Ao final do inverno



Vi passar pela calçada aquele menino de pálpebras caídas, olhar quase morto, um corpo mirrado, dentes poucos para sua pouca idade e os pais segurando-lhe pelas mãos.

            Era setembro, já terminava o inverno seco do nordeste paulista, dono de um sol com quase quarenta graus, as árvores emitiam brilhos através de suas flores coloridas e aquela manhã seria a ideal para castigar esta história que aqui se inicia. Pouca ficção e uma infinidade de detalhes colhidos da realidade, do cotidiano que nos remete ao subjetivismo aguçado para lidarmos com imensurável tristeza.

            Ao passar de mãos dadas com os pais notei algo diferente, não eram apenas as características visíveis em sua face, era o lamento carregado em seu semblante, a tristeza que o garoto transportava em seu corpo cansado, que clamava por ajuda.

            As mãos dos pais apertavam as do menino, não dando chance para que o mesmo nem ao menos respirasse. Durante as quadras que eles caminhavam fiquei a pensar nas injustiças que milhares de crianças, espalhadas por esse País não passam diante da brutalidade de pais de poucas palavras. Quadro que a cada dia ganha números absurdos, inflados pelos inúmeros casos de abuso a crianças de baixa auto-estima e uma vida carregada pelo trabalho forçado. 

            Mais adiante, em uma das praças da cidade o crime, que já era crime quando o pai apertava às mãos do menino e não lhe dava chance de clamar por socorro, tornou-se fato e aí entraram em ação os órgãos responsáveis pelo zelar dos direitos da criança e do adolescente. A cada dia o pai, com a ajuda da mãe, levava o filho a uma das praças da cidade e de lá, na espreita, observavam o trabalho do garoto, que pedia esmolas. Era dali, que os pais aparentemente donos de uma saúde invejável curtiam a vida enquanto o menino laborava. Nunca tinha freqüentado um estabelecimento de ensino, pois desde os seus cinco anos realizava essa função. Hoje aos dez anos nunca leu um livro, pelo contrário, fez fogo com muitas obras literárias para cozinhar alguns alimentos que ganhara nessa sua função. Os pais declararam “deixar que a vida os levassem”, pois a cachaça e o sexo era o que os mantinham vivos. E por falar em sexo, nesse dia em que o garoto foi abordado por policiais e denunciou seus pais, os homens a serviço da lei e da ordem encontraram o casal, no coreto da praça, fazendo sexo à luz do dia, incentivados pelo álcool e outras drogas ilícitas.

            O menino foi levado para um abrigo de menores e os pais encaminhados ao presídio masculino e feminino, acusados por uma série de artigos não permitidos pelas nossas várias leis. Psicólogos e Assistentes Sociais acompanham o caso, o menino irá estudar e nunca mais queimará obras literárias e seus pais dificilmente beberão cachaça e manterão relações sexuais, exceto se alguém lá no presídio permitir. Aí é uma outra história...


Autor: Sergio Sant'Anna


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