Viagens 10 - Que susto !



Viagens 10 - QUE SUSTO !!!

 

Itumbiara? Rondonópolis? Onde diabo fica isso?

Hoje é fácil, chega-se por estrada asfaltada, tem postos imensos da Petrobras, restaurantes, motéis; mas naquele tempo, no fim dos anos 60, era difícil.

Já para telefonar era uma complicação: às 8 da manhã você pedia a uma telefonista do Rio, que completasse uma ligação para Itumbiara.

Ao meio dia, quando vinha, estava pronta a ligação.

-Pronto, o seu Manuel não está, não! Foi almoçar. Liga mais tarde...

Não adiantava. Tinha que resolver pessoalmente.

A cultura de soja estava explodindo e precisava correr para comprar, seis meses antes da colheita tudo o que pudesse. 

Mas chovia a cântaros, daqui até lá.

1500 quilômetros de barro e de perigo; nos trechos bons, os caminhões faziam misérias.

Decidido: vamos de avião.

Em três horas no máximo, estamos lá. 

Assim podemos passar na fazenda do Silvio e compramos a produção dele também.

Cinco da manhã, neblina baixa, um friozinho úmido, que logo deve dar lugar ao sol quente.

O avião está pronto, abastecido,com os motores aquecidos.

É um Navajo, PA-31, que leva piloto, co-piloto e nós três passageiros.

Eu e minha esposa na frente, um aprendiz atrás.

Rolamos pela pista, aproveitando seu comprimento para ganhar velocidade. Primeira parada, uma fazenda perto de Araraquara.

Avistamos a fazenda, mas a pista está  bloqueada por dezenas de tambores coloridos. É para evitar os aviões de contrabando, diz o piloto.

Ele começa a passar em vôos rasantes, duas, três, quatro vezes.

Finalmente alguém acorda e corre com uma turma para afastar os tambores.

Mas enquanto isso, a combinação do balanço – uma verdadeira montanha russa -  e do estomago vazio, provocam um mal estar na minha esposa.

O piloto não se afoba  e serve-lhe  uma generosa dose de uísque.

Ela nunca tinha bebido uísque; e às sete da manhã, isso vira  uma bomba  Mas, paradoxalmente, melhorou logo.

Quando conseguimos aterrissar na pista de terra, ela já estava bem.

Um café rápido, um acerto na compra e partimos de novo.

Segunda etapa, Itumbiara.

O céu está claro, mas formam-se nuvens no horizonte.

Elas vêm do sudeste e nós vamos para noroeste; nenhum perigo!

Ao sobrevoar Itumbiara, procuramos em vão o aeroporto.

Não havia.

Tinha uma campina, com mato alto, que havia sido roçado às pressas numa faixa estreita, bem no meio.

No fim, como sempre, uma linha de alta tensão.

Só 3800 volts, calculamos. Mas daria para fritar-nos se caíssemos em cima.

O piloto – nunca soube o nome dele – fez uma graciosa acrobacia e desceu.  Rolamos pulando como cabritos pela campina, até chegar a um barracão. O nosso anfitrião esperava-nos impaciente.

-“Se não me tivessem morrido cinco cabras, só neste mês, vocês encontrariam um aeroporto bem melhor.”

Começamos a dança: Ele podia vender mas não queria, eu queria comprar mas não devia, tira cinco, junta três, tira dois põe um, acabamos acertando. Os produtos de Rondonópolis incluídos. Ele já tinha amarrado tudo. 

No fim, fomos almoçar.

Comemos tão mal que ainda me dói, trinta anos depois. 

Um cafezinho e... agora vem o problema; calculando a olho, o campo não tinha mais que 700 metros. –“Quanta pista precisa, para levantar vôo?

-“O manual diz um quilometro. Mas eu acho exagero . Não custa experimentar.

- “Não custa? Você está louco, rapaz; e se não der?

- “Faço um cavalo de pau e recomeço.

- “ Assim, como se fosse uma corrida de cart?.

Recomendei minha alma ao Criador e fomos.

E não é que deu certo?

Também, se não tivesse dado, você teria perdido esta história emocionante.  Voamos baixo, porque queríamos ver como estava a lavoura.

E também porque o combustível estava quase no fim.

Em quinze minutos apareceu Uberlândia.

Descemos, abastecemos, levantamos vôo.

Estávamos correndo na pista, quando veio o aviso de um temporal.

A coisa estava brava no lado oeste.

Mas íamos para o sul.  Nenhum perigo!

Mais quinze minutos e aparece Uberaba. Vamos descer. Por quê?

Para ver como está o tempo em São Paulo.

Ok. Tem uma nebulosidade, alguma corrente de ar, mas nada assustador. Seguimos viagem; e de repente, embaixo, em cima, de um lado, do outro, nuvens escuras, carregadas, quase pretas, e raios, tão próximos que parecem passar por dentro da cabine.

O nosso aviãozinho começa a pular, a  vibrar, a tremer quase como nós.

Ele subia e descia, empinava e  estolava; parecia ir um pouco para frente e um pouco para trás; isto não pode ser, eu sei, mas naquela hora, acontecia... O piloto não deixou transparecer, mas não enxergava mais nada,

Finalmente São Paulo;  não se vê nada ainda , mas deve estar aqui em baixo.  Um difícil contato por rádio, no meio de uma saraivada de raios, alerta-nos que devemos dar mais uma volta.

O piloto não teve a menor dúvida. Outra volta, coisa nenhuma! 

Se não descer agora, vou cair!

Meteu o focinho no meio das nuvens e de repente  a pista apareceu. Baixamos como num elevador de alta velocidade.

Ajustou os flaps, nivelou, acelerou os motores em reverso – todos fomos para frente, despregando-nos das poltronas – e deixou rolar.

Paramos uns dez metros antes do xadrez.

O piloto virou-se, com seu melhor sorriso, enquanto taxiava:

- Ficaram assustados? 

- Claro, dissemos em coro.  

- Muito?

- Muito!

– Eu também! - admitiu ele candidamente.- Mas é emocionante, não?

 

 


Autor: Romano Dazzi


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