A Prisão Civil do Depositário Infiel



Por muitos anos o nosso arcabouço jurídico admitiu, com a chancela da mais alta corte do Judiciário, através da súmula 691, a prisão civil do depositário infiel. No entanto, um evento internacional ocorrido em 1992, começava a mudar o rumo desse infeliz entendimento. Trata-se do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, mas conhecido como Pacto de São José da Costa Rica. E o que de fato repercutiu em nosso país, foi o Brasil além de ter participado, ratificou a ambos e sem reservas. Os diplomas internacionais, devidamente ratificados, têm status jurídico supralegal, ou seja, apesar de estarem abaixo da Constituição, encontram-se acima da legislação interna. Portanto, possuem a força de tornar inaplicável a legislação infraconstitucional que com ele entre em rota de colisão, ainda que ela seja anterior ao tratado ratificado.

O sobredito Pacto, reconhecidamente é um tratado internacional em matéria de direitos humanos. No seu bojo só é admissível a prisão civil do devedor de alimentos, por conseguinte não admite a prisão civil do depositário infiel. Criou-se, portanto, um novo paradigma. E a partir de então, em todos os países que subscreveram o mencionado tratado, a prisão civil de depositário infiel não poderia mais subsistir.

A última discussão sobre essa matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal – STF, por meio do Habeas Corpus n.º 95.967-9/MT. Nele podemos constatar o conhecimento e a visão ampla que os Ministros do STF têm sobre tratados internacionais e direitos humanos. O caso concreto originou-se no Juízo da Vara de Execução Fiscal da Comarca de Campo Grande/MS. Lá, foi decretada a prisão civil de dois cidadãos por serem considerados depositários infiéis, nos autos de uma ação de Execução Fiscal, em outras palavras, um processo judicial no qual a fazenda pública, o poder público cobra um valor de dois devedores. Pois bem, após o decreto prisional, a defesa dos ditos "infiéis" impetrou o primeiro Habeas Corpus – HC, para o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Esse Tribunal com um entendimento, data venia, ultrapassado, denegou o remédio heróico. Indeferiu o pedido por entender, que o descumprimento do encargo de fiel depositário sem a apresentação de nenhuma forma excludente de sua responsabilidade, possibilita a prisão civil.

Inconformada, a defesa continuando sua peregrinação rumo ao "Salvo Conduto", impetrou outro HC, desta feita para o Superior Tribunal de Justiça, o chamado Tribunal da Cidadania. Contudo, esse também manteve o decreto de prisão, inclusive entendendo ser inaplicável o Pacto de São José da Costa Rica no caso em comento. Logo, mais uma vez o pedido foi denegado. Por fim, a saga terminou no Supremo Tribunal Federal – STF, que ao receber o pedido, designou como relatora a Ministra Ellen Gracie. Ela, de pronto, concedeu a tão sonhada liminar para afastar o risco da prisão, expedindo, portanto o competente "Salvo Conduto". Vale lembrar, que por disposição legal e regimental o Ministério Público Federal, também foi instado a se manifestar. Para nossa frustração, deu parecer contrário ao pedido de Habeas Corpus inclusive opinou pela cassação da liminar deferida.

A Ministra Relatora, com sua sabedoria que lhe é peculiar, ao analisar o mérito da questão, deslocou a discussão para o âmbito constitucional e logo ressaltou a mudança de entendimento jurisprudencial do próprio STF, que se inclinou pela inexistência de sustentação jurídica para prisão civil do depositário infiel, conforme julgado n.º HC 90171/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes. Além disso, destacou que a legitimidade desse tipo de prisão civil esta sendo analisada no Recurso Extraordinário n.º 466.343/SP, pelo Pleno do STF, onde já constam oito votos no sentido de declarar inconstitucional a prisão civil do alienante fiduciário e do depositário infiel. Diga-se de passagem, já houve até o afastamento, ainda que episódico, da Súmula 691 do STF.

Nesse contexto, podemos afirmar que no Direito Brasileiro, atualmente, a única hipótese de prisão civil é a do devedor de pensão alimentícia. Esse novo entendimento ocorreu por força do §2º do Art. 5º da vigente Constituição Federal, o qual reza que os direitos e garantias contidos na Carta Magna, não excluem o dos tratados internacionais em que a Republica Federativa do Brasil subscreva. Logo, como o Pacto de São José da Costa Rica, expressamente só admite a prisão civil do devedor de alimentos, por conseguinte excluiu a prisão civil do depositário infiel. Portanto, a odisséia para se manter uma liberdade findou com a concessão da ordem de Habeas Corpus para o fim de cassar os efeitos do decreto de prisão civil do depositário dito infiel. Felizmente!

Denis Farias é advogado

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Autor: Denis Farias


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