Integrando Nutrição e Desenvolvimento Sustentável: Atribuições e ações do nutricionista



A Agenda 21 é um documento assinado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no Rio de Janeiro em 1992. Seu objetivo principal é a busca do desenvolvimento sustentável. Este plano de ação possui como uma de suas demandas, a mudança nos modos atuais de consumo e produção, os quais causam sérios danos na saúde e no meio ambiente. Em cada sessão do ciclo de vida do produto, da produção ao consumo, é precípuo a participação do nutricionista. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo identificar as ações e o papel deste profissional no fomento da sustentabilidade. Para atender as exigências da Agenda 21 e a grande competitividade em todas esferas do setor alimentício, o desafio atual da nutrição é desenvolver estratégias, englobando em suas práticas aspectos econômicos, ambientais e socias. Somente desta forma, a saúde humana e da biosfera serão garantidas às gerações presentes e futuras.

Introdução

Em 1987, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento desenvolveu o relatório " Nosso Futuro Comum", conhecido também como Bruntland Report pelas Nações Unidas. Este documento trouxe pela primeira vez na comunidade internacional a interligação direta entre os problemas de pobreza, crescimento populacional, desenvolvimento industrial e social, esgotamento dos recursos naturais e destruição do meio ambiente.

Este relatório alerta quanto aos sistemas de desenvolvimento adotados pelos países desenvolvidos e seguidos pelos países em desenvolvimento. Concebendo desenvolvimento sustentável como "o desenvolvimentoque satisfaz as necessidades presentes sem comprometer as necessidades das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades" (Brundtland, 1987). Em outras palavras, o desenvolvimento sustentável busca e favorizauma harmonia entre os seres humanos , o homem e a natureza.

Ao reconhecimento dos problemas identificados neste relatório, foi criada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1992 no Rio de Janeiro, conhecida também como Eco-92, Rio 92 ou Cúpula da Terra. Nesta conferência internacional foram assinados 5 documentos importantes, sendo a Agenda 21 vista como o mais significante dentre eles.

A agenda 21 possui 40 capítulos. Se mostrando o capítulo 4 um dos mais importantes e que concerne os profissionais de nutrição, entitulado como " Mudança dos padrões de consumo".

Para obtermos uma compreensão mais ampla deste capítulo devemos primeiramente aplicar o termo sustentabilidade à ciência da nutrição. Logo, nutrição sustentável é aquela que contribui com as necessidades das gerações presentes sem colocar em risco as necessidades das futuras gerações.

Neste contexto mais abrangente e englobando os três aspectos fundamentais para se atingir sustentantabilidade (ambientais, econômicos e socias), o consumo e a produção de alimentos considerado saudável não deve ser, apartir deste conceito, definido apenas pela sua qualidade nutricional, mas igualmente por um sistema de produção de alimentos economicamente viável, ambientalmente sustentável e que assegure a dignidade humana.

Diante disso, o presente artigo aponta em um primeiro momento, os impactos dos sistemas de produção de alimentos. Em seguida, apresenta o papel e ações do nutricionista na promoção da sustentabilidade.

Sistemas de produção de alimentos

Durante muito tempo a estratégia foi de produzir em grande escala, rapidamente e o mais barato possível para atender a demanda do crescimento demográfico, levando a uma degradação da qualidade dos alimentos e do meio ambiente, sem acabar com a fome.

Cada etapa do ciclo de vida do produto traz consequências no meio ambiente, relevantes ou menores dependendo do alimento em questão (origem animal, origem vegetal, processado, da época...) e das técnicas utilizadas (consumo de energia, uso da terra, uso de água, toxicidade dos pesticidas, meio de transporte, distância percorrida e o empacotamento). Estas etapas têm continuidade até o consumo: transporte do alimento até o estabelecimento a ser consumido (lar, restaurantes, empresas...), acondicionamento (uso de energia), preparação (uso de energia através do cozimento ou descongelamento) e lixo.

Segundo a pesquisa realizada por Jungbluth e Frischknecht (2003) a consumação de alimentos contribui com 10 a 20% no impacto ambiental nos países desenvolvidos. Neste mesmo estudo, o uso de técnicas agrícolas apresentou impactos mais significativos quando comparado com métodos de produção menos intensiva como agricultura orgânica. Outra conclusão apontada foi que o consumo de carnes e de alimentos pré-prontos e ou congelados levam a um aumento nos danos ambientais ligados a elevada emissão de dióxido de carbono equivalente (CO2), dióxido de enxofre (SO2) e energia primária utilizada.

O consumo de alimentos fora da estação e provindos de outros países, foram também objetos de estudo nesta pesquisa, relatando que o consumo destes acarreta um aumento da emissão de gases na atmosfera através das longas distâncias percorridas entre uma região a outra, até mesmo de um continente a outro.

Sistemas de produção sustentáveis

Um sistema de produção de alimentos é composto por todas entidades e atividades relacionadas com o fornecimento de alimentos, incluindo a produção agrícola, transformação de alimentos, distribuição, comércio e consumo. Este sistema é considerado sustentável quando todas suas etapas respondem aos panoramas ecológicos, sejam socialmente e culturalmente aceitáveis e economicamente viáveis. A sustentabilidade destes sistemas são cruciais para garantir o abastecimento futuro de alimentos que proteja a saúde humana e do planeta.

Em um ou mais setores do sistema de produção de alimentos é notável o envolvimento do profissional nutricionista. Sendo assim, ele pode influenciar, defender e apoiar o desenvolvimento sustentável, respondendo a demanda do capítulo 4 da Agenda 21. Considerando as diversas áreas de atuação do nutricionista identifica-se o seu papel e suas possíveis ações no fomento da sustentabilidade:

Alimentaçao Coletiva. Setor de suma importância para a promoção de refeições sustentáveis pois apresenta uma atribuição destacável no setor de distribuição de alimentos, processamento e consumo através do aprovisionamento, preparo e distribuição de refeições. Ações identificadas:

  • Favorecer um diálogo com os fornecedores sobre o desenvolvimento sustentável;
  • Se informar quanto à origem e ao modo de produção dos artigos utilisados para o preparo das refeições;
  • Privilegiar um fornecimento racional de alimentos (atenção quanto ao tipo de embalagem e meios de transporte utilisados...);
  • Na elaboração dos cardápios, dar preferência aos alimentos produzidos na região, alimentos da estação e alimentos frescos;
  • Priorizar alimentos provindos de um modo de produção ambientalmente amigável (agricultura orgânica, sustentável...);
  • Preferir o uso de materiais e eletrodomésticos econômicos em energia e água;
  • Desenvolver e ou apoiar programas junto aos funcionários e clientes contra o desperdício de alimentos , o uso racional de água e energia, reciclagem e a coleta seletiva do lixo;
  • Realizar oficinas de sensibilização, palestras e confecção de material informativo.

No âmbito escolar, além das ações já citadas, a implementação de uma horta escolar e o encentivo à criação de hortas caseiras e comunitárias são práticas sustentáveis. Estes espaços se apresentam como instrumentos e meios de educação alimentar, ambiental e à cidadania. Pois envolvem o conhecimento e a prática do plantio, cultivo e colheita, colocando os alunos, a equipe escolare a comunidade em contato com o meio ambiente, o alimento e com os aspectos sócio-culturais. A horta apresenta-se sobretudo como uma complementaçao da alimentação escolar, permitindo assim, a inclusão de alimentos frescos e da época e reduzindo as despesas na aquisição de gêneros alimentícios.

Nutriçao clínica. Além dos pontos relatados na área anterior, neste campo, o nutricionista tem um contato mais direto, individual com cada paciente/cliente, por conseguinte, a orientação nutricional exibi-se como um instrumento de comunicação essencial e eficiente,pelo qual aplica-se o esclarecimento da importância do consumo sustentável (alimentos da estação, locais, frescos e não processados) e o seu papel na sociedade como consumidor consciente. Encentivar o uso de sacolas que possam serem reutilizadas , evitando a utilização de sacolas plásticas para as compras, é um tema que precisa ser mencionado.

Saúde Coletiva. Nesta esfera, o profissional colabora com:

·desenvolvimento de pesquisas com equipes interdisciplinares (meio ambiente e saúde, agriculturae nutrição, indicadores de consumo sustentável...);

  • promoção de eventos, feiras e congressos que sustentem a agricultura familiar e o desenvolvimento local;
  • criação, apoio e participação de programas e campanhas com governos, organizações não governamentais, instituições públicas e privadas ligados ao fomento e a sensibilização à produção e consumo sustentáveis.

Docência: Assuntos relacionados com agricultura, ciclo de vida dos produtos e meio ambiente devem ser abordados e debatidos nas disciplinas e nos eventos de nutrição e alimentação, assim como a pesquisa, capacitação e o voluntariado em programas afins necessitam ser estimulados. Atividades práticas como visitas técnicas em áreas de cultivo de alimentos e produção de alimentos locais (fazendas, sítios...), possibilizam o conhecimento, contato próximo com agricultores e a avaliação destes sistemas.

Indústria de alimentos: Desenvolvimento de produtos que sejam benéficos do ponto de vista nutricional e que respeitem o meio ambiente (embalagens ecológicas por exemplo).

Esportes. Os praticantes de atividades físicas, profissionais ou não, são mediadores fundamentais da informação e no exercício do desenvolvimento sustentável, pois estão diretamente relacionadas com qualidade de vida, inclusão social e meio ambiente. Assim como reportado nos campos anteriores, aimplementaçao das ações e atitudes já referidas são aqui indispensáveis.

Marketing. A comunicação quando efetiva, consegue levar a uma mudança na consumação da população exposta, consequentemente conduz à alteração nas formas de produção, formando consumidores exigentes e responsáveis. Atuações requeridas neste meio sobre o tema em questão:

  • Elaboração de ferramentas didáticas como panfletos, kits, guias;
  • Criação, manutenção e participação de websites, blogs e fóruns de discussão.

Outras atribuições: promover mercados locais, feiras; estimular discussões e iniciativas; dar suporte às políticas locais, estaduais e federais que aprimorem e protejam a qualidade da água, solo e do ar das polulações urbanas e rurais.

Discussão

A conexão entre a forma de produção, processamento, transporte, consumo dos alimentos e o impacto produzido na saúde individual e do meio ambiente não devem ser negligenciados.

Assim como os indicadores de produção e consumo sustentável precisam serem analisados e avaliados de um ponto de vista econômico, ambiental e social.

Devido a grande competitividade em todas as áreas do setor alimentício, o desenvolvimento sustentável vem como uma oportunidade de lançamento de políticas de inovação nas distintas esferas que os profissionais de nutriçao se destinam. Para isto, a capacitação é um meio indispensável.

Conclusão

As condições ambientais do mundo moderno, interconectados e orientados ao mercado e as consequências da produção e do consumo de alimentos conduzem um aumento na pesquisa e políticas nas quais os profissionais da nutrição devem se ingressar.

Para atender as exigências da Agenda 21 e a grande competitividade em todas esferas do setor alimentício, o desafio atual da nutrição é desenvolver estratégias, englobando em suas práticas aspectos econômicos, ambientais e socias. Somente desta forma, a saúde humana e da biosfera serão garantidas às gerações presentes e futuras.

Referências

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Autor: Keyla Preuss


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