NUNCA CHEGARÁ



A discussão ia acirrada naquela sala de aula, com jovens preocupados não só em discutir o tema, como em discutir uma situação problemática que os atingia a todos: encontrar uma vaga no mercado de trabalho.

O tema era a importância dos estudos. A indagação girava sobre onde se pode chegar com os conhecimentos adquiridos ou desenvolvidos a partir do estudo escolar: quais as possibilidades de sucesso profissional e econômico para quem estuda e para quem não estuda? Claro que, como sempre, havia o grupo daqueles que eram partidários da importância do estudo, entre os quais se alojavam os que concordavam com o professor, apenas para manter as aparências; e outros que defendiam a desnecessidade do estudo para o sucesso pessoal, profissional, econômico, social...

Os que defendiam a importância do estudo, como caminho ou meio para abrir portas e possibilidades davam suas razões e os que contestavam a importância do estudo, também apresentavam seus argumentos. Em ambos os casos os exemplos de pessoas e profissionais bem sucedidos eram elencados esticando uma lista que acabava não convencendo e, sempre, produzia uma nova argumentação pró ou contra o estudo...

Mostrava-se uma lista de pessoas bem sucedidas e sem estudo ou com pouco. E nessa lista não podiam faltar personalidades dos esportes – um dos poucos nichos em que o condicionamento físico pode ser independente do intelectual. Na lista oposta eram lembradas pessoas bem sucedidas a partir do estudo, da pesquisa, das ciências... Também se argumentava, tanto num como noutro caso, sobre a importância da capacidade criativa – grande inteligência está associada à criatividade; e se falava sobre a sagacidade de quem sabe aproveitar as oportunidades que aparecem, pois oportunidade é um fruto raro, não se repete: é a bananeira que depois produzir um cacho não produz mais banana. Alguém, inclusive, se lembrou do antigo dito popular afirmando que "a oportunidade não tem cabelo na nuca", ou seja, quem perdeu uma oportunidade não poderá agarra-la novamente, nem mesmo agarrando-a pelos cabelos da nuca, pois não os tem... quer dizer, a pessoa para ser bem sucedida, precisa ser visionária, empreendedora, capaz de perceber possibilidades onde outros vem apenas situações desconexas, capacidade de encontrar soluções onde outros só vem problemas.... E para isso não precisa de muito estudo, mas a escolaridade ajuda a perceber coisas que outros nem sempre percebem... e assim se encaminhavam as discussões!

E nesse espaço dialógico o professor, evidentemente partidário da importância da escolarização, promovia o aprofundamento das discussões, em vista de produzir maior razoabilidade na argumentação. Afinal, quem defende um ponto de vista precisa defendê-lo não com paixões e gritos irracionais, mas com argumentos racionais, a fim de que o contendor aceite suas razões. Num debate não se trata de ganhar ou perder, mas de ampliar e clarear as razões que fundamentam o ponto de vista defendido. Tentando percorrer, ou refazer o que fazia Sócrates, pelas ruas de Atenas, desafiando seus interlocutores a dar as razões de suas afirmações. Pois são as razões elencadas que dão, ou não, sustentação à tese defendida.

Assim transcorria o debate até o ponto em que um dos debatedores se voltou para o professor e comentou, dizendo que determinado personagem político não tem estudo, e se deu bem na vida. "o que você diz disso, professor?"

A calma magisterial sem se perturbar, respondeu:

- "Mas ele não poderá chegar onde já cheguei! Ou onde vocês poderão chegar"

- "Mas ele exerce tal função no mundo político. E você é só um professor! E nós o que seremos?"

- "Eu posso dizer que sou professor, sinto-me orgulhoso disso e do que faço. Será que ele pode dizer o mesmo? Exercer um cargo político é ser bem sucedido? É verdade que a ele foram delegadas algumas responsabilidades, pelo voto de alguns membros da sociedade, mas será que ele está exercendo esse cargo em favor da população da sociedade na qual ele vive? ou age em proveito próprio e de grupos determinados? E quando terminar o mandato, poderá andar de cabeça erguida ou terá uma enxurrada de processos por má administração? É verdade que ele tem muito dinheiro, mas será que foi ganho com lisura ou é resultado de acordos não confessáveis dos quais o interesse da coletividade não participa? Se isso é ser bem sucedido, não quero o sucesso. Quanto a onde vocês poderão chegar: depende, é claro, das oportunidades que souberem aproveitar, da disposição em ir além...! mas também depende do que vocês desejam construir com seu esforço, pois o mundo não dá nada "de graça". Quem quer tem que construir sua estrada, como diz a música "quem sabe faz a hora, não espera acontecer". E para isso os anos de sala de aula, quando aproveitados em estudos, farão a diferença, pois o seu leque de oportunidades será amplo. Pode ser que alguém receba ajuda, pode ser que tenha sorte, pode ser uma porção de coisa, mas nada se iguala àquilo que vocês construírem com o próprio esforço e criatividade, aproveitando as oportunidades. Mas disso só serão capazes aqueles que souberem aproveitar o tempo de estudo usado como meio de ampliação dos horizontes, aprendendo com o saber acumulados nos livros, nas experiências de seus professores e no diálogo com os colegas. As grandes invenções e descobertas, mesmo realizadas "por acaso" ocorreram por que descobridor possuía conhecimentos acumulados em anos de estudo, para saber tirar proveito do acidente. Por isso é que insisto, esse personagem de quem você está falando, não poderá chegará onde nós estamos".

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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Autor: NERI P. CARNEIRO


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