Acredita em disco voador?



Por Ivani de Araujo Medina

Esta pergunta revela mais do que aparenta. Hoje são discos, na Antiguidade eram escudos. Não importam as formas, sim a essência dos comentários. A possibilidade da existência de vida inteligente no universo, além da humana, é para muitos um grande absurdo. Contraria a idéia de que a vida só existe aqui por um ato divino e os astros têm a finalidade de enfeitar as nossas noites terrenas. É como se existisse um único cardume de sardinhas no oceano. Egocentrismo maior é impossível.

Nesta pergunta o verbo já define a origem do pezinho atrás. O verbo “acreditar”, cuja conotação é bem conhecida, se refere à crença e à fé. Por uma questão de fidelidade à própria cultura, pois a constatação da existência de inteligência extraterrestre causaria danos irreparáveis a ela, melhor ficar em guarda. “Crer” tem “duvidar” como resposta automática no caso de legítima defesa. Pensar, pra quê? Santo Agostinho e Martinho Lutero eram contra. De fato, tudo se encaixa com uma facilidade ameaçadora para se deixar à vontade o pensamento. A divindade está no céu; a divindade veio do céu; os anjos desceram do céu; os anjos voltaram ao céu; fulano foi levado para o céu; sicrano subiu ao céu; os deuses vieram do céu; quando morre vai para o céu; uma luz intensa brilhou no céu etc., mas céu não existe. É uma ilusão de ótica provocada pela atmosfera que nos dá um azul encantador, enfeitado com nuvens brancas ou cinzentas. O que existe é o lá fora, o desconhecido e nós fazemos parte dele com nossas crenças e dúvidas. Queiramos ou não.

Nessa majestosa insignificância azul dentro da noite eterna, por imaginada concessão divina, nos sentimos como o sujeito do esférico objeto. O delírio é tamanho que não conseguimos nos perceber como objeto quando o Universo é o sujeito. Sujeito surdo e mudo às nossas súplicas e indiferente ao nosso destino. O Homem criou uma história bonita para suportar uma realidade adversa e dar prosseguimento a um modelo conhecido. Segundo a crença mesopotâmica o Homem foi criado pelos deuses para servir-lhes de escravos e adorá-los para sempre. Por isso o Homem deve ser governado segundo as leis daqueles que o criou as suas imagens e semelhanças. A bíblia hebraica ─ a Lei ─ tem sua origem aí, na Mesopotâmia.

A religião mesopotâmica era de origem científica, voltada para este mundo e diferente da egípcia, voltada para depois da morte. Na Mesopotâmia, religião e ciência vinham do mesmo lugar ─ do templo. A rixa entre religião e ciência é uma falsa questão surgida na Idade Média por afirmação de poder. A pesar da cultura dominante, sabemos que em fase tardia da filogenia houve um crescimento explosivo do cérebro humano, provocando alterações que levaram ao limite o equilíbrio do esqueleto das fêmeas humanas ─ a abertura do osso da bacia para dar passagem ao novo e volumoso crânio do bebê intempestivo ─ queimando etapas no processo de evolução e fundando a dor do parto. Uma sugestão de manipulação genética refutada por alguns intelectuais como “tolice pura” e ponto final. O Homo sapiens surgiu assim, repentinamente na história da evolução da vida no planeta. Vale lembrar que este artigo se refere à criação da espécie humana, e não ao surgimento da vida.

Todavia, não é exigida a crença nessa possibilidade e tampouco lhe é atribuído um caráter científico acompanhado do desbotado “está cientificamente provado”. A palavra “possibilidade” se refere a algo que pode ter acontecido, algo que não contradiz necessariamente os conhecimentos recentemente adquiridos, mas deixa uma incomoda dúvida onde ela não existia, ou dela se procurava escapar. Somente por isso a consideração de uma possibilidade é produtiva à reflexão.

Ao refletirmos sobre a constituição moral do Homem, constatamos uma história complicada: moral significa costume e os costumes sempre variaram de povo a povo, de tribo a tribo, inclusive como resposta a um conflito intimo oficialmente sem explicação. Se por meditação considerarmos a crença mesopotâmica como a origem da nossa natureza divina (historicamente falando) ─ somada à natureza dos seres primordiais da Terra, que se encontravam num estágio diferente de evolução, mais adaptados do que os deuses para executarem tarefas braçais ─ verificamos uma desarmonia congênita na intimidade do novo ser. Não eram uma coisa nem outra. Muito, para a escala evolutiva em que se encontravam, e pouco, para o mundo dos seus criadores. Um verdadeiro conflito ambulante, produto do erro (pecado) que lhe deu origem ─ o pecado original.

Para encurtar a história, digamos que um dia esses seres conflitados se viram entregues a própria sorte quando seus criadores partiram. Espalharam-se pela Terra, exterminaram as demais espécies do gênero Homo e (com o que puderam assimilar do convívio com os seus criadores) iniciaram a própria história. Os mais espertos tomaram o lugar dos deuses e exerceram a supremacia. Aliás, a palavra “deus” não tem nada de sobrenatural na sua etimologia. Significa “brilhante”, luzente como são os discos voadores. Essa possibilidade não se choca com as chamadas conquistas espirituais e pode até explicá-las. É o caso típico em que uma possibilidade não anula a outra. Já imaginou se um disco voador foi o início de tudo e nós somos um subproduto de uma raça biologicamente mais evoluída? Que desconcertante, não?

Não obstante, também percebemos delírios tanto na negação quanto na afirmação dessa possibilidade. Muitos fazem vigílias à espera de uma salvação que não virá de um disco voador, se é que o nosso caso tem salvação. Se jeito houvesse, os criadores da Humanidade já o teriam dado. Se não houve, está explicado o fato dos nossos ancestrais remotos serem descartados como foram. A crença de que o interesse deles é trazer evolução à Humanidade não pode fazer sentido. Teriam interferido em diversas ocasiões se a intenção fosse nos poupar sofrimentos. Enfim, será que existe da parte deles alguma curiosidade para ver no que a criação do Homem vai dar? Pode ser.

De certo, nada se sabe a respeito, ao menos, oficialmente. Alguns afirmaram que a revelação de tais evidências levaria o sistema econômico ao colapso e convulsões sociais sacudiriam o mundo. Não levo em conta essa visão catastrófica. Todos iriam trabalhar no dia seguinte e as crianças para as escolas. A conversa não seria outra, evidentemente, e as transformações chegariam a seu tempo. Claro que muita gente não gostaria delas e o problema está aí. A crença religiosa movimenta valores inimagináveis e isso não é novidade.

O fato é que as possibilidades humanas caminham lentamente sob as luzes da ciência, que delas pouco pôde desvendar. No entanto, a tecnologia se evidencia, cada vez mais, como a ponta da lança da origem divina do Homem. Enquanto a consciência ainda dorme na sombra, os quarenta ladrões furtam às claras sem nada a temer. Na gruta deles, fechada pela grande pedra do temor, a riqueza imensa que equilibraria esse vertiginoso avanço tecnológico está depositada em benefício próprio, em continuidade à tradição daqueles que se puseram no lugar dos deuses, administrando a dificuldade moral congênita do Homem. E não há como impedi-los. Portanto, sem fazer uso das metáforas gnósticas, arrisco a protestar com clareza: ─ Abre-te, cérebro!
Autor: Ivani de Araujo Medina


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