Participação do advogado no crime de falso testemunho



Ainda se revela controvertida a incriminação do advogado em falso testemunho quando orienta a testemunha a pronunciar declaração inverídica.

O artigo 342 do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 10.268/2001, descreve o falso testemunho como o ato da testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, de fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade.

Observa-se que o delito descrito é de autoria exclusiva da testemunha e de ninguém mais. Ampliar a interpretação do artigo, para ali, incluir outra pessoa, mormente na qualidade de advogado, é dar à Lei uma interpretação ilegal.

O sujeito ativo do delito só pode ser a testemunha, jamais a vítima, o advogado, tanto que estas sequer estão sujeitas a dizer a verdade. A ação incriminada consiste em fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, em processo judicial, administrativo, inquérito policial.

Três são as modalidades de ação delituosa previstas pela lei: fazer afirmação falsa, calar a verdade ou negar. Verifica-se que a testemunha depõe sobre fatos, vedando a lei que ela manifeste suas opiniões ou apreciações pessoais sobre os mesmos. Porque a função da testemunha é a de narrar ou transmitir ao julgador os fatos pretéritos que percebeu. Aqui cabe o que se entende por percepção, pois cada pessoa percebe os fatos de maneira singular. A percepção é de crucial importância para o julgador no momento que a testemunha narra os fatos.

O que o juiz tem que ter em mente que cada pessoa percebe os fatos segundo sua maior ou menor capacidade de ver e sentir e principalmente apreender, captar esses fatos.

A falsidade de que tratamos, não é o contraste entre o depoimento da testemunha e a realidade dos fatos, mas entre o depoimento prestado e a ciência da testemunha.

Falso é o depoimento que não está em correspondência qualitativa ou quantitativa com o que a testemunha viu, percebeu ou ouviu. Por isso é de suma importância, aferir-se a capacidade de percepção da testemunha, pois cada pessoa percebe de forma diferente o que viu.

Assim, tem se posicionado as decisões dos Tribunais:

"Sendo manifesta a contradição entre o dito da testemunha e a realidade objetiva, da qual tinha ela ciência e consciência, configura-se o delito de falso testemunho". RT 430/356.

"Entre os vários modos pelos quais se externa o crime de falso testemunho figuram a falsidade positiva, consistente na asseveração de um fato criminoso, e a negativa, que corresponde à negação de um fato verdadeiro". RT439/359.

"A falsidade a que se refere o art. 342 do CP não é contraste entre o depoimento e a realidade dos fatos, mas entre o depoimento e a ciência da testemunha". RT 498/293.

Nem toda mentira, contradição, aparente falsidade, podem ser enquadradas no falso testemunho, uma vez que não se prescinde do elemento moral, o dolo. Daí, exigir-se uma prova concludente e perfeitíssima, escoimada de todos os equívocos". RT 421/77.

 

E a torrente jurisprudência é no sentido de que, não é suficiente, para constituir falso testemunho, que o depoimento seja contrário à verdade e possa causar um prejuízo, é preciso que tenha sido feito com intenção dolosa. Não há crime quando a testemunha labora em erro, em boa-fé ou ignorância.

O Código de Processo Penal, por seu turno, no Capítulo ''Das Testemunhas'', exige ''a promessa de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado'', exigência posta pelo julgador antes da oitiva da testemunha, que prestará o compromisso de dizer a verdade daquilo que souber e lhe for perguntado, há três espécies de pessoas, relativamente à testemunha: a) pessoa que tem obrigação de depor; b) pessoa proibida de depor; c) podem recusar a prestar depoimento o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

A lei penal precisa ser sensível a distinções; aliás, o Código de Processo, registrou-se, assim o fez. As máximas da experiência revelam que a mãe, como regra, protege, preserva o filho ainda que o descendente pratique condutas socialmente proibidas. A recíproca também é verdadeira. E, na devida proporção, acontece com todo ascendente, ou descendente, cônjuge, ou entre pessoas que, de uma forma ou outra, alimentam afeição entre si.

A testemunha, antes do depoimento, prestará o compromisso de dizer a verdade não será exigido aos doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 (quatorze) anos, ou seja, aos que podem se recusar a depor.

Assim o crime de falso testemunho e crime de mão própria, todo aquele que só pode ser praticado pelo autor direto da infração. Em princípio não admite co-autoria ou mesmo a co-participação através da instigação ou orientação.

E em assim sendo, entendo que o artigo 342 do Código Penal caracteriza muito bem o delito de mão própria que é:

"fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral".

Por se tratar de crime de mão própria, não admite o falso testemunho à co-autoria. Tem caráter personalíssimo e sua responsabilidade é intransferível.

Cumpre observar, primeiramente, que não é possível a participação nos crimes de mão própria, de que é exemplo o falso testemunho, previsto no art. 342 do CP, que só pode ser executado pessoalmente pela testemunha, perito, tradutor ou intérprete, do co-autor que esta presente na fórmula do art. 29 do Código Penal, tendo em vista que só aquele agente especificado na descrição do tipo pode ser autor do delito. Assim, não se pode falar em participação nos delitos de mão própria, onde ocorre um verdadeiro tipo especial de autor.

Outrossim, a sistemática do CP exige uma análise pormenorizada com relação ao delito de que ora se trata. Evidentemente, como já ressaltado, admite-se a punição com base no concurso de agentes, na modalidade da participação, nos crimes de mão própria. Entretanto, existe atenção especial do legislador. É que, para alguns delitos, o próprio Código estabelece como vai se dar à punição no caso do concurso de agentes, havendo uma espécie de quebra da unidade trazida pelo art. 29. Em outras palavras, especifica qual conduta deverá ser punida como concurso, deixando as demais livres da tipicidade penal.

Foi exatamente o que ocorreu com o delito do art. 342. O legislador alterou a unidade do concurso de agentes para incriminar, com a mesma sanção, em tipo autônomo - art. 343, apenas a conduta de quem dá, oferece ou promete dinheiro ou outra vantagem à testemunha, perito, tradutor ou intérprete. Assim, a participação só se revela como conduta típica quando ocorre o oferecimento da vantagem prevista.

É verdade que o juiz não pode estar sujeito a pessoas que comparecem à sua presença e, por razão que se desconhece, lhe dão versão diversa sobre um único evento. Para caracterizar o delito de falso testemunho se faz necessário o efetivo resultado danoso, pois trata-se de crime formal, tendo relevância se teve ou não influência na decisão dos autos em que foi prestado. De outra face, há que se ver que um testemunho que de início se mostrava falso, pode deixar de se constituir crime se o seu autor se retratar ou declarar a verdade antes da sentença. É necessário para que haja potencialidade lesiva que leve o julgador a modificar seu veredicto, e que as provas coletadas se traduzam somente nos testemunhos.

O ordenamento jurídico pátrio adotou, no concernente à natureza jurídica do concurso de agentes, a teoria unitária ou monista, segundo a qual todos aqueles que concorrem para o crime, incidem nas penas a ele cominadas (art. 29, do CP). Entretanto, exceções pluralísticas há em que o próprio Código Penal, desmembrando as condutas, cria tipos diferentes. É, por exemplo, o caso do falso testemunho, hipótese em que a testemunha que faz afirmação falsa responde pelo delito do art. 342 e quem dá, oferece ou promete dinheiro ou outra vantagem para que aquela cometa o falso no processo penal, incide nas penas do art. 343.

No crime de falso testemunho, a conduta do advogado é atípica, porquanto se limitou a instruir a testemunha a dizer isso ou aquilo em juízo trabalhista sem, dar, oferecer ou prometer qualquer vantagem.

Em vários julgados, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça assentou que o advogado só responde pelo falso testemunho na modalidade do art. 343, isto é quanto dá, oferece ou promete dinheiro ou outra vantagem a alguém para que preste falso testemunho:

"PENAL. CONCURSO DE AGENTES. NA TUREZA JURÍDICA. TEORIA UNITÁRIA. EXCEÇÃO PLURALÍSTICA. FALSO TESTEMUNHO. PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O ordenamento jurídico pátrio adotou, no concernente à natureza jurídica do concurso de agentes, a teoria unitária ou monista, segundo a qual todos aqueles que concorrem para o crime, incidem as penas a ele cominadas (art. 29, do CP). Entretanto, exceções pluralísticas há em que o próprio Código Penal, desmembrando as condutas, cria tipos diferentes. É, Por exemplo, o caso do falso testemunho, hipótese em que a testemunha que faz afirmação falsa responde pelo delito do art. 342 e quem dá, oferece ou promete dinheiro ou outra vantagem para que aqui ela cometa o falso no processo penal, incide nas penas do art. 343. Precedente da Corte. 2. Na espécie, a conduta da recorrida (advogada,.) é atípica, porquanto limitou-se a instruir a testemunha a dizer isso ou aquilo em juízo trabalhista sem, frise-se, conforme restou consignado pelo acórdão recorrido, dar, oferecer ou prometer qualquer vantagem. 3. Recurso especial não conhecido." (STJ - RESP 169212/PE - 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 23.8.99, p. 157)

Assim resta evidente que processar um advogado pelo crime de falso testemunho e o mesmo que agir acima da legislação brasileira, de forma contrario ao ordenamento jurídico pátrio, e portanto ilegal.

O profissional que se limita a orientar, insinuar ou pedir a testemunha para fornecer ao juízo a versão mais favorável ao cliente, ainda que não ajustada à realidade dos fatos, embora incida em desvio de caráter ético, não transgride a norma penal. O induzimento ao falso testemunho desacompanhado de corrupção, ameaça, ou pressão não constitui fato típico, sendo contraria a legislação qualquer condenação neste sentido por ser fato atípico não previsto na legislação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NORONHA, Magalhães, Direito Penal, 8ª ed., vol. 4, p. 389, 1976

FRAGOSO, Heleno, Elementos de Direito Penal, vol. I, p. 1.023.

HUNGRIA, Nelson, Comentários ao Código Penal, 8ª ed., vol. IX, p. 475

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Autor: Bento Jr Advogados


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