Simples Assim: Por Um Estilo De Vida Baseado Na Simplicidade



O que é simplicidade? O que simplicidade não é? Na prática, como ser simples? Em meio a uma sociedade complexificada pela ciência e pela tecnologia, pelo capitalismo maluco que nos quer lucrando, competindo, acumulando, tendo e consumindo, é chegada a hora de pensarmos em um estilo existencial baseado na simplicidade. É dessa temática que este artigo trata.
No século IV a.C., Epicuro elaborou aquela que ficou conhecida como a filosofia da imperturbabilidade (ataraxia), avassaladoramente forte exatamente porque se ancora na simplicidade. Segundo Epicuro, a imperturbabilidade humana poderia ser alcançada por meio da satisfação das necessidades naturais do corpo, pelo alcance do justo entendimento do sentido da vida e pela introdução de tranqüilidade na alma, de modo a se evitar a dor e a vivenciar prazeres necessários e naturais.
Segundo Epicuro, esses propósitos deveriam se concretizar por meio de Quatro Remédios:
1. “Não é preciso temer os deuses”. Os deuses não existem para fazer o mal.
2. “Não é preciso se preocupar com a morte”. A morte é apenas ausência de sensações.
3. “É fácil alcançar o bem”. O bem é o prazer natural que afasta o sofrimento.
4. “É fácil suportar o que nos amedronta”. Os medos são criações de nossas mentes e nós podemos nos livrar deles.
Esse caminho para a imperturbabilidade nem sempre foi estudado profundamente e sempre muito mal entendido. Enquanto isso, a humanidade seguiu sua trajetória histórica: saiu do ideal de homem sábio dos gregos antigos, passou pelo modelo de homem santo do teocentrismo medieval e chegou ao paradigma atual de homem e mulher, identificado com o humano como interventor no mundo da natureza por meio do uso de instrumentos da tecnociência.
Na Modernidade, a ciência, aliada à e a serviço da tecnologia, foi colocada em posição de submissão à ideologia liberal, assentada no individualismo ético, na democracia política fundada na idéia de representação e no capitalismo egoísta, ancorado na propriedade particular, no lucro, na acumulação, na competitividade e no consumismo.
É fato que tudo isso fez com que tornássemos a realidade da vida humana muito mais complexa do que naturalmente ela é. Aliás, se o que é naturalmente complexo for simplesmente vivido, ele não incomoda. O problema é a complicação artificial que criamos para dificultar nossa existência. No entanto, se essa complexidade desnecessária foi criada por nós, isso significa que também podemos extingui-la de nossa vida.
Então, o que proponho é a volta à simplicidade, ao que é naturalmente simples, ao que simplesmente é.
Primeiramente, simplicidade não é religião. A religião se baseia em dogmas, em verdades fechadas. A simplicidade é uma virtude aberta, consubstanciada na espontaneidade e na liberdade, segundo a idéia de que a minha liberdade pode ir até onde vai a liberdade daquelas pessoas com as quais mantenho vínculos e relações de convivialidade, sociabilidade e interação.
Em segundo lugar, a simplicidade não é ciência. Ora, a ciência sustenta-se no experimento, na comprovação e na generalização. A simplicidade, livremente compreendida, não quer e nem precisa provar nada para ninguém. Ela não quer legislar. O simples é o que é.
Por fim, simplicidade não é filosofia. A filosofia lastreia-se na lógica raciocinada, pensada e refletida. A simplicidade, por sua vez, segue a lógica natural das coisas, tal como a da água que corre para baixo e da flor que desabrocha por desabrochar. A simplicidade é estilo existencial e é a própria naturalidade da vida.
Emparelhar-se à naturalidade do natural é vivenciar a justeza das coisas, à medida daquilo que simplesmente é. Uma luva é justa se ela me veste de modo a não sobrar ou faltar ao tamanho de minha mão. Essa a idéia de simplicidade ajustada à espontaneidade natural das coisas reais.
Penso que começamos bem se atentarmos para o nosso corpo, para as necessidades naturais que ele apresenta: comer de tudo o suficiente, beber quando nos vem a sede e dormir e acordar sem estímulos externos. Á naturalidade do corpo, o que é natural. Nem passividade, nem atividade em excesso: andar sem se esforçar, correr sem se cansar; relaxar para ganhar energia e trabalhar para produzir–se no dia-a-dia.
Em seguida, vem a reta compreensão das coisas: compreender o que for compreensível, abrir mão do que não podemos entender; julgar apenas quando o juízo for necessário e decidir fazer o que é correto e o que damos conta. Esse tipo de coisa abole preconceitos, anula a obtusidade, evita preocupações e extingue todos os medos.
Em terceiro lugar vem o cuidado do espírito, sobretudo por meio da inserção no universo cultural, dos símbolos. Lixos acústico, sensitivo ou visual devem ter destino certo: a lixeira. Que fiquemos com o que é básico: o cultivo espiritual por meio do que é belo, proporciona experiência estética e fortalece nosso universo interior por meio da nutrição do bem pensar e dos sentimentos bons.
Talvez essas providências não resolvam o enigma humano no mundo e nem nos acrescentem mais vida. Mas, se levadas a efeito, elas podem incrementar nosso existir, fazer-nos mais conscientes do que somos e potencializar nossa qualidade de vida. Por que não tentar enquanto somos e podemos os educar nesse sentido?

Autor: Wilson Correia


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