A REPRESENTAÇÃO DO UNIVERSO FEMININO EM ''O PRIMO BASÍLIO'' E EÇA DE QUEIRÓS



PALAVRAS-CHAVE: Personagem; feminino; Juliana; Luísa; O primo Basílio.

"Devido à subalternidade do seu papel, à sua condição social de quase mero objeto de necessidades masculinas (a que a literatura romântica mistificadoramente e até perigosamente idealizara) a mulher queirosiana está sempre, como vítima principal, no núcleo patético da intriga." (Saraiva & Lopes, [s/d.]: 945).

[...] tenho passado anos e anos a ralar-me! Para ganhar meia moeda por mês, estafo-me a trabalhar, de madrugada até à noite, enquanto a senhora esta de pânria! [...] Há um mês me ergo com o dia, pra meter em goma, passar, engomar! [...] E a senhora, são passeios, tipóias, boas sedas, tudo o que lhe apetece_ e a negra? A negra a esfalfar-se!(p).

(QUEIRÓS DE.,2002 p.233)

INTRODUÇÃO

O romance O primo Basílio, de Eça de Queirós, publicado em 1878, foi o precursor do Realismo em Portugal e retrata o quadro da sociedade lisboeta no século XIX:

Luísa, uma jovem romântica, casa-se com Jorge, um engenheiro bem sucedido, funcionário de um ministério, mesmo sem amá-lo. Típico casal da sociedade lisboeta do século XIX, viviam em harmonia e dispunham de duas criadas: Juliana, invejosa e amarga e Joana, assanhada e namoradeira.O casal recebia em sua residência alguns amigos :D. Felicidade, a beata que sofria de crises gasosas, que morria de amores pelo Conselheiro; Sebastião, amigo íntimo de Jorge; Conselheiro Acácio, o bem letrado e Ernestinho,um escritor frustrado, além deLeopoldina , amiga íntima de Luísa que traía o marido. Ao viajar para Alentejo, Jorge deixa a sonhadora Luísa sozinha até que receba a visita do seu primo Basílio, homem sedutor e antigo amor da adolescente recém-chegado do Brasil. Jorge e Luísa tornam-se amantes, encontrando-se com freqüência em um quarto alugado exclusivamente para esse fim. Em pouco tempo, a criada Juliana, uma criada amarga e invejosa descobre o caso amoroso e desvia as correspondências trocadas pelos amantes. Luísa passa a ser chantageada pela criada. Em meio a esse tumulto, Jorge chega do Alentejo, descobre a traição e perdoa Luísa, que muito doente, entra em convalescença e morre.

Este artigo discutirá acerca da representação do feminino em O primo Basílio, de Eça de Queirós no qual fará um breve relato sobre a categoria personagem e discutirá acerca das personagens femininas na obra.

A argumentação deste estudo foi desenvolvida em duas seções, a primeira seção, intitulada "O papel das principais personagens femininas em O primo Basílio, de Eça de Queirós" onde faremos um breve estudo sobre a categoria PERSONAGEM, além de analisarmos o perfil comportamental de cada uma das principais personagens femininas citadas, a saber, Juliana e Luísa. A segunda seção tem como título "Uma análise sociológica de Juliana x Luísa em O primo Basílio, de Eça de Queirós" na qual discorreremos a respeito das diferenças sociais existentes entre as personagens: Juliana, representação da plebe e Luisa, personificação da burguesia portuguesa do século XIX.

Por fim, este artigo abordará a obra O primo Basílio, de Eça de Queirós, analisará a obra, a partir da categoria personagem, especificamente as personagens femininas.

A edição de O Primo Basílio utilizada na construção deste artigo foi da Editora Martin Claret, São Paulo, 2004. Coleção a obra prima de cada autor.

O PAPEL DAS PRINCIPAIS PERSONAGENS FEMININAS EM O PRIMO BASÍLIO, DE EÇA DE QUEIRÓS.

Segundo Brait (2005), tanto conceito quanto função da categoria personagens estão associados à reflexão a respeito do contexto social, cultural e psicológico no qual se apresentam, tendo como reflexo, a pessoa humana:

Tanto o conceito de personagem quanto a sua função no discurso estão diretamente vinculados não apenas à mobilidade criativa do fazer artístico, mas especialmente à reflexão a respeito dos modos de existência e do destino desse fazer. Pensar a questão da personagem significa, necessariamente, percorrer alguns caminhos trilhados pela crítica no sentido de definir seu objeto e buscar o instrum­ental adequado à análise e à fundamentação dos juízos acerca desse objeto BRAIT(2005,p.28).

As personagens podem ser classificadas como planas e redondas. As planas são definidas em poucas palavras e constituídas por apenas uma qualidade. Suas ações não apresentam relevância e apenas completam o desenvolvimento das personagens redondas, que, por sua vez, são complexas, dinâmicas e multifacetadas.

Em O primo Basílio, de Eça de Queirós, as personagens Juliana e Luísa, apresentam características de personagens redondas, por serem complexas e de características fortes e distintas. Passaremos então, a uma análise criteriosa a respeito do papel de Juliana e Luísa na obra supracitada.

Juliana Couceiro Tavira tinha aparentemente quarenta anos e era criada na casa de Jorge e Luísa.Filha de uma engomadeira e pai desconhecido, destaca-se na obra por ser uma personagem arredia, invejosa , amarga , gulosa, vingativa , oportunista e de aparência horrível , como retrata o autor:

Devia ter quarenta anos;era muitíssimo magra.As feições miúdas, espremidas, tinham a amarelidão de tons baços das doenças de coração.Os olhos grandes , encovados, rolavam numa inquietação, numa curiosidade,raiados de sangue[...]Tinha um tique nas asas do nariz. QUEIRÓS, ( 2002,p.22-23)

Possuidora de uma raiva mortal das senhoras em geral, Juliana é inconformada em estar servindo há mais de vinte anos e sonha ter a vida da sonhadora e apaixonada Luísa. Almeja ser a patroa, ter um negócio próprio, roupas de senhoras da sociedade.

[...] odiou, sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril. [...] odiava a todas, sem diferença. É patroa e basta! [...] cada riso delas era uma ofensa à sua tristeza doentia; cada vestido novo uma afronta ao seu vestido de merino tingido. Detestava-as na alegria dos filhos e na prosperidade da casa. Rogava-lhes pragas. (Idem; ibidem, p. 77 – 78).

Percebe-se, que Juliana apresenta características de vilã e tenta disputar o protagonismo com a patroa. Ao procurar encontrar algo que desabone a conduta de Luísa, a criada vive em função de uma vingança. Assim, o seu desejo torna-se real ao encontrar cartas jogadas no lixo pela sua senhora que evidenciam o caso de Luísa e do seu primo, Basílio. Era tudo que a criada almejava, por meio de chantagens, executa o seu plano de vingança e chantagem em torno de Luísa que passa a ceder a todos os seus caprichos.

Luísa Mendonça de Brito Carvalho, tinha 25 anos, era jovem, bonita, loura, delicada, fútil e sonhadora, fascinada pela leitura de romances românticos e dedicada dona-de-casa.

..o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e lácteadas louras;com o cotovelo encostado à mesa, acariciava a orelha, e, no movimento doce e suave dos seus dedos , dos anéis de rubis miudinhos davam cintilações escarlates.(idem;ibidem;p.19)

Casada com o engenheiro Jorge, vive um casamento seguro, porém sem amor. Em decorrência da viagem do seu marido ao Alentejo, fica sozinha. Porém, a presença súbita de Basílio, seu primo e antigo amor que retornara do Brasil, faz ressuscitar antigos desejos na moça.

Sozinha e frágil, Luísa encanta-se com as visitas do primo, um conquistador nato. Apaixonada, passa a recebê-lo diariamente em sua residência, o que desperta comentários da vizinhança e da criadagem. Após um período de reconquista, Luísa passa a encontra-se com o seu primo em um local especificamente destinado para esse fim. A jovem senhora cede aos encantos do primo e comete adultério.

Ao ser descoberta pela criada, a adúltera sofre as conseqüências do adultério e é chantageada. Vive períodos de angústia e temor em decorrência de uma ato desprovido de razão e carregado de sentimentalismo, até o momento em que seu marido descobre e acaba perdoando-a , porém tarde demais, pois Luísa adoece e morre.

Percebe-se que o adultério é utilizado na obra como uma crítica aos padrões da família lisboeta do século XIX como afirma o autor em carta a Teófilo Braga :

"...e você vendo-me tomar a família como assunto, pensa que eu não devia atacar essa instituição eterna, e devia voltar o meu instrumento de experimentação social contra os produtos transitórios, que se perpetuam além do momento que os justificou, e que de forças sociais passaram a ser empecilhos públicos. Perfeitamente: mas eu não ataco a família - ataco a família lisboeta - a família lisboeta produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem, e mais tarde ou mais cedo centro de bambochata. Em O Primo Basílio que apresenta, sobretudo, um pequeno quadro doméstico, extremamente familiar a quem conhece bem a burguesia de Lisboa(...)"idem;ibidem,p.386.

Em suma, as personagens Juliana e Luísa cumprem o seu papel na obra O primo Basílio, de Eça de Queirós. Juliana e Luísa, representantes da mulher queirosiana, exercem um papel subalterno, sem personalidades consideradas relevantes.

UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA DE JULIANA X LUÍSA EM O PRIMO BASÍLIO, DE EÇA DE QUEIRÓS.

"O romance passa a ser, no Realismo, obra de combate, arma de ação reformadora da sociedade burguesa dos fins do século XIX. Transforma-se em instrumento de ataque e demolição, por um lado, e de defesa implícita de ideais filosóficos e científicos, por outro." (MOISÉS, 1972, p. 234).

Segundo Moisés (1972), os realistas iam de encontro aos pensamentos românticos que tinham como foco principal o "eu". O realismo, tendo como característica principal a objetividade apresentava como foco principal a racionalidade e a visão objetiva.

O primo Basílio, de Eça de Queirós, pioneiro do Realismo Português, estabelece uma crítica à burguesia lisboeta no século XIX, tendo como alvo principal a família e o adultério. Justifica a presença de marcas constantes desta corrente literária por meio de críticas sociais, bem como, destaque dispensado à ociosidade da mulher burguesa do século XIX.

Utilizando Juliana e Luisa como representantes das desigualdades sociais, Queirós, faz uso destas personagens para corroborar o seu estilo em O primo Basílio no qual destaca a aversão das classes inferiores e subalternas sobre os mais abastados.

A criada Juliana, representante do povo, dos empregados e dos reprimidos, reconhecia a suaexploração e submissão , porém, almejava reverter esta situação, alcançando um lugar notável e atuante na sociedade.

Servia, havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifos, a levantar-se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando voltava a saúde!... Era demais! Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar se lhe embrulhava o estômago. Nunca se acostumara a servir. Desde rapariga a sua ambição fora ter um negociozito, uma tabacaria, uma loja de capelista ou de quinquilharias, dispor, governar, ser patroa; mas, apesar de economias mesquinhas e de cálculos sôfregos, o mais que conseguira juntar foram sete moedas ao fim de anos; tinha então adoecido; com o horror do hospital fora tratar-se para casa de uma parenta; e o dinheiro, ai! derretera-se! No dia em que se trocou a última libra, chorou horas com a cabeça debaixo da roupa.(p.73)

Contrariada por ser criada há mais de vinte anos, Juliana buscava mudar de posição social, estava cansada de dormir em cacifos, vestir trapos, etc. Com um ódio irracional, a criada tenta descobrir algo que a faça ascender socialmente. Assim, ao descobrir o segredo da patroa, seu discurso se modifica, pois ela acredita estar em vantagem e poder vingar-se. Movida pelo sentimento de inveja passa a chantagear a patroa: "– Ao inferno! – ou me dá seiscentos mil-réis, ou tão certo como eu estar aqui, o seu marido há de ler as cartas!" (p.268).

Em contrapartida, destaca-se Luísa, que recebe do autor todos os atributos característicos da classe dominadora. Assim, a ociosidade, a futilidade e ocasamento, ideal de felicidade da literatura romântica sobressaem como principais alvos de crítica do escritor. A felicidade da patroa desperta na criada ódio e inveja irracionais, sobretudo nos representantes das classes superiores.

Luísa espreguiçou-se. Que seca ter de se ir vestir! Desejaria estar numa

banheira de mármore cor-de-rosa, em água tépida, perfumada, e adormecer! O numa rede de seda, com as janelas cerradas, embalar-se, ouvindo música! Sacudiu a chinelinha; esteve a olhar muito amorosamente o seu pé pequeno, branco como leite, com veias azuis, pensando numa infinidade de coisinhas: — em meias de seda que queria comprar, no farnel que faria a Jorge para a jornada, em três guardanapos que a lavadeira perdera...(p.24)

Luísa, ao ceder aos encantos do seu primo Basílio, e entregar-se aos seus encantos, oferece á Juliana oportunidade de conseguir o que cobiça: algo que a fizesse ascender socialmente.

 

Percebe-se que o conflito estabelecido na obra não decorre das falhas de Luísa e sim da condição de descontentamento em que a criada se encontrava, que buscava uma chance para mudar de posição social em busca de uma nova vida, um companheiro e cuidados com a saúde, pois a mesma sofria do coração.Luisa, por sua vez, enquanto senhora e patroa não poderia despedi-la, tendo que ceder às suas chantagens. A partir desse momento, estabelece-se uma inversão de papéis: Juliana passa a obter regalias na casa em troca do seu silêncio:

 

E Luísa passou a vesti-la. Deu-lhe um vestido roxo de seda, um casaco de casimira preta, rosidades, transformava-as para Jorge as não reconhecer: mandou tingir de castanho o vestido, ela mesma por sua mão pôs uma guarnição de veludo no casaco.  Trabalhava para ela agora! – Como acabaria tudo aquilo, Santo Deus?(p.265)

Em O primo Basílio, de Eça de Queirós, não está em questão a personalidade de Juliana e Luísa e sim, os mecanismos sociais que determinam suas ações e as instituições que compõem a sociedade lisboeta do século XIX.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Publicado em 1878, O primo Basílio, de Eça de Queirós, o romance está atrelado à estética Realista/Naturalista portuguesa. Os ideais femininos representados em OPrimo Basílio",são criações masculinas. As personagens referem-se a uma construção social que distingue e confronta o masculino com o feminino.

Por meio deste estudo, podemos estabelecer uma análise mais profunda e criteriosa a respeito da obra em questão. Dessa forma, Queirós retrata Juliana e Luísa como mulheres dotadas de personalidades frágeis. Nesse sentido, pode-se afirmar que a construção do perfil da mulher queirosiana é caracterizado pelasubordinação e pelo desvio de conduta: de um lado, Juliana, representante do povo e vítima da sociedade lisboetae do outro lado, Luísa,frágil , ociosa , que torna-se objeto nas mãos do homem que tando deseja.

Em suma, O primo Basílio, de Eça de Queirós, é uma crítica aos padrões burgueses. A obra aborda questões sociológicas como as divergências existentes entre a burguesia X povo, os artifícios utilizados pela classe inferiorizada para livrar-se da repressão e da opressão, além do papel inferiorizado destinado às mulheres, precisamente porque, tanto autor quanto a sociedade da época não estavam preparados para ver a mulher como um ser independente, capaz de estabelecer seus próprios questionamentos.

REFERÊNCIAS

BRAIT, Beth. In: "A personagem e a tradição crítica" In: A personagem.7ª ed.São Paulo: ática, 2004. p 37 -42

MOISÉS, Massaud."Realismo" in:A Literatura Portuguesa através dos textos. 29. ed. São Paulo: Cultrix, 1998, p.355 -358 e p.686.

MOISÉS , Massaud " REALISMO" in: A Literatura portuguesa.33ª ed . São Paulo. Cultrix. 2005 p.193 - 197.

PROENÇA FILHO, Domício. "O REALISMO"in Estilos de Època na Literatura.15ª ed.São Paulo,Àtica, 2004 p.239 -242.

SARAIVA, Antonio José & LOPES, Oscar. História de Literatura Portuguesa


Autor: ana medrado


Artigos Relacionados


Vida Cristã

"papo De Jornalista" - José Neto Pandorgga

Ministério

Tempo De Deus

Angra Dos Reis

Aprendo Errado

Como Amar? Como Ter Paz?