A Existência Fantasmagórica Da Inquisição No Brasil



Na História e em seu ensino nos deparamos com algumas “verdades” e ausências.

Fabiana Oliveira Leitão [1]

Na História e em seu ensino nos deparamos com algumas “verdades” e ausências. Tais ausências dizem respeito à falta de abordagem sobre temas como o Holocausto e a Inquisição nos livros didáticos utilizados pelas escolas de todo o Brasil. Essas ausências nos levam às “verdades” da História, ou seja, aos mitos e boatos que mascaram a verdade histórica e se tornam, para o grande público, uma “verdade” absoluta. Esse mascarar, que ocorre bastante em nosso país, se revela na noção que muitos têm de que não houve Inquisição no Brasil.

É bem verdade que não houve Tribunal da Inquisição no Brasil. Entretanto, negar as ações inquisitoriais e a dura perseguição da Igreja contra os chamados hereges, no nosso país, é negar a verdade histórica e assassinar, mais uma vez, os inúmeros mortos dessa verdade. Por isso, é preciso que se diga a verdade e que se acabe com a “verdade”. E a verdade, a qual designo como histórica, é que o Brasil foi povoado por centenas de judeus que foram obrigados a se converter ao catolicismo, recebendo, então, a denominação de cristãos-novos. O primeiro Visitador, que iniciou os processos inquisitoriais no Brasil, chegou no ano de 1591 e se chamava Heitor Furtado de Mendonça. Esse agente inquisitorial estava responsável pela investigação e pela prisão dos suspeitos de heresia, tendo o encargo de enviá-los para os autos-de-fé, em Portugal, onde eles recebiam as sentenças do Tribunal do Santo Ofício. Para que isso ocorresse, Heitor visitou, no período de 1591 a 1595, Bahia e Pernambuco e registrou, em nove livros, confissões forçadas de centenas de pessoas que haviam sido denunciadas e torturadas [2]. É interessante frisar que qualquer um podia ser denunciado, pois, para tanto, bastava que uma pessoa apresentasse denúncias sem provas ou até mesmo suposições, cartas anônimas ou o “ouvir dizer”, que o juiz do fisco invadia a casa do acusado e o levava sem que este soubesse o motivo de sua prisão empreendida por aquele. Além disso, os outros moradores eram obrigados a sair da casa do denunciado. Conseqüentemente, muitos deles ficavam morando nas ruas como indigentes.

Ao ser levado, o acusado, geralmente, passava por distintos processos de tortura. Entre eles, um dos mais utilizados contra os presos brasileiros era o de retalhar as plantas dos pés, untá-los com manteiga e submetê-los ao calor de um braseiro. Antes de ir para a tortura, todos os presos passavam por um médico que avaliava o quanto eles poderiam suportar. Com isso, era importante que as torturas não fossem aplicadas nos últimos quinze dias antes de o acusado sair para o auto-de-fé, a fim de evitar que o povo visse as marcas no corpo do réu. Caso os réus não se confessassem culpados, eles recebiam a pena de morte por meio da fogueira. Se pedissem para morrer na lei de Cristo, seriam estrangulados e, em seguida, atirados na fogueira, mas se preferissem a lei de Moisés, seriam queimados vivos. Ademais, os que morriam enquanto ainda estavam presos, tinham seus ossos jogados na fogueira e até os que fugiam eram queimados em efígie, ou seja, queimava-se um boneco de pano no lugar dos fugitivos.

A morte não era a pena mais usada pela Inquisição. Em função de a Inquisição funcionar movida pelo medo, era melhor manter os acusados humilhados em público, para servir de fato-modelo passível de acontecer com as pessoas que se rebelassem contra a Igreja. Assim, os cristãos-novos acusados e condenados por “judaísmo”, em sua maioria, recebiam a sentença de “hábito penitencial perpétuo”, que era usar uma espécie de avental chamado “sambenito” durante toda a vida. Quem usasse um “sambenito” era alvo de insultos por onde quer passasse, além de ser abandonado pela família e pelos amigos e, além disso, não conseguir emprego. Ao morrer, o “sambenito” do condenado era pendurado no alto de uma igreja e, quando ele ficava desbotado pelo tempo, era substituído por um pano amarelo com o nome da família do condenado. Portanto, para o judeu não existia perdão. Assim ocorria a ação inquisitorial no Brasil a qual, nesse caso, se denominava Inquirição, mas não Inquisição, por se tratar, no território brasileiro, de uma mera investigação. Diante disso, a despeito de nunca ter havido um Tribunal Inquisitorial no Brasil, em 1621, o Inquisidor-Mor D. Fernão Mascarenhas sugeriu a introdução de um.

O período de maior número de perseguições, no Brasil, ocorreu na primeira metade do século XVIII, e a maior parte dos presos era do Rio de Janeiro, acusados de “crime de judaísmo”. É interessante ressaltar ainda, que a Paraíba abrigou uma comunidade cripto-judaica, ou seja, uma comunidade de cristãos-novos que praticava secretamente o judaísmo. Essa comunidade, composta, em sua maior parte, por lavradores de cana-de-açúcar, datada da primeira metade do século XVIII, era alvo constante da perseguição da Inquisição. Diante de tudo isso, não fechemos os olhos para essas verdades.

Pelos gritos de morte de Branca Dias, pelo sofrimento de Manoel Lopes de Carvalho, pela mutilação de Antônio Serrão de Castro e de tantas e incontáveis vidas perdidas, não deixemos que a verdade factual seja encoberta pela “verdade” forjada... Quanto às vítimas, elas merecem o nosso respeito, visto que foram postas para servir como uma espécie de bode expiatório, sendo sacrificadas a fim de que os cristãos católicos pudessem expiar-se dos pecados cometidos.

[1] – Graduada em História pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB.

[2] – A maior parte dos denunciados no Brasil era acusada de haver cometido “crime de judaísmo”. As práticas judaicas delatadas (denunciadas), com maior freqüência, são as seguintes: a de não comer carne de porco, colocar roupa limpa nas camas e mesas nas sextas-feiras à noite, vestir as melhores roupas nos dias santificados, guardar os sábados e fazer jejum no chamado Dia do Perdão (em hebraico, Yom Kipur).

Referências

NOVINSKY, Anita Waingort. A Inquisição. São Paulo: Brasiliense, 1983.

PIERONI, Geraldo. Banidos: a Inquisição e a lista dos cristãos-novos condenados a viver no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

PINTO, Zilma Ferreira. A saga dos cristãos-novos na Paraíba. João Pessoa: Idéia, 2006.
Autor: Fabiana Oliveira Leitão


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