Intersubjetividade: isolamento e massificação



Intersubjetividade: isolamento e massificação.

João Gilberto Engelmann[1]

Considerada utópica, a proposta de Schiller em considerar a arte (estrutura comunicativa) como o medium entre a realização equilibrada da intersubjetividade no plano da modernidade é, paulatinamente, considerável. No entanto, apenas dentro de um limite conceitual e estrutural da proposta para que seja "no sentido de que a arte age de modo catalisador, como uma forma de comunicação [...] no qual os momentos separados se unem de novo em uma totalidade não-forçada." , conforme nos diz de Habermas. (HABERMAS, 2002 p.72).

O que leva Schiller à proposta de uma comunicação mediadora entre a subjetividade autoconsciente e a estrutura objetiva da sociedade é a identificação de uma deformação da perspectiva intersubjetivista, expressas na forma de um isolamento, de um lado, e de uma massificação, de outro. Numa leitura deste, Habermas identifica essas duas estruturas antagônicas como que o resultado de uma incompreensão individual da proposta da subjetividade a partir da relação na sociedade.

Para ele, a compreensão da subjetividade como império da consciência de si isolada gera "homens que se escondem em cavernas [...] privados em seu modo de vida particular das relações para com a sociedade" tornando-os exteriores ao próprio movimento social. (H. 2002) Nesse sentido, o ideal moderno da subjetividade, elemento que compõe o que se chama de auto-certificação de si mesma, estaria restrito à identidade formal, abstrata, do conceito cartesiano de indivíduo, situado em si mesmo a partir de uma unidade pura de si. A leitura da afirmação dessa subjetividade passaria a estar radicada numa concepção puramente formal do sujeito, aquele que em função de sua unidade subjetiva se arroga superior às determinações da intersubjetividade, possível somente a partir da relação entre os indivíduos.

Para Habermas, ao passo que a modernidade tem sobre si mesma a única forma pela qual se justifica, legitima e constrói sua certificação, é basilar que a subjetividade componha essa estrutura de fundamentação. Explica: "o mundo novo, o mundo moderno[2], se distingue do velho pelo fato que se abre ao futuro [...] reproduz-se a cada momento do presente, o qual gera o novo a partir de si."(H. 2002, p.11) Esse gerar-se a partir de si convoca a modernidade à estruturação de uma nova versão do presente, que constitui pedra de toque para o futuro. Significa dizer, que não existe uma base pronta da qual se possa edificar a construção moderna; esta deve ser erigida de um fundamento próprio, dado a partir de si. Esse aspecto de alicerce novo poderia ser vislumbrado na idéia cartesiana de que se devesse prescindir de toda matéria já dada. A modernidade logra de Descartes a total compreensão de que sua nova estrutura requer uma idéia também totalmente nova, expressa na subjetividade, ou na figuração do sujeito como seu elemento fundador.

Sobretudo, é nessa interpretação da ideia do sujeito fundador que declina a deformação da pretensão intersubjetivista. Ao passo que compreende a necessidade de se estar diante e além do objeto, enquanto sujeito cognoscente, o indivíduo moderno leva a cabo a pretensão de sua universalidade formal, que passa a se expressar num efeito reverso à teoria da intersubjetividade: o isolamento. Como o indivíduo se compreende parte necessária e integrante do organismo social, reduz a sua subjetividade a um subjetivismo egoísta de modo a formar uma bolha ao redor de si.

No entanto, a deformação da intersubjetividade é ainda agravada por um segundo elemento antitético, a massificação. É o que Habermas identifica como " homens que vagueiam como nômades nas grandes massas [...] privados em sua existência alienada da possibilidade de encontrar a si mesmos.". (H.2002, p 71) Para Schiller, nessa leitura habermasiana, os indivíduos tornam-se fluentes ao passo de se tornarem indistinguíveis dentro dos grupos sociais. A ideia da intersubjetividade é levada ao extremo de aniquilá-los em sua singularidade. Os sujeitos, mais bem definidos como indivíduos massificados,fundam uma estrutura homogênea de si ao ponto de não mais serem discernidos enquanto subjetividade. Se o crivo racional para um juízo dos fatos, bem como para um estopim da práxis, é orientado quase que imperativamente a partir de um jogo de interesses, então jamais será possível a intersubjetividade.

Sendo assim, as duas deformações imediatas do conceito de intersubjetividade, isolamento e massificação, não são impedimentos absolutos na visão de Schiller. Nasce aqui a arte, enquanto equilíbrio da subjetividade. Sobre isso depõe Habermas:

"Schiller descobre o justo equilíbrio entre esses extremos de alienação e de fusão que ameaçam igualmente a identidade , em uma linguagem romântica: a sociedade reconciliada esteticamente teria de desenvolver uma estrutura de comunicação." (HABERMAS, 2002)

Essa estrutura de comunicação, segundo Schiller, deveria fazer com que cada um falasse consigo mesmo ao entrar em casa, e com toda a espécie ao sair dela. Ao mal do isolamento recairia a existência de uma identidade coletiva para a qual falaria; às massas, caberia uma introspecção na subjetividade a partir de uma identidade singular. Nesse sentido, qualquer deformação seria submetida a uma unidade de equilíbrio a partir dessa dialética da comunicação. Como bem ressalva Habermas, não se trata de uma estetização da vida por meio da comunicação, mas sim de uma revolução das "relações do entendimento recíproco" (H. 2002, p.70)

Assim, segundo a concepção utópica de Schiller, esta estrutura de comunicação forma elos de ligação entre as querelas cindidas que inviabilizam a intersubjetividade. O isolamento e a massificação figuram uma deficiência no uso do conceito de subjetividade. Essa arte daria conta de suprimir esse desequilíbrio a partir de uma comunicação pluridimensional dentro da estrutura social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HABERMAS, J; O discurso filosófico da modernidade. Trad. Luiz Sérgio Repa, Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

SCHILLER, F. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras, 1989.

COSTA, J.A, Saber, sabor e sabedoria: reflexões sobre temas do cotidiano. Passo Fundo: IFIBE, 2006.

HEGEL, Georg Whillelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. Trad. Norberto de Paula Nóbrega. Petrópolis: Vozes, 1997.

WEBER, T. A eticidade hegeliana. In: DE BONI, L. A. Finitude e transcendência. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 757-765.

KONDER, L. Hegel e a Práxis: temas de ciências humanas. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979.




Autor: João Gilberto Engelmann


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