O escritor — essa criança delicada — e o crítico: apontamentos sobre a Literatura Amadora no WebArtigos



Primeiro é bom que se diga que sempre desconfio de crítico literário brasileiro que não conheça pelo menos um escritor acreano. A desculpa é sempre a mesma: não há literatura do Acre, mas há sim, e muita. Desconfio também de crítico literário que intencione fazer um "apanhado" nacional da "nova literatura" lendo apenas livros publicados. Pois isso, além de se tratar dum falso requinte, não representará sequer um milionésimo do que de fato se publica no Brasil atualmente. Só acredito — e perceba que acreditar não faz muito o meu tipo — em crítica completa: aquela que fuça cada canto, que lê o que lhe aparece, venha de onde vier. Só acredito em crítico literário que lê, enfim.

Hoje, como a publicação literária se vê quase naturalmente atrelada à internet, como crítico — porque sou, sim, crítico —, interessa-me exatamente isso, essa publicação "online", e não somente aquilo que as editoras estabelecidas selecionam e publicam, como se catassem maçãs duma banca de feira e escolhem a mais vermelha, a mais bonita (e nem sempre a mais gostosa). Este espaço (WebArtigos) é sempre uma grande surpresa. Vejam só: há quem escreva e publique aqui com a certeza mórbida de que apenas os amigos lerão. E mesmo assim eles ainda se certificam de informar ao tal amigo que publicaram um texto tal, num site tal, aqui está o link, acessa lá... Daí, quando menos esperam, dão-se conta de que não só os mais chegados, mas que também camaradas completamente desconhecidos estão não só lendo, mas também avaliando com as benditas estrelas, comentando, rindo, chorando...

Como crítico, obrigo-me a um exercício diário: acessar o site, entrar em minha conta, clicar nos links de cada categoria e ler uma a uma, "caçar" algo que ainda não vi, rir, chorar... E isso porque Ler é minha paixão, sempre será (não direi que "sempre foi" para não cair no lugar-comum, mas de fato sempre foi mesmo). Não satisfeito, atrevi-me a classificar os textos lidos e a comentá-los. Isso — pelo menos nos últimos dias — tem irado e alegrado seus autores, o que é perfeitamente compreensível, já que eles nem sequer esperavam que alguém os lesse.

Entre as grandes surpresas que tive aqui, citarei primeiro Lucia Czer. Em seu artigo "Crítica Literária", ela discorre elegantemente sobre o tema, sem pressa, sem exageros, avalia o porquê do crítico, fala (da importância) de seu trabalho, consegue em poucos parágrafos — e com segurança rara — fazer o texto correr, ou melhor: deslizar. Outra surpresa (essa mais antiga) foi a poesia "Lavapalavra", de Mário Annuza, na qual, usando um artifício quase esquecido pelos poetas do site — a metáfora comparativa —, ele fala da delicadeza da coisa poética, do poeta que "alheio a tudo e a todos, enxuga os oceanos". Infelizmente, essa foi sua única (e aparentemente última) publicação. É uma pena. Falando em dias mais atuais, há os sonetos de Antônio Manuel Alves Rangel, que se tornou um bálsamo para os mais clássicos, sempre tão interessados em poesias certas, corretas, enfim, em poesias praticamente "sacras". Sua primeira publicação aqui (Mutação) já predisse o que viria depois. Nela, Antônio diz: "De um gosto de saliva feito sal/ da aventura de estar sempre calado/ de uma dor estridente, universal/ construo este universo inexplorado". Percebe-se — e não precisa ser crítico para isso — um poeta dentro do verso, a solidão dessa voz poética, nota-se a clareza da palavra, sua continuidade, sua "ordem" — o que me obriga a dizer (como já disse antes): não se rima na base da marretada!

Existe um nome que não tenho como deixar de citar que é Reinaldo Lamenza. E já não sei mais definir a qualidade dessa surpresa. Como a vários outros escritores daqui, critiquei-o por causas dos repetitivos erros de norma (que sempre pergunto se são erros de fato ou problemas na digitação) e equívocos de tipografia (muita vírgula, muito ponto, muito uso da maiúscula — que para alguns parece um grito etc.). Parece que ele não gostou muito. A pergunta é: ele teria agido igual se em vez de criticá-lo eu o tivesse elogiado? Nunca se saberá. Minha crítica também discorreu sobre a mediocridade do tema, o que se explicou mais tarde, com sua publicação de "Clara, Santa Clara" (obviamente homenagem à Clara Nunes e talvez a poesia mais acertada que ele tenha publicado aqui). Ocorreu-me, ao ler, que Lamenza poetiza como canção, o que de fato o exime de aprofundar-se no contexto poético propriamente dito para "versar" sobre o que lhe ocorre, de forma que esse verso não nasceria da coisa poética, mas da música, do ritmo (ouvido, imaginado); notem: uma coisa é olhar para uma praia e pensar na palavra, outra coisa é olhá-la e "ouvir" um ritmo. Na poesia citada, por exemplo, (com introdução e finalização concretistas "clara/ claridade/ santa clara/ Clara Nunes"), ele "versa" sobre imagens das músicas da cantora (mar, sereia, guerreira etc.) não abordando outro aspecto mais profundamente a não ser o musical, como se "ouvisse" sua música enquanto escrevesse. Se minha avaliação está correta, disso também nunca se saberá.

Outro escritor que deve ser citado é Miro Murray, que, em resposta a uma de minhas críticas, escreveu "Rotular a Poesia!... isso é coisa de xerife (...)", na qual, claro, defende o direito de liberdade de pensar (usando 8 sinais de exclamação numa poesia de 20 linhas — o que me parece exagero, mas que me abstive de comentar, dada a motivação de "protesto" que gerou (e nutriu) o texto. Fato é que algumas (quase todas) poesias de Miro me parecem crônicas, e se algo me parece crônica, eu acho que é crônica, tal como se eu comer uma melancia, com gosto de melancia, parecer-me-á melancia. Num de seus textos (Conjugando o Verbo), ele fala de Dilma Rousseff, Sarney, Lula, Genuíno etc. e da facilidade com que eles negam (ou mentem). Entretanto — e para não falarem que não falei de flores também —, ele escreve, em "No Contra Fluxo" uma metáfora comparativa interessantíssima: "agarrar a verdade e pendurá-la, como um colar, no meu pescoço", mecanismo através do qual o leitor imediatamente se identifica com a ideia, porque — mesmo sem saber o que é a "verdade" do poeta — pode "acompanhar essa sombra" da verdade; a metáfora comparativa (verdade/colar) é uma "pista" do que é a coisa poética. Para mim, como crítico, ler o mesmo autor capaz de metaforizar com essa paixão escrever sobre política me soa, no mínimo, incongruente, é como ser presenteado com uma rosa e em seguida com um pedaço de madeira podre.

Ao lado de Miro (falando de críticas que não foram bem-aceitas) encontra-se Marlene Santos. O motivo da crítica: o erro da norma, para variar. Assim como Murray, ela "mistura" poesia e crônica: escreveu "Jaqueline, a professora que dançou" e depois "A professora que foi vítima da dança", ambas sobre uma professora que perdeu o emprego porque um vídeo dela dançando Funk foi postado na internet.

Mas a minha questão com Marlene foi mesmo o erro da norma — crítica que a "impeliu" a escrever "Para um senhor chamado S", na qual diz: "Os meus erros de português/ Ferem a poesia/ Mas não a mata", afirmação que deve ser veementemente refutada, uma vez que a poesia pode sim morrer se não houver quem conheça a língua. Não há poesia que dure se seu autor não "plantar" sua continuidade. E o que é a continuidade da poesia? É a continuidade de seu instrumento — a língua. Façamos uma analogia: por que os videocassetes sumiram? Porque uma nova tecnologia os substituiu, e, em consequência disso, as fitas de vídeo sumiram também. Tudo porque — não havendo o suporte — não há porque manter os itens que estavam diretamente ligados a ele. Assim é a nossa língua, ela carece de continuidade, de renovação (não deturpação), de fôlego. Só dessa forma as novas gerações vão querer também escrever, pois viram que aqueles que vieram antes delas estabeleceram esse suporte, não só criaram-no como o mantiveram. Não quero com isso ser reacionário, pelo contrário, o que me motiva tanto a ler como a escrever é exatamente a ousadia possibilitada, a nova luz de cada verso, que jamais será como a antiga luz dos versos do passado, a autenticidade, o "jogo" e principalmente a Criação. Esta sim com maiúscula, pois é a ela que devemos tudo, é através dela que conseguimos — com estas velhas palavras, que parecem não servir para mais nada — criar o novo (de novo).

Aos escritores do site, que estão Criando esse Novo (alguns com mais, outros com menos destreza), saibam que os leio a todos, sem distinção. Até.

Sodine Üe


Autor: Sodine Üe


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