A INFORMATIVIDADE EXPERIENCIAL: UM FATOR PERSUASIVO NOS ARTIGOS DE OPINIÃO DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO



A informatividade, aliada os demais fatores de textualidade, se constitui como um importante elemento para efetiva concretização de texto inteligível. No gênero artigo de opinião, ela figura como um fator de argumentação indispensável para principal função social desse referido gênero de texto, qual seja a de convencer o leitor, via argumentos, informações, dados numéricos etc., de um dado ponto de vista defendido pelo autor do texto. Dessa maneira, o presente trabalho demonstra que a informatividade tem relevância para a “força” persuasiva dos artigos opinativos de alunos do Ensino Médio, que foram produzidos durante a “Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro”, promovida pelo MEC em 2008. Além disso, demonstramos que essa mesma informatividade é oriunda, na maioria dos casos, do contexto extralinguístico, situacional do produtor textual, e não só do co-texto intertextual. Palavras-chave: Informatividade. Artigo de opinião. Ensino.

INTRODUÇÃO

Duas preocupações tomam conta da discussão acerca da produção textual em sala de aula: uma que concerne à abordagem microestrutural e/ou macroestrutural dos textos e a outra que aborda o trabalho com os mais vários gêneros textuais na escola. A primeira delas tem despertado muitas reflexões a respeito do que se deveria enfatizar no que condiz à análise avaliativa de produções textuais. Nesta, alguns professores – a maioria deles – priorizam, em suas análises, aspectos microestruturais como ortografia, pontuação, acentuação gráfica, etc. Outros dão mais ênfase a aspectos macroestruturais como a coerência textual (proporcionada pela coesão e pelos fatores pragmáticos da textualidade, especialmente a informatividade), o sentido global, enfim, a inteligibilidade dos textos. Dentre essas duas modalidades de análise, é consensual, entre os estudiosos, como, por exemplo, Costa Val (1999), Marcuschi (2002) e Koch (1997, 2002), etc., que se deve privilegiar o texto em seu sentido global, ou seja, deve-se concebê-lo como um todo significativo, enfatizando, dessa maneira, aspectos macroestruturais, de caráter semântico-cognitivo, obviamente sem esquecer-se de tratar, concomitantemente, de seus aspectos formais.

A segunda preocupação, como já enfatizado, diz respeito ao trabalho com os mais diversos gêneros textuais no âmbito escolar. Neste, as práticas docentes mais tradicionais dão mais ênfase ao trato de três modalidades básicas de sequência/tipo textual: a narração, a descrição e a dissertação, concebendo-os como as únicas possibilidades de realização formal das produções escritas, não diferenciando, dessa maneira, gênero de tipo/sequência textual. São adeptos da distinção entre gênero e tipo/sequência textual e do trabalho com os mais diversos gêneros em sala de aula, priorizando seus aspectos funcionais, autoridades na questão tais como: Marcuschi (2002) e Machado (2002), entre outros. Com base nessas referências, a atividade de estudo e produção dos gêneros textuais no âmbito escolar vem se consolidando na presente década. Nesse sentido, a abordagem dos mais diversos gêneros na sala de aula ainda se faz extremamente necessária, especialmente aqueles de caráter dissertativo-argumentativo.

Dentre os gêneros acima mencionados, um de caráter essencialmente argumentativo é bastante trabalhado no âmbito escolar: o artigo de opinião – doravante AO. A razão para inserção de tal gênero textual em sala de aula está no fato de ele pertencer à esfera jornalística – seja midiática (textos de opinião na web) ou convencional (jornais e revistas escritas) –, e esta mesma esfera veicular toda uma gama de informações político-ideológicas, que, constantemente, "formam" a opinião da parcela leitora da sociedade. Por isso, a abordagem do gênero AO na escola configura-se como uma excelente ferramenta para a formação linguístico-discursiva dos alunos, além de proporcionar-lhes o acesso irrestrito ao efetivo exercício da cidadania diante de questões polêmicas que permeiam a nossa sociedade, já que quaisquer posicionamentos sobre as mesmas requerem uma crítica, ou seja, uma opinião bem fundamentada.

Foi guiado por essa concepção, quase unânime, que o Ministério da Educação, em parceria com a Fundação Itaú Social e o Centro de Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) lançou, no ano de 2008, a "Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro"[1], que envolveu cerca de 202 mil professores e mais de 6 milhões de estudantes de todo o Brasil, em três categorias distintas: 5º e 6º anos do Ensino Fundamental (com o gênero poesia); 8º e 9º anos do Ensino Fundamental (com o gênero memórias) e 2º e 3º anos do Ensino Médio (com o gênero artigo de opinião – AO). O cadastramento das escolas foi realizado no período de março até maio, iniciando-se as oficinas de produção textual entre os meses de junho e agosto, concluindo-se a seleção dos textos precisamente no dia 18 de agosto. A fase final da olimpíada deu-se entre 21 e 30 de novembro daquele mesmo ano[2].

Em virtude do advento singular dessa ação institucional, que foi a realização da referida olimpíada, o presente trabalho monográfico tem por objetivo estudar se a informatividade é ou não um elemento persuasivo nos AO produzidos por alunos do Ensino Médio na "Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro", e ainda verificar se essa mesma informatividade, para a força argumentativa de tais artigos, se expressa co-textualmente (através de referências intertextuais de textos fornecidos pelo professor para a produção dos AO) ou contextualmente (por meio das informações do contexto comunicativo/situacional, que estão armazenadas nas experiências pessoais dos produtores, isto é, em suas vivências). Ademais, realizaremos um posicionamento crítico no tocante a importância da informatividade (ou seja, do contexto) e da intertextualidade (co-texto) para a adequada textualidade argumentativa do gênero AO, isto é, para sua tessitura argumentativa. Para tanto, nosso texto será dividido em dois capítulos distintos: o primeiro deles é dividido em três partes. Na primeira delas, estabeleceremos distinções entre gêneros textuais e tipos/sequências textuais e teceremos considerações teóricas sobre o gênero AO; na segunda, abordaremos considerações acerca do texto e dos fatores de textualidade; e, na terceira, falaremos especial e detidamente, sobre a situacionalidade, a intertextualidade e a informatividade. No segundo capítulo, intitulado "Tragédia de Camará: 'vi, li ou ouvi dizer?'" realizaremos a análise das produções textuais dos alunos, das quais faremos emanar os conceitos de informatividade experiencial imediata, informatividade experiencial mediata, informatividade híbrida e informações intertextuais.

A nossa pesquisa foi realizada na Escola Normal Estadual Oswaldo Trigueiro de A. Melo, em Alagoa Grande – PB, no período de julho a agosto de 2008. Os dados foram coletados junto a alunos(as),com faixa etária entre 15 e 17 anos, dos 2º e 3º anos do Ensino Médio do referido estabelecimento de ensino, todos de uma mesma classe social, residentes grande parte no próprio município ou em cidades circunvizinhas. A clientela da referida escola é composta, em sua grande maioria, por mulheres, que representam o percentual de cerca de 85%. A citada escola tem uma grande importância para região brejeira, haja vista que forma profissionais da educação que atuarão, mormente, na zona rural de municípios como Alagoa Grande, Alagoinha, Cuitegi, Juarez Távora etc., cidades que têm uma extensa área rural, carente de professores. Portanto, Escola Normal Estadual Oswaldo Trigueiro de A. Melo constitui-se em uma referência para quem almeja uma formação pedagógica em nível médio.

A nossa pesquisa-ação é predominantemente qualitativa. Atuando como professor-pesquisador, pude ter uma maior e bem mais efetiva interação com as turmas, fazendo-nos conhecer bem mais a fundo o perfil do alunado com quem estávamos lidando. Em nossa intervenção em sala de aula, valemo-nos não de uma sequência didática por nós elaborada, mas utilizamos o caderno Pontos de vista (em anexo), da "Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro", que apresenta toda uma sucessão de atividades didaticamente dispostas para uma satisfatória produção e refacção do AO. Os dados foram coletados entre os meses de junho – sendo interrompido pelas comemorações juninas – a agosto, em sua primeira quinzena.

Seguindo as orientações contidas no caderno Pontos de vista, iniciamos uma discussão sobre o AO e seu articulista. Posteriormente, realizamos as atividades em sala de aula para a confecção dos AO, as quais podem ser resumidas pelo quadro abaixo:

OFICINAS

BLOCO DE ATIVIDADES REALIZADAS

01

Contato com alguns AO e com suas características peculiares;

02

Busca de relações e diferenças entre a notícia jornalística e o AO;

03

Produção de uma primeira versão dos AO; identificação de questões polêmicas; reconhecimento de bons argumentos; escolha de uma dessas referidas questões; e a produção da primeira versão do AO;

04

Aprofundamento mais sistemático das características do AO;

05

Identificação de uma questão polêmica em um AO previamente selecionado pelos organizadores do manual da Olimpíada;

06

Trato com a construção dos argumentos sustentadores das posições defendidas nos AO, com os tipos de argumentos utilizados e com sua respectiva funcionalidade;

07

Identificação das marcas linguísticas que realizam a articulação entre os enunciados dos AO;

08

Identificação das "vozes" com quem o autor do AO dialoga discursivamente;

09

Delimitação da questão polêmica local e a busca de informações sobre a mesma; distribuição dos texto-base, fornecidos pelo professor-pesquisador;

10

Reescrita coletiva de uma produção textual – já selecionada no caderno Pontos de vista;

11

Produção de um AO a partir da temática local selecionada coletivamente na oficina nove;

12

Revisão final do texto elaborado na seção anterior.

Alguns esclarecimentos devem ser observados. Primeiramente, reorientamos algumas das atividades – já que assim poderia ser feito, conforme nos reza o caderno Pontos de vista ­(cf. pág. 05). Dessa maneira, na oficina três, quando fora realizada a primeira versão, já tentamos orientar a temática para uma abordagem mais local, com o intuito de facilitar o trabalho e, consequentemente, lograr mais êxito. Em segundo lugar, fornecemos, como constatado na tabela acima, alguns gêneros textuais que serviram como textos-base, nos quais os alunos-produtores buscariam informações para escreverem seus AO. Por último, realizamos mais uma revisão textual, indo além do que determinava o manual Pontos de vista, haja vista que tal revisão final, como já observado, era tarefa da décima segunda oficina.

Assim sendo, a pesquisa ora relatada se inspira nos referenciais sobre ensino de gêneros textuais, no que diz respeito aos aspectos teórico-metodológicos da realização da experiência focalizada, e se inspira nos referenciais sobre pesquisa-ação como técnica de coleta de dados.

1. MARCOS TEÓRICOS

1.1. Gênero textual versus tipo/sequência textual e o gênero "artigo de opinião"

Quem primeiro teorizou a respeito dos gêneros textuais em nossa sociedade foi o linguista russo Mikhail Bakhtin. Ele assegura que absolutamente todas as esferas da atividade humana são relacionadas ao uso da língua. Assim, sendo as estâncias das atividades humanas em sociedade bastante variadas, as formas de uso da língua(gem) também o são, haja vista que tal variabilidade condiciona, inevitavelmente, uma incomensurável diversidadede textos, sejam eles orais e escritos (BAKHTIN, 2000 [1929]).

Consoante Bakhtin (2000 [1929]: 279), os gêneros do discurso (nomenclatura utilizada pelo teórico russo) definem-se "não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas também, e sobretudo,por sua construção composicional" (grifos nossos), esta última aqui entendida como as sequências linguísticas que integram os referidos gêneros.

O autor supracitado ainda completa: "Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação" (p. 279). Bakhtin (2000 [1929]), finalmente, deságua na conceituação de gênero, afirmando que os mesmos são "tipos relativamente estáveis de enunciados", que ocorrem em dadas esferas de utilização da língua (p. 279; grifos do autor).

Em relação à dinamicidade dos gêneros do discurso, Bakhtin nos assevera que a diversidade e riqueza dos mesmos são infinitas, haja vista que a cada nova "variedade virtual" das ações humana um novo repertório de gêneros surge para suprir as inovações sócio-culturais, cada vez mais complexas e amplas (p. 279).

Concordando com Bakhtin, Marcuschi (2002) afirma que os gêneros textuais têm um caráter sócio-discursivo e são formas de ação social na esfera comunicativa da atividade humana. Eles não são estanques, pois surgem e adequam-se às necessidades sócio-culturais vigentes.

O mencionado autor ainda afirma que

os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se funcionalmente nas culturas em quese desenvolvem. Caracterizando-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas e estruturais. São de difícil definição formal, devendo ser contempladas em seus usos e condicionamentos sócio-pragmáticos caracterizados como práticas sócio-discursivas (MARCUSCHI, 2002: 20; grifos nossos).

Marcuschi assevera que, apesar dessa dificuldade de caracterização formal dos gêneros, não se deve desprezar as formas dos mesmos, salientando que "em muitos casos são as formas que determinam os gêneros e, em outros tantos serão as funções" (MARCUSCHI, 2002: 21; grifo nosso). Dessa forma, são inúmeros os gêneros textuais que circulam na nossa sociedade, quase incontáveis, já que são produtos do quotidiano da mesma, e suscetíveis a mudanças e adaptações conforme a necessidade de uso dos falantes. Já os tipos de textos são limitados quanto ao seu número e não partem de experiências sociais, estando mais ligados a forma. São cerca de meia dúzia de tipos/sequências textuais: a narração, a descrição, a dissertação, a argumentação, a injunção, o diálogo (conversação) etc.

Ainda abordando os aspectos sócio-discursivos (funcionalidade) dos gêneros, Miller (1984: 151), citado por Marcuschi (2002: 32), considera o gênero como uma "ação social" e afirma que "não se deve centrar-se na substância nem na forma do discurso, mas na ação em que ele (o gênero) aparece para realizar-se" (grifos nossos), ou seja, nos seus aspectos sócio-interacionais, na sua aplicação efetiva em uma determinada situação real de comunicação verbal. Ainda a respeito da funcionalidade dos gêneros textuais, Marcuschi, buscando os conceitos de Douglas Biber (1988), afirma que "os gêneros são geralmente determinados com base nos objetivos dos falantes e na natureza do tópico tratado, sendo assim uma questão de uso e não de forma" (MARCUSCHI, 2002: 34; grifos nossos).

Marcuschi ainda ressalta a relevância da distinção entre duas conceituações básicas: a de gênero e a de tipo/sequência textual. Consoante o teórico

Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza linguística de sua composição. Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. (MARCUSCHI, 2002: 22-23; grifos do autor).

Dessa forma, os gêneros estabilizam as atividades comunicativas do nosso dia-a-dia, embora não sejam uma materialização textual inflexível, sendo entidades sócio-discursivas bastante dinâmicas, segundo o autor. Provavelmente, por conta dessa maleabilidade é que os gêneros sejam de difícil definição formal, pois não se caracterizam por particularidades linguísticas e, sim, cognitivas e institucionais. Já o um tipo/sequência textual é caracterizado(a) por traços que formam uma sequência e não um texto, e quando o/a classificamos estamos nomeando um predomínio de um tipo de sequência, na qual outras sequências igualmente podem aparecer.

A partir das definições expostas anteriormente, Marcuschi (2002), esclarecendo a base distintiva das mencionadas definições, afirma ser a distinção

muito mais operacional do que formal. Assim, para a noção de tipo textual predomina a identificação de sequências linguísticas típicas como norteadoras; já para a noção de gênero textual predominam os critérios de ação prática, circulação sócio-histórica, funcionalidade, conteúdo temático... . (MARCUSCHI, 2002: 24; grifos do autor).

Dessa maneira, os gêneros textuais caracterizam-se como "entidades comunicativas" fundadas "em critérios externos (sócio-comunicativos e discursivos), enquanto os tipos textuais fundam-se em critérios internos (linguísticos e formais)" (MARCUSCHI, 2002: 34).

Koch (2002), mencionando os gêneros e as sequências/tipos textuais, assegura que imana da competência linguística dos falantes uma intuição para reconhecer e diferenciar tais unidades de linguagem:

Essa competência leva ainda à diferenciação de determinados gê­neros de textos, como saber se se está perante uma anedota, um poema, um enigma, uma explicação, uma conversa telefônica etc. Há o conheci­mento, pelo menos intuitivo, de estratégias de construção e interpretação de um texto. A competência textual de um falante permite-lhe, ainda, ave­riguar se em um texto predominam sequências de caráter narrativo, des­critivo, expositivo e/ou argumentativo. Não se torna difícil, na maior parte dos casos, distinguir um horóscopo de uma anedota ou carta familiar, bem como, por outro lado, um texto real de um texto fabricado, um texto de opinião de um texto predominantemente informativo e assim por diante (KOCH, 2002: 53)

Dessa forma, vemos que a competência sócio-comunicativa do falante/ouvinte é que o conduz a distinção dos gêneros e, consequentemente, a sua competência textual permite-lhe saber quais sequências predominam em um texto para classificar o seu tipo. Há, então, uma "capacidade metatextual" que provém do contato quotidiano do sujeito com os gêneros textuais. Obviamente, os falantes/ouvintes da língua têm a todo instante contato com algum texto, seja ele verbal ou não-verbal. Portanto, entendemos que, tendo este contato, todos eles desenvolvem certa capacidade de diferenciação entre um texto e outro por algumas características próprias de cada texto. Essas características próprias – entre elas o veículo da comunicação (portador do gênero), a linguagem utilizada, etc. – é que vão levar o falante/ouvinte, ao encontrar-se com diferentes textos, a saber que não se trata de textos do mesmo gênero, mesmo que talvez ele não saiba ainda a definição do que é um gênero textual.

Relacionando o trabalho com os mais diversos gêneros e o ensino de língua materna, Marcuschi (2002) afirma que

Tendo em vista que todos os textos se manifestam num ou noutro gênero textual, um maior conhecimento do funcionamento dos gêneros textuais é importante tanto para produção como para compreensão, e, segundo ele, é esta ideia básica que se acha no centro dos PCN (...), quando sugerem que o trabalho com o texto deve ser feito na base dos gêneros. (MARCUSCHI, 2002: 32-33; grifos nossos).

Assim sendo, o autor assevera que, na área de ensino de língua, "o trabalho com gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de se lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos no dia-a-dia" (Marcuschi, 2002: 35; grifo nosso), haja vista que o mesmo um instrumento importante para agirmos em situações de linguagem e ensino, potencializando, assim, a ação do falante/ouvinte, e a ação do educador e do educando.

Como já dito na introdução desse estudo, um dos gêneros mais trabalhados no meio escolar é o AO. E a razão é simples: sua funcionalidade e aplicabilidade em uma cultura jornalístico-midiática – mesmo que restrita apenas a uma parca parcela leitora da sociedade brasileira – para a formação de leitores/escritores críticos, no tocante à problemática social circundante.

Segundo Melo (2003), podemos julgar como AO tanto os textos divulgados na imprensa geral, quanto qualquer matéria na qual o autor exponha uma ideia a partir de sua dada opinião. Consoante essa última definição, o AO é um gênero pertencente à esfera jornalística, pertencentes à seção de opinião de jornais e revistas impressos ou midiáticos. Há também, conforme podemos constatar pela leitura de Melo (2003), que a concepção de AO varia de acordo com as especificidades dos jornais e revistas de cada país, região, etc., sendo denominado ora como artigo, artigos curtos, coluna ou comentário.

Rodrigues (2000) pontua precisamente a importância da abordagem sistemática do AO em sala de aula, sendo, portanto, um gênero de que a escola não poderá relegar como sendo insignificante:

a entrada dos diferentes gêneros jornalísticos [AO e outros] na escola com objetos de ensino/aprendizagem encontra seu respaldo na necessidade de compreensão e domínio dos modos de produção e significação dos discursos da esfera jornalística, criando condições para que os alunos construam os conhecimentos linguístico-discursivos requeridos para a compreensão e produção desses gêneros, caminho para o exercício da cidadania, que passa pelo posicionamento crítico diante dos discursos (RODRIGUES, 2000: 214).

Dessa maneira, o advento, no ambiente escolar, dos gêneros jornalísticos que propiciem um posicionamento mais reflexivo sobre a sociedade circundante é de extrema valia para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa, haja vista que os discentes, por meio deles, exercerão, na esfera da leitura e da escrita, a cidadania que muitas vezes lhes é relegada. Finalmente, a autora atesta importância e a conveniência do trabalho com o AO no ambiente escolar:

O ensino-aprendizagem da produção do artigo justifica-se pela sua relevância sociodiscursiva, dada sua importância como um dos instrumentos para a promoção da efetiva participação social do aluno-cidadão, um dos objetivos gerais do Ensino Fundamental, bem como pelo resgate da função social da escrita. Sua relevância destaca-se ainda pela sua dimensão pedagógica, quer dizer, pela função que pode desempenhar no desenvolvimento de conteúdos específicos da área de Língua Portuguesa (RODRIGUES, 2000: 216; grifos nossos).

A autora supracitada, ao definir e caracterizar o AO, conforme suas peculiaridades sócio-comunicativas, postula-o como

um gênero característico do jornalismo impresso e multimídia (veiculado pela Internet). Encontrando-se nos jornais normalmente nas páginas junto aos editoriais, caracteriza-se pelo fato de o autor normalmente ser alguém de fora da instituição, muitas vezes na posição de colaborador do jornal, que ocupa papel de destaque na sociedade (escritor, pesquisador, político, professor, médico, advogado, empresário, jornalista), que apresenta e sustenta seu ponto de vista sobre determinado fato, assunto da atualidade (RODRIGUES, 2000: 215).

Rodrigues (2000) assegura que, em relação à estrutura composicional do AO, uma de suas características mais evidentes é uma grande heterogeneidade genérica (de gêneros), ou seja, em sua composição linguística, no que se refere às sequências/tipos textuais, encontram-se fragmentos de relatos narrativos, descritivos, expositivos e, é claro, argumentativos, que servem mormente para sustentação dos argumentos veiculados no AO.

Rodrigues (2000) ainda ressalta que o conhecimento do AO na escola contribui enormemente para a inserção nas práticas letradas das classes mais excluídas socialmente, possibilitando-lhes uma maior participação na produção discursiva do meio jornalístico, já que "o artigo é um dos gêneros através dos quais, institucionalmente, o leitor pode se colocar na posição de autor" (p. 219), além de levá-los, de fato, ao mundo da escrita socialmente situada.

Ainda com relação ao gênero artigo de opinião outra autora, Kátia Lomba Bräkling, o define como sendo

um gênero de discurso em que se busca convencer o outro de uma determinada ideia, influenciá-lo, transformar os seus valores por meio de um processo de argumentação a favor de uma determinada posição assumida pelo produtor e de refutação de possíveis opiniões divergentes. É uma operação que prevê uma constante de sustentação das afirmações realizadas, por meio da apresentação de dados consistentes, que possam convencer o interlocutor (...) se trata de um gênero no qual a dialogicidade e a alteridade se evidenciam no processo de produção: não é possível escrever um texto no gênero se não se conseguir colocar-se no lugar do outro, antecipando suas posições para poder refutá-las – negociando ou não com ele –, na direção de influenciá-los e de transformar sua opinião, seus valores (BRÄKLING, 2000: 226-227; grifos nossos).

A mencionada autora afirma ser condição de existência característica para a produção de um artigo opinativo "que se tenha uma questão controversa a ser debatida, uma questão referente a um tema específico que suscite uma polêmica em determinados círculos sociais" (Bräkling, 2000: 227; grifos nossos). Além disso, de acordo com a estudiosa, são condições imprescindíveis à existência dos artigos de opinião: "as operações de sustentação, refutação e negociação das opiniões, a seleção de dados relevantes para a operação de sustentação de argumentos, identificação de contra-argumentos, adequação de argumentos em relação à situação de enunciação e ao interlocutor presumido, etc." (op.cit.: 234; grifos nossos).

Concordando com Bräkling, Gagliardi e Amaral (2008) asseguram que "sem questão polêmica não existe artigo de opinião", pois "a questão gera discussões porque há pontos de vista opostos sobre o assunto. Por isso, o articulista, ao escrever, assume uma posição, defende-a com argumentos e dialoga com diferentes pontos de vista que circulam sobre a polêmica" (Gagliardi e Amaral, 2008: 09; grifos nossos). Em relação aos articulistas, Gagliardi e Amaral (2008: 12) afirmam que os mesmos "são especialistas que escrevem artigos de opinião sobre algum assunto que está sendo discutido na mídia impressa, internet ou televisão". Além disso, as autoras salientam que, "no caso particular do artigo de opinião, o articulista é convidado por uma empresa jornalística para escrever porque é reconhecido tanto por ela como pelos futuros leitores como autoridade no tema tratado" (GAGLIARDI e AMARAL, 2008: 09; grifos nossos).

Conforme Bräkling (2000), é uma característica discursiva dos artigos opinativos a imagem do leitor para a exposição dos contra-argumentos, que são colocados com a finalidade de persuadi-lo. Já com relação às características (marcas) linguísticas, a referida autora aponta também: a organização do discurso em terceira pessoa, podendo também vir em primeira; o uso mais frequente do presente do indicativo ou também do presente do subjuntivo; o uso do pretérito em uma explicação ou apresentação de dados, presença de citações de palavras alheias, articulação coesiva por operadores argumentativos, etc. No que toca a progressão temática, Bräkling (2000: 227) cita "a ordem de apresentação da tese, conclusão, argumentos, contra-argumentos" e "a ordem de apresentação dos argumentos no que se refere à sua maior ou menor força locucional".

Cunha (2002), também tratando das características do artigo opinativo, afirma que o mencionado gênero textual tenta fazer valer uma convicção, um sentimento, um julgamento de valor a respeito de algo, argumentando "para fazer aderir ao seu ponto de vista (ponto de vista do produtor/artigo) e para criticar os outros com os quais mantêm uma relação de conflito" (CUNHA, 2002: 179; grifo nosso). Segundo a autora, nos artigos de opinião há, geralmente, o uso de dêiticos, os verbos apresentam-se no presente, podendo vir em primeira ou terceira pessoas, desde que haja, no texto produzido, uma sequência subjetivo-argumentativa. Além disso, nos AO, o dialogismo é não-mostrado e os argumentos vão do menos para o mais forte.

Bräkling (2000) ainda afirma que a escola deve, ao oferecer condições de produção de textos, fazer com que as produções escritas dos alunos tenham uma " 'publicação efetiva'; quer dizer, uma publicação que se assemelha àquela que se realiza em outras situações de enunciação externas à escola, nas quais se enuncia por meio do gênero trabalhado" (Bräkling: 245; grifos da autora). Trabalhar dessa maneira, afirma a autora, é a melhor forma possível de lidar com gêneros textuais do cotidiano extra-escolar.

Com relação à produção de artigos de opinião, a autora ainda assevera que, para que tal produção se efetive, são necessários dois aspectos básicos: a construção de um repertório temático (coleta de dados que tragam informações sobre o tema proposto para a produção do artigo de opinativo) e o desenvolvimento de uma sequência didática[3], que "são atividades que têm como objetivo a aprendizagem de características da 'estrutura (comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero'" (Bräkling, 2000: 224). Este último aspecto torna-se fundamental, pois, conforme a autora, "o desconhecimento completo do gênero" funciona "como um fator 'perturbador' do desempenho do aluno" (BRÄKLING, 2000: 230).

Assim, para uma efetiva realização do gênero AO em sua plenitude, faz-se necessário não somente o mero conhecimento de suas características estruturais peculiares, seu portador, suas marcas linguísticas, mas também, como acima asseverado por Bräkling, de uma boa suficiência de dados (um repertório temático), a fim de que o AO se construa com uma argumentação plausível. Assim, a busca por informação em outros textos (intertextualidade), bem como em nosso conhecimento de mundo, da situação, do contexto situacional de produção textual (informatividade e situacionalidade) são de extrema relevância para a feitura de uma razoável produção de texto. Nesse sentido, a busca por conceitos de fatores de textualidade (especialmente a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade), oriundos da Linguística Textual, faz-se necessária para que possamos melhor entender o funcionamento dialógico e sócio-comunicativo do AO. É disso que tratamos na seção subsequente.

1.2. Conceitos de texto e fatores da textualidade: um rápido olhar

Na Linguística Textual, os conceitos de texto variam de autor para autor, dependendo do enfoque dado à questão por cada estudioso. Porém, no transcorrer dos anos, o conceito de texto foi-se aproximando do que hoje se considera plausível, ou seja, um instrumento de interação sócio-comunicativo. Vejamos quais as principais conceituações relativas ao texto atualmente:

Em uma obra basilar para o estudo da Linguística Textual no Brasil, Fávero e Koch (1988) afirmam ser o texto, em sentido lato

toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano, (quer se trate de um poema, quer de uma música, uma pintura, um filme, uma escultura etc.), isto é, qualquer tipo de comunicação realizado através de um sistema de signos (...) o texto consiste em qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo significativo, independente de sua extensão. Trata-se, pois, de uma unidade de sentido, de um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza por um conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto – os critérios ou padrões de textualidade, entre os quais merecem destaque especial a coesão e a coerência (FÁVERO E KOCH, 1988: 25; grifos nossos em negrito e das autoras em itálico).

Costa Val (1999: 03), baseando-se também na Linguística Textual, define o texto ou discurso como "uma unidade linguística comunicativa básica", como uma "ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal"; a referida autora ainda completa: "um texto é uma unidade de linguagem em uso, cumprindo uma função identificável num dado jogo de atuação sociocomunicativa" (Costa Val, 1999: 02-03). Portanto, segundo a ótica da autora supracitada, o texto é concebido como uma unidade concreta, seja ela oral ou escrita, que cumpre, obrigatoriamente, uma função sociointerativa em um dado contexto comunicativo.

Já Koch (1997) conceitua o texto como sendo

uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes, durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais. (KOCH, 1997: 22; grifos nossos).

Como se pode perceber, tanto Costa Val quanto Koch enfatizam o(s) aspecto(s) semântico-pragmáticos(s) do texto, deixando inferir que a interação (ou a sociocomunicabilidade) só é possível, caso o(s) aspecto(s) linguístico(s) se harmonizem reciprocamente com o(s) semântico-pragmáticos(s), para a efetiva interpretação (por meio de estratégias cognitivas) de uma ocorrência textual em um determinado contexto de interação verbal.

Já Marcuschi define texto como

um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas. Por um lado deve preservar a organização linear que é o tratamento estritamente linguístico abordado no aspecto da coesão e, por outro, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas. (MARCUSCHI, 1983:13 citado por KOCH, 1997; grifos do autor).

Consoante os conceitos supracitados, o texto é concebido em seus fatores linguísticos (formais), semânticos e pragmáticos, sempre priorizando os seus usos socioculturais, para sua efetiva compreensão global via ativação de atividades cognitivo-interacionais.

Outra noção bastante recorrente na literatura da Linguística Textual é a de textualidade, que, de acordo com Costa Val (1999:4), é o "conjunto de características que fazem com que um texto seja texto, e não apenas uma sequência de frases". Segundo a mencionada autora, existem alguns fatores responsáveis pela textualidade, e estes dividem-se em três grupos: a) o formal, representado pela coesão; b) o semântico-conceitual, representado pela coerência; e c) o pragmático, representado pela aceitabilidade, intencionalidade, situacionalidade, intertextualidade e informatividade. Tais fatores, atuando em conjunto (a divisão é meramente didática!), fazem com que uma ocorrência linguística seja um texto inteligível para um determinado ouvinte e/ou leitor.

No plano formal, a referida autora afirma que a coesão é "a manifestação linguística da coerência; advém da maneira como os conceitos e relações subjacentes são expressos na superfície textual", sendo esta mesma coesão "responsável pela unidade formal do texto, construindo-se "através de mecanismos gramaticais e lexicais" (COSTA VAL, 1999: 06).

Já no plano semântico-conceitual, segundo a referida teórica, a coerência é o resultado "da configuração que assumem os conceitos e relações subjacentes à superfície textual", sendo "considerada o fator fundamental da textualidade, porque é responsável pelo sentido do texto" (Costa Val, 1999: 05). Ela ainda atesta que "o grau de textualidade de uma produção linguística é decisivamente determinado por sua coerência" (p. 128). Já Koch e Travaglia (2001 [1990]) afirmam ser

a coerência não apenas um traço ou uma propriedade do texto em si, mas sim que ela se constrói na interação entre os textos e seus usuários, numa situação comunicativa concreta, em decorrência de todos os fatores aqui examinados [coesão (elementos linguísticos), informatividade, intertextualidade, situacionalidade, aceitabilidade, intencionalidade, focalização, inferências etc.] (KOCH E TRAVAGLIA, 2001: 81)

Finalmente, Costa Val (1999) estabelece uma concomitância entre coesão e coerência textuais. Afirma a autora:

A coerência e a coesão têm em comum a característica de promover a inter-relação semântica entre os elementos do discurso, respondendo pelo que se pode chamar de conectividade textual. A coerência diz respeito ao nexo entre os conceitos e a coesão, à expressão desse nexo no plano linguístico" (COSTA VAL, 1999: 07; grifos da autora).

Com relação ao plano pragmático, Costa Val (1999) conceitua os cinco fatores anteriormente mencionados: a) a aceitabilidade "concerne à expectativa do recebedor de que o conjunto de ocorrências com que se defronta seja um texto coerente, coeso, útil e relevante, capaz de levá-lo a adquirir conhecimentos ou a cooperar com os objetivos do produtor" (p. 11); b) a intencionalidade "concerne ao empenho do produtor em construir um discurso coerente, coeso e capaz de satisfazer os objetivos que tem em mente numa determinada situação comunicativa". Segundo a autora, a meta da intencionalidade poderá ser "informar, ou impressionar, ou alarmar, ou convencer, ou pedir, ou ofender, etc., e é ela que vai orientar a confecção do texto (pp. 10-11)"; c) a situacionalidade[4] "diz respeito aos elementos responsáveis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a adequação do texto à situação comunicativa" (p. 12); d) a intertextualidade "concerne aos fatores que fazem a utilização de um texto dependente do conhecimento de outro(s) texto(s)" (p. 15) e, e) a informatividade "diz respeito à medida na qual as ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não no plano conceitual e formal" (p. 14).

Tais fatores, funcionado conjuntamente, farão que uma dada "ocorrência linguística" seja um texto inteligível, coerente. Claro que poderá haver uma predominância de algum dos referidos fatores de textualidade, mas, na maioria das vezes, eles ocorrem todos, em maior ou menor grau, nos textos de nosso cotidiano, com a função precípua de lhes darem a funcionalidade sócio-comunicativa de que tanto necessitam. Por exemplo, a intencionalidade irônica de uma piada, a informatividade necessária a uma bula de remédio, a intertextualidade peculiar de uma dissertação de Mestrado etc.

1.3. Um olhar mais detido sobre três fatores: a situacionalidade (o contexto), a intertextualidade e a informatividade

Em relação à situacionalidade, Costa Val (1999), como já dito, a concebe como sendo adequação do texto à situação comunicativa, ou seja, a uma espécie de contexto, tanto que a autora afirma ao conceituar esse fator da textualidade: "O contexto pode, realmente, definir o sentido do discurso [por ela entendido como texto] e, normalmente, orienta tanto a produção quanto a recepção" (p. 12). E completa: "Em determinadas circunstâncias, um texto menos coeso a aparentemente menos claro pode funcionar melhor, ser mais adequado do que outro de configuração mais completa" (p. 12).

Ainda a respeito da situacionalidade, Koch e Travaglia (2001 [1990]) apontam que pode haver dois direcionamentos distintos para tal fator: da situação para o texto e do texto para a situação. No primeiro caso, consoante os autores, "trata-se de determinar em que medida a situação comunicativa interfere na produção/recepção do texto e, portanto, no estabelecimento da coerência" (p. 68). Dessa forma, no sentido situação > texto, essa

situação deve ser aqui entendida quer em sentido estrito – a situação comunicativa propriamente dita, isto é, o contexto imediato da interação –, quer em sentido amplo, ou seja, o contexto sócio-político-cultural em que a interação está inserida (KOCH e TRAVAGLIA, 2001 [1990]: 70-71; grifos nossos).

Dessa maneira, podemos perceber que a situacionalidade está intrinsecamente correlacionada ao contexto comunicativo, seja este mediato ou não, haja vista que uma série de fatores situam, de fato, o texto para que o mesmo faça sentido para seus possíveis receptores. E esse contexto está evidentemente vinculado à situacionalidade, ao molde no qual um dado texto será veiculado.

Entre os autores que abordam o contexto,Koch (2002) afirma que vários autores já se posicionaram sobre a concepção de contexto, dentre eles Malinowski, Firth, Halliday, Labov, Hymes, Goodwin & Duranti, Goffman, Kleiber etc., mas sempre o concebendo de maneira bastante conflituosa, haja vista suas díspares interpretações sobre o referido termo (cf. Koch, 2002). Dos teóricos referidos acima, foi Malinowski quem idealizou os conceitos de contexto de situação (equivalente a situacionalidade, ao contexto comunicativo imediato, aos conhecimentos partilhados e, de certa forma à informatividade) e de contexto de cultura (cf. Malinowski, citado por Koch, 2002: 22). Posteriormente, Goffman cria a noção de contexto sociocognitivo, que se configuraria como uma espécie de junção de todos os aspectos que englobam, ao menos minimamente, uma amálgama de conhecimentos: enciclopédico, sociointeracional, partilhado, prévio, procedural etc. (cf. Goffman, citado por Koch, 2002: 23-24).

Koch (2002), concordando com o posicionamento do autor supracitado, afirma ser o contexto cognitivo o "carro-chefe" dos demais tipos de contexto, já que

tanto o co-texto, como a situação comunicativa, imediata ou mediata, bem como as ações comunicativas e interacionais realizadas pelos interlocutores passam a fazer parte do domínio cognitivo de cada um deles, isto é, têm uma representação em sua memória, como acontece também com o contexto sócio-histórico-cultural (KOCH, 2002: 24; grifos nossos).

Koch ainda nos alerta para essa pluralidade do termo contexto (sem adjetivação alguma!), no âmbito da Linguística Textual, para a abrangência de elementos que esse contexto assume para si, ao dar moldura para a coerência de um determinado texto numa dada situação de interação comunicativa:

O contexto, da forma como é hoje entendido no interior da Linguística Textual abrange, portanto, não só o co-texto, como a situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sociopolítico-cultural) e também o contexto sociocognitivo dos interlocutores que, na verdade, subsume os demais. Ele engloba todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dos actantes sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal: o conhecimento linguístico propriamente dito, o conhecimento enciclopédico, quer declarativo, quer episódico (frames, scripts), o conhecimento da situação comunicativa e de suas 'regras' (situacionalidade), o conhecimento superestrutural (tipos textuais), o conhecimento estilístico (registros, variedade de língua e sua adequação às situações comunicativas), o conhecimento sobre os variados gêneros adequados às diversas práticas sociais, bem como o conhecimento de outros textos que permeiam nossa cultura (intertextualidade) (KOCH, 2002: 24).

Contudo, é Kleiber (1997, citado por Koch, 2002: 25-27) quem nos fornece uma visão mais pormenorizada de contexto, uma vez que o autor categoriza as diversas modalidades de contextos possíveis. Dentre eles: contexto linguístico (co-texto) – mais relacionado à intertextualidade – versus contexto extralinguístico (ou situacional) – mais relacionado à informatividade; contexto imediato (microcontexto) versus contexto distante (macrocontexto); contexto do locutor versus contexto do interlocutor etc. Todos eles essenciais para a adequada interpretação dos textos nas situações de interação verbal, sejam faladas e/ou escritas.

Voltemos aos aspectos semântico-pragmáticos da textualidade. A respeito de alguns desses fatores da textualidade, especialmente a intertextualidade e a informatividade, Costa Val faz algumas observações relevantes. Como já dito em linhas anteriores, a intertextualidade, conforma a autora (1999), configura-se quando um dado texto dialoga com outros que lhe pré-existem, isto é, a coerência e ou inteligibilidade desse mesmo texto dependerá do conhecimento daqueles que lhe pré-existem e com ele dialogam. Já nas palavras de Koch e Travaglia (2001 [1990]), a intertextualidade é "outro fator de coerência (...) na medida em que, para o processamento cognitivo (produção/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento prévio de outros textos" (p. 75).

Koch e Travaglia (2001 [1990]) ainda dividem a intertextualidade em duas categorias distintas: a de forma e a de conteúdo. Consoante os mencionados autores, a "intertextualidade de forma ocorre quando o produtor de um texto repete expressões, enunciados ou trechos de outros textos, ou então o estilo de determinado autor de determinados tipos de discurso" (p. 75). Já em relação à intertextualidade de conteúdo Koch e Travaglia (2001 [1990]: 77) afirmam que a mesma se dá em uma constante, haja vista que "textos de uma determinada época, de uma mesma área de conhecimento, de uma mesma cultura, etc., dialogam, necessariamente, uns com os outros". Para os referidos autores, essa modalidade de intertextualidade subdivide-se em duas vertentes: a explícita e a implícita. No caso daquela,

o texto contém a indicação da fonte do texto primeiro, como acontece com o discurso relatado; as citações e referências no texto científico; resumos e resenhas; traduções; retomadas da fala do parceiro na conversação face a face, etc. Já no caso da intertextualidadeimplícita não se tem indicação da fonte, de modo que o receptor deverá ter os conhecimentos necessários para recuperá-la; do contrário, não será capaz de captar a significação implícita que o produtor pretende passar (KOCH e TRAVAGLIA, 2001 [1990]: 77).

Sant'Anna (1985) ainda distingue a intertextualidade das semelhanças da intertextualidade das diferenças: no primeiro caso, a relação intertextual dá-se com fidedignidade às ideias do texto original, ao passo que no segundo essa mesma relação acontece com uma "subversão" ao texto de origem.

Koch e Travaglia (2001 [1990]), ao abordarem a informatividade, asseguram que o presente fator da textualidade interfere decisivamente na coerência dos textos, tendo em vista que o nosso entendimento ou não do mesmo dependerá da quantidade de informação nele veiculado. Assim, se um determinado texto for muito informativo, ou seja, seu grau de informatividade disposta na superfície textual for alto, ele será menos previsível; ao passo que, quanto mais previsível ele for, seu teor informativo será muito baixo. E ainda completam:

É preciso que produtor e receptor de um texto possuam, ao menos, uma boa parcela de conhecimentos comuns. Quanto maior for essa parcela, menor será a necessidade de explicitude do texto, pois o receptor será capaz de suprir as lacunas, por exemplo, através de inferências (KOCH e TRAVAGLIA, 2001 [1990]: 64).

Tanto isso é verdade que Costa Val (1999), concordando com os autores supracitados, afirma que "um discurso menos previsível é bem mais informativo (...) Entretanto, se o texto se mostrar inteiramente inusitado, tenderá a ser rejeitado pelo recebedor, que não conseguirá processá-lo." Assim, o ideal será certa dose de equilíbrio entre a informação dada e a nova, dependendo, é claro, da situação comunicativa que será imposta ao texto no momento da interação verbal: "o ideal é o texto se manter num nível mediano de informatividade, no qual se alternam ocorrências de processamento imediato, que falam do conhecido, com ocorrências de processamento mais trabalhoso, que trazem a novidade" (Costa Val, 1999: 14). Ademais, a referida autora ainda destaca que um texto inteligível terá de apresentar também uma boa suficiência de dados, ou seja, apresentar todas as informações imprescindíveis para sua efetiva compreensão.

Ainda a respeito da informatividade, Costa Val assevera que tal fator, junto com a intertextualidade, compõe a matéria conceitual do discurso, que se realiza em boa parte por aspectos formais. Em outra passagem, declara: "a coesão é a manifestação linguística da coerência e, assim, a ela está inquestionavelmente associada, a informatividade se aplica tanto sobre uma quanto outra e, mais que isso, localizada no terreno cognitivo, guarda pontos de interseção com a coerência" (Costa Val, 1999: 38; grifos nossos), ou seja, de certa maneira está relacionada à aceitabilidade das produções por parte dos receptores da interação verbal. Outros elementos de ordem diversa, tais quais o conhecimento de mundo, o conhecimento partilhado, bem fronteiriços e inter-relacionados à informatividade, são de notável relevância para coerência dos mais vários gêneros textuais (Cf. Koch e Travaglia, 2001). Assim sendo, a autora propõe que é necessário, para que a textualidade se efetive, além de conceber um conceito mais amplo de informatividade, englobando a "suficiência de dados" e a "intertextualidade", a construção de uma tríade de fatores: coesão, coerência e informatividade.

Essa referida informatividade configura-se como um conceito muito amplo, haja vista que a busca por tais informações se dá muito multifacetada. Daí, muito do conteúdo informacional de um dado gênero textual advir da própria vivência de seu respectivo produtor. Deste modo, algumas informações de cunho pessoal, experiencial são de grande importância para constituição efetiva da textualidade, da coerência de uma produção escrita. Neste bojo de informações, a informatividade experiencial configura-se como uma relevante aliada a uma razoável textualidade, haja vista que o conhecimento de mundo do produtor, suas vivências pessoais, seus dramas contribuem decisivamente para a constituição de um bom texto. Além disso, o envolvimento do produtor com a temática proposta para produção do gênero poderá igualmente ter sua relevante contribuição, pois agirá como um fator motivador para confecção textual.

É sobre a informatividade experiencial, juntamente com a intertextualidade, de que trataremos na análise dos dados.

2. TRAGÉDIA DE CAMARÁ: "VI, LI OU OUVI DIZER?"

Nesta seção do presente trabalho, analisaremos interpretativa e qualitativamente se as informações trazidas nos AO produzidos pelos alunos do Ensino Médio da Escola Normal Estadual Oswaldo Trigueiro de A. Melo, em Alagoa Grande – PB, para a "Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro", são dadas co-textualmente (através de referências intertextuais) ou contextualmente (por meio das informações do contexto comunicativo/situacional). Diante disso, selecionamos seis (06) AO produzidos pelas turmas[5] para realizarmos a análise[6].

Para produção dos AO, seguimos as instruções dadas pelo caderno Pontos de vista (em anexo), da "Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro", que, em suas oficinas três (intitulada "Polêmica") e nove (intitulada "Pesquisar para escrever"), sugeriam que identificássemos e escolhêssemos um assunto polêmico local e "bons" argumentos sobre o esse mesmo assunto. A temática, conjuntamente selecionada por professor-pesquisador e alunos das turmas, foi "A tragédia do rompimento da barragem de Camará: águas que não passam".

A escolha se deu em virtude de esse assunto (rompimento da barragem) ter marcado para sempre as vidas dos moradores da cidade de Alagoa Grande, localizada no brejo paraibano, tornando-se, até hoje, uma polêmica local. Na noite de 17 de junho de 2004, o paredão da barragem, localizada no município de Alagoa Nova, rompeu liberando 17 milhões de metros cúbicos de água, que, ganhando o curso do Rio Mamanguape, inundaram considerável parte da cidade de Alagoa Grande, deixando mais de 3 mil pessoas desabrigadas, a cidade incomunicável e um rastro de destruição jamais visto por seus moradores.

Após a análise dos dados coletados, pudemos agrupá-los em quatro categorias distintas, mas que, ao mesmo tempo, guardam alguns pontos em comum, qual seja o da busca por informações que pudessem, em certa medida, contribuir diretamente para a argumentação dos AO produzidos pelas turmas. Primeiramente, nomearemos as categorias que foram detectadas para, posterior e sucessivamente, irmos exemplificando com excertos (trechos) das produções mais significativas que contenham essas referidas categorias mais marcadamente expressas na superfície textual. As categorias evidenciadas a partir da análise prévia dos dados podem ser assim denominadas: informatividade experiencial imediata, informatividade experiencial mediata, informatividade híbrida e, finalmente, informações intertextuais. Conceituemos e exemplifiquemos cada uma delas.

2.1. Análise dos AO[7]

LEGENDAS:

XX = INFORMATIVIDADE EXPERIENCIAL IMEDIATA

XX = INFORMATIVIDADE EXPERIENCIAL MEDIATA

XX= INFORMATIVIDADE HÍBRIDA

XX = INFORMAÇÕES INTERTEXTUAIS[8]

A informatividade experiencial imediata nada mais é do que o repertório de informações experienciais, vivenciais e/ou pessoais de que o produtor dispõe em sua memória e lança mão ao produzir um determinado gênero textual (no presente caso o AO) em que as mesmas possam figurar como matéria significativa, exemplificando, argumentando, expondo etc. Desse modo, a busca por informações que servirão decisivamente para a força argumentativa dos AO apenas se dá pela experiência direta com a realidade dos fatos vividos pelo produtor textual em um determinado contexto comunicativo. Dessa forma, essa procura por informações se dá no que Malinowski (junto a Koch, 2002) denominou de contexto de situação, o qual é equivalente ao contexto comunicativo imediato, aos conhecimentos partilhados e, de certa forma, à situacionalidade e à informatividade, de quem nos fala Costa Val (1999). Tal contexto é o equivalente ao que Kleiber (1997, junto a Koch, 2002) denominou de contexto imediato (microcontexto). Analisemos a produção 01, na qual a produtora[9] explicita nitidamente algumas informações dessa natureza:

Produção 01: S. D.

Esqueceremos a tragédia de Camará?

 

Por S. D.

 

No ano de 2004, a cidade de Alagoa Grande sofreu graves conseqüências depois do rompimento da barragem de Camará.

Diante desse fato, lamentavelmente várias pessoas foram atingidas. Entre elas 5 mortos (dois idosos), no qual está presente um dos locutores da nossa rádio local, (o conhecido Welinton).

Por conta de erros de administradores, nós vivemos até hoje sofrendo com essas causas. O governo Lula resolveu vestir a camisa e garantiu que iria dar assistência no que fosse necessário. Foram 8 milhões de reais enviados para a reconstrução da cidade, e de idenizações, que foram na verdade, mais aproveitáveis pelas pessoas de médio porte, e grande parte do comércio, deixando de lado os mais necessitados, que perderam seus poucos bens matériais. E isso não é de menos, pois nada paga as péssimas recordações que ficaram em nossa memória. Será que o dinheiro compra tudo? E as lembranças? Como apagá-las? Esse é o mal dos grandes políticos, pensar que podem tudo com o dinheiro, é impossível tirar da nossa memória os gritos, o barulho das casas desmoronando, a água avançando sem dó nem piedade de quem estivesse por acaso na sua frente. Sei que as idenizações ajudaram grande parte 50%, porém o que mais nos irrita é saber que não passou de um erro, uma construção mal feita da barragem, ou talvez a falta de manutenção necessária. Onde está o culpado? Quem vai pagar por isso?

Depois de 4 anos não se tem o culpado e só sabemos que os únicos que pagaram por isso fomos nós mesmos. Temos então que gritar por nossos direitos e tentar receber o que a água de Camará tirou de nós.

Nesta primeira produção, podemos evidenciar, logo de início, alguns aspectos interessantes no que respeita as informações veiculadas na superfície textual: primeiramente, faz-se referência a "5 mortos", informação que não fora veiculada por nenhum dos textos por nós oferecidos para busca de mais informações (informatividade co-textual, dada, neste caso, intertextualmente – cf. anexos). Os mencionados textos relatam o número de seis vítimas "Rompimento da barragem de Camará, em Alagoa Nova, matou seis pessoas e deixou 20 desaparecidas, na noite da quinta-feira" (anexo 01) e "Segundo dados do Corpo de Bombeiros, seis pessoas morreram" (anexo 03), a três "Três pessoas morreram (...) Palmira Rocha da Silva, 83, José Pedro Soares, 70 e do músico Wellington Sobral", a duas vítimas "Os corpos de José Pedro, de 70 anos, e de Palmira Rocha, de 80 anos, residentes no município de Alagoa Grande, foram encontrados e já estão no segundo pelotão do Batalhão da Polícia Militar" (anexo 11) e, vagamente, a seis "desaparecidos": "Segundo o governo do Estado, a tragédia deixou 600 desabrigados e 200 casas destruídas. Ainda há seis desaparecidos" (anexo 12).

Dessa maneira, a referência ao número exato de mortos apenas se dá pela experiência direta com a realidade dos fatos. Assim, a produtora do texto ora analisado menciona a quantidade exata de vítimas fatais (mortos) da tragédia, tendo em vista suas informações oriundas do contato direto, do contexto imediato com os acontecimentos do dia 17 de junho de 2004.

Em outro trecho da produção em análise, a produtora, fazendo referência ao número exato de mortos, retifica uma informação dada incorretamente em um dos textos disponibilizados para a busca de dados intertextuais: "Diante desse fato, lamentavelmente várias pessoas foram atingidas. Entre elas 5 mortos, no qual está presente um dos locutores da nossa rádio local (o conhecido Welinton) ". Ora, no anexo 02, podemos ver notadamente a informação de que, entre as vítimas fatais do rompimento da barragem de Camará, estaria o "músico Wellington Sobral" e não o radialista Wellington Sobral, que são a mesma pessoa: "(o conhecido Welinton)" – produção 01, ora analisada.

Em mais uma ocorrência, podemos evidenciar uma informação que provém da informatividade experiencial imediata da produtora, que presenciou, presume-se pelas palavras em negrito, as cenas daquela data: "... é impossível tirar da nossa memória os gritos, o barulho das casas desmoronando...". O presente trecho serviu na produção da aluna como forte argumento para convencer o leitor da gravidade desse fatídico acontecimento para a vida dos moradores da cidade de Alagoa Grande, já que vem depois de uma série de perguntas retóricas que tem a função de contra-argumentar.

Dessa forma, essa informação vivencial, experiencial serviu claramente como persuasão nesta produção, ganhando, inclusive, maior força argumentativa que algumas informações intertextuais retiradas dos textos-base, como a seguinte: "governo Lula resolveu vestir a camisa e garantiu que iria dar assistência no que fosse necessário. Foram 8 milhões de reais enviados", buscada no anexo 13 ("Apesar de o Governo Federal ter enviado um representante para verificar as consequências do rompimento da barragem de Camará e, ter se comprometido em reconstruir todo o patrimônio destruído, o cadastramento das vítimas para trabalhar na reconstrução do município de Alagoa Grande e, inclusive, da ponte de passagem de veículos, foi feito somente no final do mês de março, com um orçamento aproximadamente de oito milhões de reais").

Em mais um AO, a produção número 02, evidenciamos uma significativa parcela de informações experienciais imediatas. Vejamos:

Produção 02: F. C.

Uma marca na memória

 

Por F. C.

 

Em 17 de junho de 2004, a cidade de Alagoa Grande na Paraíba foi marcada pra sempre pelo rompimento da barragem de Camará, em Alagoa Nova, fato que até hoje não sai da memória da população alagoagrandense.

Foram momentos de extrema agonia. A pacata cidade de Alagoa Grande vivia naquela data um caos sem fim, numa noite que parecia não amanhecer jamais. Pessoas angustiadas e preocupadas em salvar não só suas vidas, mas também suas casas, viam seus sonhos serem engolidos pelas águas de Camará. Quem pôde verificar no dia seguinte e estado em que a cidade ficou percebeu que não foi brincadeira o que aconteceu, pois Alagoa Grande ficou coberta de lama e lixo.

Não fiquei só como ouvinte nessa tragédia, presenciei de perto, parte de minha família foi atingida por essas águas que serviriam para o abastecimento da população. Minhas primas passaram a noite no telhado de uma casa ao relento, sem energia elétrica. A cidade ficou iluminada com uma grande lua cheia que havia no céu.

Foram cinco mortos e dentre eles estava minha tia que já não tinha força nas pernas pra tentar se salvar, e sua filha com um extremo pesar que teve em deixá-la pra trás, pois a água já chegava até a cintura. Além de pessoas, vários animais de rebanhos também morreram (bois, cavalos e etc). A zona comercial da cidade ficou destruída e coberta de lama e os prejuízos ficaram perto de 70 e 80%. As lojas de calçados, de móveis e eletrodomésticos, os mercadinhos do centro da cidade todos ficaram destruídos pelas águas de Camará.

Outros comércios do centro também foram atingidos. Por exemplo: a papelaria onde trabalho ficou totalmente coberta de lama e meus patrões perderam tudo, porque não dava pra recuperar os produtos feitos com papel (livros, agendas, cadernos) além das copiadoras.

Não se sabe até hoje quais foram as reais causas que levaram ao rompimento da barragem de Camará, e nenhum responsável para essa tragédia foi realmente punido. Enfim, jamais iremos esquecer dessa tragédia que abalou muito a estrutura da cidade e a vida da população.

 

F. C. é estudante e moradora da cidade de Alagoa Grande.

A presente produção, como já asseverado, é bastante significativa em virtude de ela trazer a informatividade experiencial imediata em substancial número. Quando a produtora declara que "Não fiquei só como ouvinte nessa tragédia, presenciei de perto, parte de minha família foi atingida por essas águas que serviriam para o abastecimento da população. Minhas primas passaram a noite no telhado de uma casa ao relento, sem energia elétrica" (...) "Foram cinco mortos e dentre eles estava minha tia que já não tinha força nas pernas pra tentar se salvar, e sua filha com um extremo pesar que teve em deixá-la pra trás, pois a água já chegava até a cintura", fica patente que sua experiência pessoal, já que alguns membros de sua família estavam entre as vítimas do rompimento da barragem, é fator determinante para a argumentação da produção, uma vez que torna o texto mais enfático devido ao depoimento pessoal do drama. Além disso, as expressões em destaque – todas em primeira pessoa gramatical – mostram claramente como o envolvimento da produtora do texto ora analisado traz uma maior força argumentativa para seu texto, dando também uma maior credibilidade ao que declara pungentemente.

Em outro trecho, podemos perceber mais uma ocorrência em que a informatividade experiencial imediata aflora para se insurgir como um argumento em favor da temática pretensa, vindo, inclusive, a título de exemplificação. Vejamos: "Por exemplo: a papelaria onde trabalho ficou totalmente coberta de lama e meus patrões perderam tudo, porque não dava pra recuperar os produtos feitos com papel (livros, agendas, cadernos) além das copiadoras"; aqui, a produtora lança mão de um nítido exemplo, qual seja o de seu local de trabalho que fora destruído pelas águas da barragem de Camará. Como nos excertos anteriores dessa mesma produção, porém com menos drama pessoal, haja vista estar agora lidando com bens materiais, e não familiares, a informatividade experiencial imediata aparece para dar à produção uma maior veracidade e força argumentativas.

A segunda categoria encontrada, a informatividade experiencial mediata, que seria aquela buscada não na experiência pessoal, mas no repertório informacional mais vinculado ao conhecimento de mundo (Cf. Koch e Travaglia, 2001), seja este mais global ou localizado. Assim, a procura por informações que servirão para a tessitura textual não provêm das experiências imediatas do seu respectivo produtor, mas de um repertório informacional/temático de que este dispõe (cf. Bräkling, 2000). Vejamos agora mais alguns trechos da produção 03, na qual essa categoria de dado aparece bem representativamente:

Produção 03: J. T. M. A.

Disparidades sociais, corrupção e falta de consciência.

 

Depois do rompimento da barragem Camará, os prejuízos para Alagoa Grande foram muitos: pessoas ficaram sem casa, comerciantes perderam suas mercadorias, agricultores ficaram com suas plantações alagadas, e, não esquecendo, algumas famílias perderam seus entes queridos.

As autoridades competentes tentaram reverter a situação, indenizando os comerciantes e algumas pessoas que ficaram completamente sem nada. O que me chamou atenção, foi o fato das indenizações terem sido pagas primeiramente aos comerciantes que poderiam muito bem esperar um pouco mais, por terem mais posses que muitos outros, que nem se quer receberam metade do que foi prometido. Com esta atitude das autoridades, nós podemos ver que foram acentuadas ainda mais as disparidades sociais existentes em nossa cidade.

Outro ponto importante é com relação a distribuição de donativos (roupas, comidas, remédios, produtos de limpeza e higiene pessoal). Como pode pessoas que não foram atingidas, as quais as ruas não chegou água da enchente, poderem estar se beneficiando com essas doações? Mas, foi isso que aconteceu. Inclusive quando estavam fazendo levantamento das perdas, muita gente se "aproveitou" para acrescentar algumas "mordomias" ou bens que não possuíam.

É deplorável para nós alagoagrandenses, percebermos que na nossa cidade existiram disparidades sociais, corrupção e falta de consciência, mesmo sabendo da existência de uma tragédia que desabrigou e deixou inúmeras pessoas sem nada. Espero que esse quadro mude algum dia!

 

Escrito por J. T. M. A., moradora de Alagoa Grande.

A presente produção textual não apresenta informatividade experiencial imediata, uma vez que não nos deparamos com absolutamente nenhuma ocorrência de informação oriunda da experiência pessoal/individual de sua produtora. Entrementes, a mesma é rica em informatividade experiencial mediata, já que podemos evidenciar vários trechos nos quais a referida categoria aparece sob forma de clara argumentação em desfavor das incongruências cometidas quando do rompimento da barragem de Camará. Vejamos: "O que me chamou atenção, foi o fato das indenizações terem sido pagas primeiramente aos comerciantes que poderiam muito bem esperar um pouco mais, por terem mais posses que muitos outros, que nem se quer receberam metade do que foi prometido". No trecho, há referência às indenizações pagas em primeiro lugar a comerciantes mais abastados, deixando a parcela mais desfavorecida a mercê do tempo; a produtora também afirma que essa mesma classe desfavorecida socialmente recebeu menos de 50% do que outrora fora prometido pelas "autoridades competentes". Fica patente que tais informações não são provenientes dos textos-base por nós disponibilizados (cf. anexos de 01 a 14), mas do contexto posterior ao acontecimento fatídico de Camará, do contexto extralinguístico (ou situacional), de que nos fala Kleiber (1997, citado por Koch, 2002).

Outras ocorrências dessa mesma natureza estão presentes nos excertos que seguem: "Como pode pessoas que não foram atingidas, as quais as ruas não chegou água da enchente, poderem estar se beneficiando com essas doações? Mas, foi isso que aconteceu. Inclusive quando estavam fazendo levantamento das perdas, muita gente se 'aproveitou' para acrescentar algumas 'mordomias' ou bens que não possuíam. (...) É deplorável para nós alagoagrandenses, percebermos que na nossa cidade existiram disparidades sociais, corrupção e falta de consciência"; tal trecho funciona claramente como argumentação/persuasão para o AO ora analisado, pois percebemos marcas linguísticas que denunciam essa função argumentativa, tais como a pergunta repleta de indignação "Como pode pessoas que não foram atingidas, as quais as ruas não chegou água da enchente, poderem estar se beneficiando com essas doações?", a oração adversativa "Mas, foi isso que aconteceu" e das expressões aproveitou e mordomias (entre aspas), indicando ainda indignação com os fatos, posicionamento contrário e do adjetivo "deplorável", também com função idêntica.

Fica manifesto, portanto, que todas as informações veiculadas e selecionadas pela produtora atuam como argumentos para o convencimento do leitor do AO a respeito da gravidade da tragédia que se abateu sobre a cidade brejeira de Alagoa Grande. Além disso, como se pôde evidenciar, não houve nenhum registro de informações intertextuais, bastando, para produtora, em mais da metade de seu texto, apenas a informatividade oriunda de seu repertório experiencial, vivencial, pessoal.

Na produção número 04, há também a presença bem marcante de informatividade experiencial mediata. Observemos mais detidamente:

Produção 04: R. L. F. A.

Camará: falta de competência humana

 

A tragédia de Camará, ocorrida em 2004, atingiu Alagoa Grande, uma das cidades mais prejudicadas. Diversas pessoas foram atingidas com perdas de bens materiais e até a própria vida.

Algumas áreas mais baixas da cidade foram bastante prejudicadas, pois as águas da barragem Camará desceram no mesmo trânsito do Rio Mamanguape atingindo principalmente as ruas do Taxo, da Glória, do Rio, Vidal de Negreiros, rua Nova e parte da Chatuba e o centro da cidade, que ficou um caos. Várias pessoas desabrigadas se alojaram nas escolas, com isso o prolongamento de dias sem aulas só aumentou. Os habitantes de Alagoa Grande ficaram totalmente ilhados, sem energia elétrica, sem água e sem nenhum tipo de comunicação.

Todo esse sofrimento, que dura até hoje, traz lembranças das mortes de pessoas queridas e lamentações de diversas pessoas que sofreram, diante do ocorrido. A cidade passou por uma noite de devastação, que parecia que não ia acabar nunca. Quando amanheceu, podemos ver a cidade destruída, casas desmoronadas, o comércio acabado, cinco mortes, e lembranças marcadas pela catástrofe. Todos chorando e traumatizados com o acontecido. Foram meses para tentar reconstruir a cidade e vidas destruídas.

O governo tentou ajudar com algumas indenizações, mas não com o suficiente para reconstruir a vida das pessoas atingidas. Por isso, familiares de outras cidades também ajudaram dando apoio. Toda essa tragédia poderia ter sido evitada se os governantes tivessem medido bem as conseqüências de fazer uma obra dessas em tão pouco tempo. Em menos de seis meses foi feita uma barragem que abasteceria cidades como Alagoa Nova, Lagoa de Roça, Lagoa Seca, entre outras cidades. Ora uma barragem com 17 milhões de metros cúbicos de água (85% de sua capacidade total = 26 milhões) só poderia arrasar uma cidade localizada em uma área muito baixa. Além do mais, uma obra que custou aproximadamente 19,6 milhões de reais não poderia cair em tão pouco tempo, como se fosse feita apenas de areia.

Até hoje nossa cidade não se recuperou daquela noite, mas com a ajuda de Deus, estamos conseguindo reconstruir as coisas destruídas e superar as terríveis lembranças. Quatro anos depois ainda não se sabe quem foi o responsável pela péssima obra realizada e os únicos prejudicados ainda somos nós.

 

R. L. F. A., moradora de Alagoa Grande - PB

Vários são os excertos que constituem a informatividade experiencial mediata. Tais informações aparecem em uma quantidade bem mais significativa na produção ora analisada. Vejamos: "Algumas áreas mais baixas da cidade foram bastante prejudicadas, pois as águas da barragem Camará desceram no mesmo trânsito do Rio Mamanguape atingindo principalmente as ruas do Taxo, da Glória, do Rio, Vidal de Negreiros, rua Nova e parte da Chatuba e o centro da cidade, que ficou um caos. Várias pessoas desabrigadas se alojaram nas escolas, com isso o prolongamento de dias sem aulas só aumentou"; nesta passagem, podemos perceber que há referência a várias ruas da cidade de Alagoa Grande (em negrito), as quais não são mencionadas no intertexto por nós oferecido e se configuram, aqui, como um repertório informacional que corrobora a argumentação do AO ora analisado (é válido salientar que os anexos 02 e 13 mencionam algumas ruas, mas não as referidas neste AO). Destarte, apenas o contexto comunicativo extralinguístico pôde fornecer tal grau de informatividade à produtora do presente texto.

Fato semelhante ocorre nas duas passagens seguintes: a) "Todo esse sofrimento, que dura até hoje, traz lembranças das mortes de pessoas queridas e lamentações de diversas pessoas que sofreram, diante do ocorrido"; nesta primeira ocorrência, percebe-se que a produtora faz referência que são oriundas do contexto comunicativo mediato, da situacionalidade do "pós" rompimento da barragem de Camará;e b) "O governo tentou ajudar com algumas indenizações, mas não com o suficiente para reconstruir a vida das pessoas atingidas. Por isso, familiares de outras cidades também ajudaram dando apoio. Toda essa tragédia poderia ter sido evitada se os governantes tivessem medido bem as consequências de fazer uma obra dessas em tão pouco tempo. Em menos de seis meses foi feita uma barragem que abasteceria cidades como Alagoa Nova, Lagoa de Roça, Lagoa Seca, entre outras cidades"; na segunda passagem, constatamos, novamente, menção a insuficiência das indenizações ("O governo tentou ajudar com algumas indenizações, mas não com o suficiente para reconstruir a vida das pessoas atingidas") – como nas análises das produções 01 e 03 –, mas também evidenciamos algumas informações novas, não abordadas em nenhum dos textos-base por nós disponibilizados: a) "Por isso, familiares de outras cidades também ajudaram dando apoio"; b) "Em menos de seis meses foi feita uma barragem que abasteceria cidades como Alagoa Nova, Lagoa de Roça, Lagoa Seca, entre outras cidades", que também não figuram no intertexto por nós ofertado. Dessa forma, toda essa gama de informatividade experiencial mediata serve à produtora como argumentos, mostrando ora indignação pela insuficiência de indenizações, ora revolta pela rapidez na construção da barragem etc.

Verificou-se, portanto, que o AO acima analisado apresenta uma qualidade razoável de escrita e de adequação ao gênero, pois busca o intertexto, lançando mão de dados numéricos, usando, primordialmente, a informatividade experiencial mediata, vivenciada em um acontecimento determinado, qual seja o da "tragédia de Camará", ocorrida em Alagoa Grande. Entrementes, o presente AO também faz uso da informatividade imediata e da híbrida e das informações intertextuais, sendo, assim, bastante eclética, tal qual na produção 01, porém com uma qualidade um pouco inferior.

A terceira categoria que encontramos, transita entre o intertexto e a informatividade experiencial mediata, ou seja, "hibridiza", tendo em vista a falta de seguridade, de certeza, de convicção da fonte informacional, as modalidades de informação intertextual e experiencial mediata. A essa categoria de informação daremos o nome de informatividade híbrida.

Produção 05: M. B. S. B.

Camará foi um atraso para Alagoa Grande (M. B. S. B.)

 

No dia 17 de junho de 2004, nós moradores de Alagoa Grande, passamos por um terrível susto, com o rompimento da barragem de Camará, localizada na cidade de Lagoa Nova que também foi atingida. A cidade de Alagoa Grande foi a mais afetada e prejudicada, destruindo casas, comércios a atrasando ainda mais o desenvolvimento da cidade.

O problema foi se agravando cada dia que se passava. Ficamos sem energia, precisando usar velas, até chegar o ponto de não ter mais velas na cidade e procurar em cidades vizinhas. Pessoas passaram dias sem se comunicar com parentes distantes deixando todos preocupados. Outras tiveram suas casas totalmente destruídas e ficaram abrigadas em colégios tendo todo o apoio dos parentes e voluntários que fizeram um importante trabalho.

Passados alguns dias autoridades prometeram a essas pessoas idenizações que foi um fato que trouxe várias polêmicas, por que pessoas foram mais idenizadas do que outros que mais necessitavam. Nós esperávamos que todos esses problemas fossem resolvidos em pouco tempo, só que não foi bem o que aconteceu. Pessoas cansaram de esperar pelas autoridades e reconstruíram sua vida com seus próprios esforços.

Hoje nossa cidade meio que superou aquela noite de pesadelo, vai aos poucos se recuperando de toda agonia que sentimos na pele a quatro anos atrás. Como diz o ditado "Vão-se os anéis e ficam-se os dedos".

Dois excertos são ilustrativos da informatividade híbrida, que aqui também se configura como um fator argumentativo de grande valia para o presente AO. Vejamos: a) "A cidade de Alagoa Grande foi a mais afetada e prejudicada, destruindo casas, comércios", procurada no intertexto – anexo 03 ("Alagoa Grande foi a cidade mais atingida") ou no contexto extralinguístico (ou situacional); e b) "Passadosalguns dias autoridades prometeram a essas pessoas idenizações",buscada, provavelmente, no intertexto – anexo 06 ("... o prefeito Hildon Régis Filho disse ter sido informado pelo governador Cássio Cunha Lima, que, o Governo do Estado vai adotar providências, visando à indenização de todos os prejuízos sofridos pelos comerciantes") ou no contexto extralinguístico alagoagrandense ou circunvizinho.

Além do AO acima analisado, a produção 03, exposta em linhas anteriores (página 35), retrata nitidamente essa nova categoria por nós elencada. Vejamos:

Podemos perceber dois trechos de informatividade híbrida, ou seja, de informações cuja fonte oscila entre o intertexto e a informatividade experiencial mediata. Observemos: a) "pessoas ficaram sem casa, comerciantes perderam suas mercadorias, agricultores ficaram com suas plantações alagadas, e, não esquecendo, algumas famílias perderam seus entes queridos", procurada, quem sabe, no intertexto – anexo 13 ("...a tragédia deixou 3000 desabrigados, 200 casas parcialmente e totalmente destruídas, estabelecimento comercial, zona rural bastante afetada e ruas...") ou no "boca-a-boca" local [de Alagoa Grande e circunvizinhanças], isto é, no contexto extralinguístico (ou situacional), de que nos fala Kleiber (1997, citado por Koch, 2002); e b) "As autoridades competentes tentaram reverter a situação, indenizando os comerciantes e algumas pessoas que ficaram completamente sem nada", buscada, quiçá, no intertexto – anexo 06 ("... o prefeito Hildon Régis Filho..." – como já demonstrado anteriormente) ou no contexto extralinguístico, como dantes asseverado.

Em uma outra produção, a de número 01, também exposta anteriormente (página 33), nos mostra esse tipo de informação. Observemos:

Os trechos seguintes são ilustrativos de tal categoria de informatividade: a) "o que mais nos irrita é saber que não passou de um erro, uma construção mal feita da barragem", procurada no intertexto – anexo 08("Os professores Luiz Hernani de Carvalho, engenheiro cearense, e Ediberto Monteiro Vasconcelos, geólogo pernambucano, revelaram que os executores da obra não adotaram as medidas necessárias para a correção eficiente das falhas identificadas nas rochas onde a obra foi fundada, tornando inevitável o rompimento. Segundo eles, os problemas eram conhecidos, mas não foram resolvidos") ou no senso-comum local [de Alagoa Grande e circunvizinhanças];b) "ou talvez a falta de manutenção necessária", buscada também no intertexto – anexo 05 ("Governo sabia sobre falha na barragem: governo Cunha Lima tinha conhecimento da falha na barragem de Camará, em Alagoa Nova, e já havia notificado a empresa construtora") ou no contexto extralinguístico, situacional; e c) "erros de administradores" (indiretamente anexos 05 e 13), que, em síntese, abarca os itens "a" e "b", acima expostos, na medida em que demonstra um conhecimento de uma dada realidade política local buscada contextual (na informatividade experiencial mediata) ou co-textualmente (no intertexto), já que os governos "Zé Maranhão e "Cássio" culpavam um ao outro pelo rompimento de Camará, cada um deles com argumentos politicamente tendenciosos.

A outra categoria de dado seriam as informações intertextuais, as quais são retiradas dos textos-base que servirão de intertexto, nas quais podemos perceber claramente qual a origem da informação que é disposta na superfície textual, isto é, a procedência co-textual, junto ao intertexto. Dessa forma, as informações obtidas dessa maneira são ligadas ao fator de textualidade denominado intertextualidade, anteriormente explicitada.

A produção número 04, constante na (páginas 36-37), é bem ilustrativa dessa categoria de dado. Examinemo-la:

Temos uma considerável quantidade de informações intertextuais, que foram retiradas de um dos textos-base por nós cedidos. Vejamos: "Ora uma barragem com 17 milhões de metros cúbicos de água (85% de sua capacidade total = 26 milhões) só poderia arrasar uma cidade localizada em uma área muito baixa. Além do mais, uma obra que custou aproximadamente 19,6 milhões de reais não poderia cair em tão pouco tempo, como se fosse feita apenas de areia"; o excerto nos revela a retirada de dados, principalmente numéricos, do anexo 13 ("A Barragem de Camará, localizada na divisa dos municípios de Alagoa Nova e Areia (PB), tinha capacidade para 26 milhões de metros cúbicos de água. Ela ocupava uma área de aproximadamente 160 hectares. O custo da obra foi de R$ 19,6 milhões" (...) "A água contida na barragem no dia de seu rompimento ocupava 85% de sua capacidade (17 milhões de metros cúbicos)").

Em outro AO, a produção 02, acima veiculada (página 33), podemos evidenciar uma singela ocorrência desse tipo de informação, também de caráter numérico:"os prejuízos ficaram perto de 70 e 80%", que remete ao trecho intertextual "O comerciante Guimarin Toledo Sales Júnior, proprietário de uma farmácia, assegurou que suas perdas em mercadorias chegaram à casa dos 70 ou 80%". Veja-se que há uma informação de caráter essencialmente intertextual, que fora retirada do anexo 06 dos intertextos disponibilizados para as turmas.

Em ambos os casos, as informações intertextuais funcionam como argumentos para persuasão do leitor, mas não tanto como as de caráter essencialmente experiencial, como se pôde verificar nas produções em que emanaram a informatividade experiencial imediata e a informatividade experiencial mediata, cuja contribuição da vivência, da experiência direta se fez decisiva para a maior persuasão, para o maior convencimento do leitor.

Vejamos, de agora em diante, a análise da produção 05, mostrando como essas categorias de dados funcionam conjuntamente para a maior persuasão dos leitores dos AO abordados nesse estudo.

Produção 06: E. G. M.

Tragédia e revolta

 

Por E. G. M. (estudante, moradora de Alagoa Grande e VÍTIMA de Camará)

 

O rompimento da barragem de Camará, fato acontecido no dia 17 de junho de 2004, "veio" para destruir Alagoa Grande. O desastroso acontecimento abalou e abala a vida dessa pequena cidade do interior paraibano.

Na noite em que a barragem de Camará, localizada no município de Alagoa Nova, rompeu, as cidades de Alagoa Grande e Mulungu foram parcialmente destruídas, sendo que a primeira merece destaque nesse assunto, isso porque foram centenas de pessoas desabrigadas (entre 3 e 4 mil), casas destruídas (cerca de 200), comércios acabados, zona rural muito afetada e cinco mortos.

Para minha pessoa essa tragédia não é só um fato na cidade, e sim na vida, já que eu estava entre as centenas de desabrigados e hoje moro no Conjunto João Bosco Carneiro, que foi construído para "abrigar" quem perdeu suas moradias na enchente. Estou em uma casa nova, mas não como na de antes, cheia de lembranças, de passados e etc.

A sensação que se tem é que os danos morais e financeiros nunca serão recompensados, já que as perdas "pessoais" (fatos, lembranças, pessoas) são irreparáveis e que a parte financeira, no que depender das autoridades, nunca será reparada justamente.

Entretanto, a cidade caminha lentamente, tentando esquecer ou pelo menos se reerguer economicamente. Após quatro anos, as marcas de Camará continuam expostas na cidade e no rosto da população, que ainda guarda dentro de si a esperança de ter seus danos reparados como antes.

Nesta sexta produção, também se evidencia a marcante presença da informatividade experiencial imediata, haja vista que a produtora lança mão de sua própria vivência da calamidade para argumentar a respeito do assunto. Primeiramente, logo na informação sobre quem redigiu o texto, ao grafar "VÍTIMA" com letras maiúsculas, mostrando, claramente, sua intencionalidade em apresentar-se como conhecedora do assunto, já que o "experimentou" diretamente. Posteriormente, ao mencionar o número de "cinco mortos", que, como já dito em linhas anteriores (na análise da produção 01), não fora mencionado em nenhum dos textos fornecidos, demonstrando, dessa maneira, seu conhecimento vivencial sobre essa quantidade de vítimas. E final e principalmente, quando põe seu drama particular na produção textual: "Para minha pessoa essa tragédia não é só um fato na cidade, e sim na vida, já que eu estava entre as centenas de desabrigados e hoje moro no Conjunto João Bosco Carneiro, que foi construído para "abrigar" quem perdeu suas moradias na enchente. Estou em uma casa nova, mas não como na de antes, cheia de lembranças, de passados e etc". As expressões em negrito, especialmente as formas verbais em primeira pessoa gramatical, atestam informatividade experiencial imediata de que tratamos. Assim, todas as informações acima analisadas, exceto a referência ao número de mortos na tragédia, funcionam como fatores persuasivos/argumentativos para o texto em análise.

Percebemos ainda um parco excerto de informatividade experiencial mediata "A sensação que se tem é que os danos morais e financeiros nunca serão recompensados", uma vez que as informações remontam, ao que transparecem, a uma vivência posterior ao drama de Camará e, portanto, não imediatos, mas de um conhecimento mais localizado, experienciado in loco. Evidencia-se, ainda, uma marca de informações intertextuais nítidas "(entre 3 e 4 mil), casas destruídas (cerca de 200), comércios acabados, zona rural muito afetada"­, muito embora tenhamos palavras "modalizadoras" (em negrito), que geram a impressão de incerteza quanto a fonte dos dados; a presente informação intertextual remete aos anexos: 04 ("...cerca de 4.000 desabrigados"), 13 ("...a tragédia deixou 3000 desabrigados, 200 casas parcialmente e totalmente destruídas, estabelecimento comercial, zona rural bastante afetada e ruas...") e 12 ("Segundo o governo do Estado, a tragédia deixou 600 desabrigados e 200 casas destruídas").

Há ainda na presente produção duas ocorrências de informatividade híbrida, haja vista que não se tem certeza absoluta da origem das referências informacionais, se contextuais (provenientes da informatividade experiencial mediata) ou co-textuais (provenientes do intertexto), que servem igualmente para argumentação do AO: a) "O desastroso acontecimento abalou e abala a vida dessa pequena cidade do interior paraibano",buscada, respectivamente, nos intertextos – anexos 02 e 11 ("População vive madrugada de terror" e "Tragédia: barragem de Camará desaba e faz vítimas em Alagoa Grande") ou no contexto alagoagrandense;e b) "Após quatro anos, as marcas de Camará continuam expostas na cidade e no rosto da população", procurada no intertexto – anexo 13 ("...os traumas da tragédia perdurarão por um longo tempo...") ou, como já defendido, no contexto experiencial mediato/contexto extralinguístico (ou situacional).

Percebamos que as informações, quando dispostas em conjunto, dão ao AO uma argumentação/persuasão bem mais fortalecidas, implicando em um maior convencimento do sujeito leitor da presente produção. Além disso, quando as informações de caráter experiencial "entram em cena", pode-se notar uma maior comoção, que se configura, no contexto de leitura dos AO, como uma forma de persuasão ainda mais contundente. Como nas produções anteriormente verificadas, a informatividade advinda de um repertório experiencial, vivencial, pessoal, isto é, do contexto comunicativo e extralinguístico alagoagrandense, contribui mais decisivamente como um fator persuasivo para os presentes AO. Vê-se, portanto, que toda essa gama informativa, principalmente a relativa às categorias da informatividade experiencial imediata eda informatividade experiencial mediata, servem para uma mais adequada feitura dos AO em questão.

CONCLUSÕES

Após as discussões e análises empreendidas anteriormente, pudemos constatar que um estudo mais minucioso da informatividade faz-nos perceber que a experiência a ela ligada, seja ela imediata e/ou mediata, foi de grande valia para produção textual dos AO em questão, e também o será, caso pensemos em alargar as fronteiras dessas informações experienciais para outros gêneros textuais.

Para além das conclusões acima apontadas, podemos também assentar que a informatividade se constitui, sim, como um fator persuasivo nos AO produzidos por alunos do Ensino Médio durante a "Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro", dando-se contextualmente de maneira (i)mediata, ou seja, por meio da situacionalidade, do contexto extralinguístico, do microcontexto, do contexto situacional, do contexto do locutor, que, no presente caso, foi o da noite de 17 de junho de 2004, quando ocorrera a tragédia de Camará, em Alagoa Grande/PB.

Pode-se pensar, ainda, que tais informações experienciais, por serem fruto de uma grande polêmica que afligiu toda uma população, prejudicando diretamente várias pessoas, suas famílias, seus entes queridos, podem ter sido captadas e trazidas aos AO com mais contundência, mais veemência, haja vista que os produtores, direta e/ou indiretamente, tiveram alguma espécie de ligação com os fatos, dramas, aflições da tragédia do rompimento da barragem de Camará. Tal fato contribuiria, portanto, mais enfaticamente com o comprometimento na produção textual por parte dos alunos, uma vez que seu respectivo envolvimento com a situação, já que eles a experienciaram imediata ou mediatamente, serviria como um estímulo para a efetiva produção textual no âmbito escolar, em sua vida como escrito-aluno. Para se fazer uma analogia, basta pensar-se no gênero "memórias" e o envolvimento (e certa facilidade) de escrevê-las. Assim, a valorização das vivências dos alunos (seu conhecimento prévio) é de suma importância para uma razoável produção textual.

Além disso, pudemos verificar também que as fronteiras entre os fatores de textualidade denominados informatividade e intertextualidade não são tão bem definidas como se pensa, haja vista que ambos remetem a informações co-textuais ou contextuais, sendo que estas últimas, às vezes, podem ser dadas intertextualmente, desaguando no que nomeamos, na discussão dos dados, de informatividade híbrida. Mas isso são conjeturas para uma pesquisa mais aprofundado, o qual é tolhido pelos limites desse estudo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000 [1929]. pp. 279-326.

BRÄKLING, Kátia Lomba. Trabalhando com o artigo de opinião: re-visitando o eu no exercício da (re)significação da palavra do outro. In.: ROJO, Roxane, (org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCN's. Campinas: Mercado das Letras, 2000. pp. 221-247.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

CUNHA, Dóris de Arruda Carneiro da. O funcionamento dialógico em notícias e artigos de opinião. In.: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora; (orgs.). Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. pp. 166-179.

FÁVERO, Leonor Lopes; KOCH, Ingedore G. V. Linguística Textual: introdução. São Paulo: Cortez, 1988.

GAGLIARDI, Eliana; AMARAL, Heloísa. Pontos de vista. São Paulo: Cenpec e Fundação Itaú Social; Brasília (DF): MEC, 2008 (Manual da "Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro").

KOCH, Ingedore G. Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997.

_________. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Contexto, 2002.

KOCH, Ingedore G. V.; TRAVAGLIA, L. C. Coerência Textual. 12 ed. São Paulo: Contexto, 2001.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In.: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora, (orgs.). Gêneros Textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. pp. 19-36.

MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo. 3 ed. Campos do Jordão (SP): Mantiqueira Editora, 2003.

RODRIGUES, Rosângela Hammes. O artigo jornalístico e o ensino da produção escrita. In.: ROJO, Roxane, (org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCN's. Campinas: Mercado das Letras, 2000. pp. 221-247.

SANT´ANNA, Affonso Romano de. Paródia, Paráfrase e Cia. 2 ed. Série Princípios. São Paulo: Ática, 1985.



[1] Outras edições de competições como esta já haviam sido realizadas em parceria pela a Fundação Itaú Social e o Centro de Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), com Estados e Municípios, obtendo-se resultados satisfatórios (Revista Língua Portuguesa, ano 3, números 31, 32 e 33).

[2] Fonte: Revista Língua Portuguesa, ano 3, números 31, 32 e 33.

[3] Como já dito, no lugar da sequência didática foi utilizado o caderno Pontos de vista (em anexo), da "Olimpíada de Língua Portuguesa Construindo o Futuro", que essa atividade didática disposta adequadamente para a satisfatória produção e refacção do gênero AO.

[4] A respeito destes três últimos fatores da textualidade, não nos estenderemos muito, nesta seção, nas considerações teóricas, haja vista que o faremos na próxima seção do presente texto.

[5] A seleção dos AO se deu, proporcionalmente, pela qualidade dos mesmos em relação à escrita e adequação ao gênero (mesmo que mínima) e pela sua pertinência de informatividade.

[6] A análise far-se-á a partir das categorias por nós elencadas e trará um exemplo de um texto significativo da (ou mais, se for o caso) que evidencie mais nitidamente a categoria de dado que ora analisamos.

[7] Nas análises seguintes, selecionamos as versões finais dos AO que iriam para a etapa municipal da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro. Assim, as inadequações gramaticais ainda presentes nas mesmas foram reproduzidas na íntegra. Reproduzimos também a ortografia vigente à época, antes do Acordo ortográfico deste ano.

[8] As presentes legendas são apenas para melhor visualização das categorias dos dados nas produções analisadas.

[9] Usaremos aqui o termo genérico "produtora(s)", tendo em vista o percentual de 100% de alunas nos textos selecionados.


Autor: Leopoldo Morais


Artigos Relacionados


O Discurso / Mídia / Governo

Tipologia Textual, Gêneros Textuais E Ensino

O Que é Texto?

A Perspectiva Construtivista De Ensino

Diferencial Competitivo

Escola, Variações Lingüísticas E Sociolinguística

A Função Da Escola E Da Educação