Viagens 9 - Viagem desastrada



Viagens 9 - VIAGEM  DESASTRADA

 

Eu trabalhava em Manaus,  trinta e poucos anos atrás.

De repente surgiu um problema em Viena.

Era um negócio grande, complexo. Devia ser tratado pessoalmente.

Fiz minha injeção contra a febre amarela, passei mal um dia, mas estava pronto para ir brigar, armado com cálculos, catálogos, argumentações.

Uma mala grande de roupas, uma outra, menor, de papéis.

Única companhia internacional que, saindo de Manaus, servia a Europa, na época, a Air France. O vôo passava por Cayenne, sede de uma antiga e tristemente famosa penitenciária e de imensas plantações de pimenta.

Ficamos três horas parados lá, num calor exagerado, antes de levantar vôo, direto para Paris. Desci em Orly, mas o vôo para Viena sairia vinte minutos depois de Le Bourget, o outro lado da cidade,. Nunca o alcançaria. Resignado, tomei o último vôo chegando a Viena,à meia noite.      

Surpresa! Cadê as malas? Telefona daqui, telefona de lá, primeiro perguntando; depois pedindo, insistindo, implorando.  Nada.

Fui dormir sem roupas, esperando um amanhã melhor.

Acordei bem disposto, mas logo me lembrei do contratempo. 

Minha caderneta com endereços, nomes, telefones, estava na mala de documentos. Tive que esperar no quarto, enrolado numa toalha.

Se fosse hoje, com internet, celulares, e outras maravilhas, seria fácil.

Mas, como disse foi mais de trinta anos atrás. Não viajava com dinheiro; só tinha traveler cheques, e adivinha onde estavam?   Acertou, na mala!

Finalmente, ao meio dia, um sorridente rapaz me traz uma mala, a menor. 

- “E a outra?” - “Vem amanhã, com o vôo de Bangkok”.  - “Bangkok?!”

- “Sim, sabe, na Tailândia!” 

Pudesse esgana-lo, o teria feito na hora. Mas não conseguiria a mala. 

Lavei a roupa de baixo, mas não havia como secá-la.

Enrolada nas toalhas, espremida, torcida, ainda continuava úmida.

O hotel não tinha lavanderia. Só indo a pé, a dois quarteirões de distância, no setor russo. “Setor russo?” Sim, Viena ainda estava dividida em quatro setores, cada um policiado por americanos, russos, ingleses e franceses, desde o fim da guerra mundial. Nunca sonharia de entrar no setor russo com uma  toalha de banho enrolada na cintura. Exclui esta alternativa.  

Comecei a despachar pelo telefone.

“Como? Mandar me buscar com um carro? Não, obrigado; estou com um programa apertado, tenho várias reuniões, mas lhe comunicarei quando puder ir visitá-lo. Obrigado, muito obrigado! Até logo!” 

Mesmo a reunião mais importante não justificaria trajes sumários.

Apesar de que, pensando bem, naquela época, nós brasileiros éramos tidos como originais, inovadores, excêntricos, até um pouco maluquinhos....

Mas isso seria demais. Resolvi esperar.

E sabe que foi bom?

Sim, porque o vendedor, aflito pelo meu atraso, pensou que estivesse negociando com outros e adiantou-se, mandando uma proposta com um desconto inesperado e excepcional.

Quando recuperei minha mala tailandesa, vi pelas etiquetas, que tinha dado também uma passadinha por  Orly, dois dias depois de mim.

Mas o desconto cobria o desgosto de ter ficado andando nu pelo quarto, louco como uma fera,  por dois dias inteiros....

 


Autor: Romano Dazzi


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