror psicológico com uma maior atenção, disponibilizando atendimento médico especializado, além de punir os infratores desse ato ilícito, o que estudaremos no próximo tópico.


[1] Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acessado em: 20 de abril de 2007.


Autor: LUIZ ARAUJO


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