O Trio Fantástico



Passava pouco das dez horas quando a família Fire se preparava para iniciar suas férias de verão. Uma família rica, dona de grandes empresas e indústrias, a maior parte delas de fósforos, daí o apelido Fire. Eram apenas três: o pai, a mãe e um único filho.

Xavier, também conhecido como Sr. Fire. O mandachuva da família era um homem alto e magro, sempre sério, dedicava-se de vida e alma ao trabalho. Enormes olhos castanhos, cabelo preto começando a aparecer fios brancos, o Sr. Fire aparentava ser muito mais velho do que sua verdadeira idade.

Sanny, também conhecida como Sra. Fire. A única mulher, da casa pode-se dizer que não é uma das pessoas mais simples do mundo. Diferente do marido, a Sra. Fire era uma pessoa alegre, principalmente se estivesse em um salão de beleza. Havia vencido muitos concursos de beleza durante toda a sua vida, mas era evidente que seus olhos azuis, cabelos grandes e loiros e seu corpo perfeito convenceria qualquer jurado.

Por fim, o pequeno Firezinho. Um garoto de cinco anos, que para sua idade era muito alto; fisicamente lembrava muito o pai: olhos castanhos, cabelo preto, era uma miniatura do Sr. Fire. Alegre, mas solitário, Firezinho nunca foi o filho dos sonhos dos pais, ou seja, um menino arrogante, que gabava da riqueza que possuía. Nada disso, ele era um menino doce, que não se interessava por dinheiro algum, o que o tornava diferente dos pais, resultando na falta de atenção que ele sofria. Sempre foi mantido na escola ou com empregadas, o único amigo que tinha era Leon, o filho do sócio número um do Sr. Fire, mas mesmo assim nunca o via.

- Vamos, está na hora – gritava o Sr. Fire do lado de fora de sua casa, ao lado de seu carro. Perto dali os gatos do vizinho brincavam com uma pequena bola amarela e acidentalmente a bola entrou dentro do carro pela porta que estava entreaberta, assim sujando de lama onde tocava. – Hã? Sanny!!!!!!!

- Por que esses berros, Xavier? – perguntou a Sra. Fire, que vinha ofegante sob o peso das malas.

- Veja o que sua demora fez – o Sr. Fire indicou com as mãos a sujeira que a bola havia feito.

- Poupe-me, Xavier. Retire a bola daí, depois vá ao lava jato e pronto, agora pegue essas malas que nunca vi nada tão pesado.

- Não sei por que tantas coisas, pretendo voltar daqui a uma semana.

- Separo-me de qualquer coisa, mas de minhas roupinhas não.

- Você quem sabe. É melhor irmos andando.

- Esperem por mim – pediu uma voz minúscula e ofegante.

Era o Firezinho, estava todo suado e parecia ter corrido quilômetros.

- Onde é que você estava? – perguntou o Sr. Fire, colocando a última mala no carro.

- Fui... dá um tchau... aos gatos... da rua – respondeu o garoto esforçando a voz para que o pai o compreendesse. – Mas agora estou pronto, só preciso de um outro banho.

- Nada de banho – começou o Sr. Fire empurrando o garoto para os bancos do carro. – Estamos mais que atrasados. Charles já deve está impaciente.

- Charles? – perguntou Firezinho. – O senhor quer dizer o Sr. Charles?

- Sim Charles – confirmou o Sr. Fire –, meu melhor sócio, deveria haver mais pessoas como ele no mundo.

- O que o Sr. Charles tem haver com nossas férias? – perguntou Firezinho.

- Ele entende de madeira muito mais que eu – respondeu o Sr. Fire com calma. – E aliás toda a família dele vai conosco.

- Madeira? – pergunta Firezinho entendendo cada vez menos o que se passava. – O que está acontecendo? Vamos para uma floresta ou coisa assim?

- Uma ilha – respondeu o Sr. Fire. – Vamos para uma ilha.

- E o que vamos fazer em uma ilha? – pergunta novamente o pequeno Firezinho.

- Nossas fábricas estão precisando de uma madeira realmente boa – respondeu o Sr. Fire – e Charles andou pesquisando e descobriu essa ilha, ele garante que é a melhor que já viu. As fá-

bricas concorrentes que se preparem – seus olhos brilharam rapidamente.

- Deixa eu vê se entendi: vamos tirar férias de um trabalho e enquanto isso vamos trabalhar em outra coisa – falou Firezinho, sentia uma coisa quente chegar em sua cabeça.

- Como você é metido, moleque! – falou a Sra. Fire, entrando na conversa pela primeira vez. – Você não entende o mundo capitalista e pergunto-me se um dia entenderá.

Depois dessas palavras Firezinho ficou calado o resto do tempo, sendo imitado pelos pais, foram realmente minutos agonizantes de profundo silêncio.

Firezinho observava as casas e os prédios se desmanchando rapidamente devidoà velocidade do carro, atravessava cada esquina sem parar, até dobrar em uma última e o carro diminuiu a velocidade, parando em frente a uma enorme casa onde havia três pessoas a espera. Charles e a família com certeza já estavam prontos para viajar para a tal ilha.

- Achei que havia desistido, meu amigo Xavier – falou o Sr. Charles com um sorriso que ocupava todo o seu rosto. O Sr. Fire saiu do carro para cumprimentar o amigo e a família, convidando a sua a fazer o mesmo.

- Desistir de faturar mais, nem sonhando – falou, agora abraçando o amigo.

- Que vestido mais lindo, Sanny! – comentou Shirne, a esposa do Sr. Charles. – Deve ter custado uma nota, quer dizer nada que nos prejudique, não é mesmo – Shirne também não era tão humilde, combinava muito com a Sra. Fire, assim as duas eram inseparáveis.

- Você achou? Nem notei, apenas comprei – as duas começaram a rir sem motivo algum.

Firezinho estava sentindo algo estranho, parecia que estava só, mas cercado de pessoas, umpressentimento estranho, algo que ele não podia explicar.

- Oi, Firezinho – uma voz trouxe Firezinho de volta a realidade. Era Leon.

- Oi – respondeu o garoto meio envergonhado. – Fiquei feliz em saber que você ia para a ilha.

- Então você sabe, não é? Nem acreditei quando meu pai me falou, no começo achei chato, preferia ir para Paris, Lisboa, esses lugares sabe? Mas depois ele me contou uma coisa que eu adorei e aposto que você não sabe o que é.

   - Não sei mesmo, mas nada que você me disser vai mudar minha opinião que a gente deveria ir para outro lugar.

   - A ilha não é simplesmente uma ilha, é uma ilha vulcânica – os olhos de Leon brilharam como os do Sr. Fire quando estava no carro. – Entendeu? Tem um vulcão nela. Legal não?

   Firezinho não respondeu. Apesar de ter dito que nada iria mudar sua opinião, saber que iria ver um vulcão de perto havia mexido na sua cabeça. Quando ia responder a Leon o que havia achado da história do vulcão, o Sr. Fire mandou todos entrarem no carro.   

   - Está na hora – comentou Leon para o amigo enquanto os outros entravam no carro.

   - Vai ser a maior chatice ficar dentro de um carro sem fazer nada – disse Firezinho. – Até chegarmos no estaleiro já vou ter bocejado bastante.

   - Também pensei nisso e, como sou um gênio trouxe minhas revistas do Homem-Tocha – Firezinho sabia muito bem que Leon era o fã número um do Homem-Tocha e que seu maior sonho era participar de um filme dele. – Quer ler?

   - Não, obrigada – agradeceu com um sorriso extremamente falso. Havia deixado de gostar do Homem-Tocha quando seu pai falou que ele não passava de um humano se fantasiando de herói.

Lembrou-se da decepção que sentiu e não queria que seu amigo passasse pela mesma coisa.

   Enquanto Leon lia e relia cada uma de suas revistas, Firezinho observava cada movimento do carro; as mulheres falavam tanto, parecia que estavam disputando; os homens também falavam,

só que menos e assuntos muito mais chatos.

   Havia passado meia-hora quando chegaram ao estaleiro e sobre os bocejos, Firezinho tinha razão, foram muitos.

   - Charles e eu vamos entrar, fiquem aqui e aproveitem o tempo – anunciou o Sr. Fire.

   - O navio do seu pai tem tido problemas? – perguntou Leon ao amigo.

   - Mais ou menos, da última vez que navegamos nele ele queria afundar, mas por sorte o Capitão Sábia era muito bom e fez seus truques.

   - Quem é o Capitão Sábia?

   - Quem é não, quem foi – corrigiu Firezinho. – O Capitão Sábia faleceu há duas semanas. Era um bom capitão, papai só confiava nele. Devia ter uns noventa anos.

   - Bom, espero que seu pai tenha encontrado um capitão tão bom quanto ele.

   - Você não escutou o que eu falei? Papai só confiava nele. Hoje ele quem vai comandar o navio, ele quem vai ser o capitão.

   - Legal, quantas vezes ele já...

   - Nenhuma – interrompeu Firezinho. – É a primeira vez na vida dele, mas ele sempre ficou olhan- do o Capitão Sábia.

   Parecia que Leon havia congelado, mas Firezinho não podia culpá-lo, era realmente assustador pensar que iriam navegar com um capitão de primeira viajem. Mas a hora estava chegando, o Sr. Fire e o Sr. Charles estavam saindo do estaleiro; e o Sr. Fire parecia nervoso e entusiasmado.

   - Todos prontos? – perguntou o Sr. Fire. – O Firezão está pronto.

   - Por acaso Firezão é o navio? – perguntou Shirne, dando uma pausa na conversa com a Sra. Fire.

   - É sim.

   - Eu não sabia que nosso navio tinha um nome - disse Firezinho.

   - Tudo tem que ter um nome e uma história, pelo menos é o que eu acho.

   - Então ele tem uma história? – perguntou Firezinho.

   - Tem e eu posso contá-la para você e para o Leon mais tarde, se quiserem, claro.

   - Eu quero e você Leon?

   Leon não respondeu, tinha a mesma expressão no rosto desde que seu amigo contará sobre o pai ser marinheiro de primeira viajem.

   Todos foram entrando no navio, até mesmo Leon que era empurrado por Firezinho. Aos poucos foram subindo os degraus até chegarem ao último. Cada passo que Leon dava, Firezinho sentia o

corpo do amigo tremer.

   - Relaxa um pouco – pediu Firezinho a Leon.

   - Não dá – falou Leon, estava branco como a neve e suas mão suavam muito.

   - Eu confio no meu pai – declarou Firezinho. Olhou para o pai que se encaminhava para a cabine do capitão, parecia decidido.

   - Xavier disse que vocês dois dormirão no mesmo quarto – disse o Sr. Charles que havia chegado de mansinho por trás dos garotos.

   - No quarto mais alto, certo? – perguntou Firezinho.

   Depois que o Sr. Charles confirmou, os dois garotos foram para o quarto mais alto do navio. Havia duas enormes camas, aparentemente confortáveis. Estavam cobertas com grossas colchas, a de Firezinho era desenhada com carros de corrida, já que ele adorava; e para surpreender a todos

a de Leon era do seu time de futebol preferido.

   - Achei que a sua era do Homem-Tocha – comentou Firezinho.

   Leon nada havia respondido. Firezinho achava que sabia por que: o navio já estava navegando,o que significava que não havia mais volta, o capitão era o Sr. Fire.

   Passou-se uma hora e os garotos continuavam no quarto. Leon estava deitado na sua cama coberto por lençóis, apesar de estar fazendo calor. Firezinho não queria deixar o amigo naquela si-tuação sozinho.

   - Alguém aqui quer comer algo? – perguntou a Sra. Fire que tinha acabado de chegar no quarto.

   - Tem bolo? – perguntou Firezinho. – Não quero comer mais nada, tenho medo de enjoar.

   - Não fui à cozinha, mas deve ter – dizendo isso, ela saiu do quarto.

   - Vamos comer alguma coisa Leon.

   - Uma saladinha e só.

   - Assim que se fala – animou-se Firezinho dando um soco no ar.

   Desceram até a cozinha e Firezinho percebeu que Leon estava mais calmo. Ao entrarem no grande cômodo, depararam-se com deliciosas comidas, uma mais gostosa do que a outra: bolos, salgadinhos, tortas, frutas, etc. Mas uma coisa, que não foi a comida, surpreendeu Firezinho: havia mulheres trabalhando.

   - Por que essas mulheres estão trabalhando? – perguntou Firezinho ao amigo. Fazia um sussurro quase mudo.

   - Para satisfazer nossa fome e...

   - Eu sei que elas estão trabalhando. O que quero saber é qual o motivo de estarem trabalhando nas férias.

   - Sabe Firezinho – começou Leon com uma voz que não parecia dele. Colocou o braço no ombro do garoto e fechou os olhos, Firezinho lembrou-se de já te visto o Sr. Charles fazer a mesma coisa. –, há pessoas que não podem parar de trabalhar, entende? Já imaginou se o Homem-Tocha tira férias? Seria uma bagunça.

   - Ainda acho que isso é errado.

   Durante o resto do dia Firezinho ficou pensando em tudo que Leon havia falado e chegou a conclusão que desde aquele momento o verdadeiro Leon havia voltado, o mesmo garoto que pensava como um adulto.

   A noite chegou de mansinho e Firezinho sabia que com certeza seu pai ia escolheu esta hora para contar a história de Firezão, o navio. Não demorou muito e seu pai estava ensinando ao Sr. Charles os princípios básicos de como ser um capitão. Mais ou menos quinze minutos depois, o Sr. Fire vinha na direção dos garotos que estavam à beira da piscina tomando chocolate quente.

   - Estão muito ocupados? – perguntou ele. Os garotos negaram. – Bom, talvez essa seja a melhor hora para contar a história do Firezão, não acham?

   - Somos todo ouvido – gritaram os garotos ao mesmo tempo.

   - Certo – começou o Sr. Fire. – Como vocês devem saber as indústrias Fire são passadas de ge-

ração em geração. No tempo que meu avô era o dono, as indústrias eram exemplo. Ele sempre dizia que ia deixá-las para meu tio Arthur, já que seus únicos filhos eram meu tio e meu pai. Mas co-

mo deve ser novidade para vocês, meu tio fugiu para a Turquia junto com amigos.

   - O que isso tem haver com o Firezão, papai? – perguntou Firezinho.

   - Eu vou chegar lá – continuou ele. – Ninguém nunca soube o motivo dessa fuga, meu tio era um homem sério, achávamos que não tinha amigos, eu tinha cinco anos naquela época. Ele era meu exemplo, já que meu pai sempre foi um homem brincalhão que não sabia dar ao dinheiro o respeito que ele merece – ele parou e respirou fundo. – Depois da fuga do tio Arthur, vovô não tinha es-

colha, teria que deixar as indústrias para meu pai.

   - Mas isso foi bom, não? – perguntou Leon. – Senão o senhor nunca seria o dono.

   - Seria sim – respondeu o Sr. Fire. – Meu tio me tinha como um filho e mesmo se ele não gostasse de mim teria que me repassar já que ele não tinha nenhum filho ou outro sobrinho, pois sou filho único. Mas o caso é que as indústrias na mão de papai foi um desastre, faliram nos dois primeiros meses. Se me lembro bem, nunca vi meu pai tão sério como naquele tempo...

   O Sr. Fire parou, olhou para o chão e enxugou rapidamente uma lágrima no olho direito.

   - Como já disse, as empresas faliram e a notícia correu no mundo todo, creio eu. Meu pai estava cheio de problemas e dívidas, não o culpo por parte, era inexperiente, mas se tivesse se dedicado como o tio Arthur com certeza não teria tantos problemas.

   - Mas se o seu tio Arthur fugiu deve ter sido porque não aguentava mais todas essas coisas não acha? – perguntou Leon.

   - Já pensei nisso antes – disse o Sr. Fire. – Voltando à história; se a notícia correu em todo o mundo não deixou de chegar na Turquia, pelo menos essa foi à explicação do tio Arthur quando ele voltou. Admito que fiquei surpreso quando ele voltou, mas também fiquei feliz, foram dois anos sem ver o meu tio, ou seja, dois anos de falência das empresas Fire.

   - Então seu tio resolveu tudo, certo? – perguntou Leon.

   - Dentro de quatro meses – respondeu o Sr. Fire aparentemente feliz. – E até hoje elas não fali-

ram mais. Mas tenho que admitir garotos, aqueles dois anos foram os piores de minha vida, havia visto um barquinho perto de um estaleiro e pedi ao papai, mas ele me respondeu que não precisa-

vamos de um barco e se eu realmente o quisesse teria que trabalhar e batalhar para tê-lo.

   Mais uma vez uma lágrima apareceu no olho direito do Sr. Fire, mas ele não a enxugou, seu ros-

to aparentava um orgulho tremendo.

   - Foi nesse dia, garotos – recomeçou ele. –, que eu prometi que ia trabalhar até ter dinheiro o su-

ficiente não para comprar o barco, mas sim para comprar um navio. E digo mais, fui considerado o trabalhador do ano mais de cinco vezes na nossa indústria.

   - Eu suponho que o tal navio é o Firezão, certo? – perguntou Leon.

   - É sim – confirmou Firezinho e olhou para o pai. – É realmente uma história comovente, pai – di-

zendo isso lhe deu uma tapinha nas costas. – Mas já é tarde e temos que dormir.

   - É vão, amanhã já devemos ter chegado.

   Indo para o quarto ao lado de Leon, Firezinho achou que todo esse passado do pai resultou em um presente bem trabalhoso tanto para ele quanto para a família.

   - Boa noite Firezinho – desejou Leon.

   - Para você também – retribuiu o amigo.

   Não foi uma noite muito agradável para Firezinho; sonhou a noite toda com algo muito estranho: estava sozinho em um lugar que não conhecia e sua cabeça estava pegando fogo, pelo menos foi o que viu em seu reflexo na água que corria ali por perto. Tinha muitas árvores a sua volta, umas maiores que outras e se seus olhos não o enganaram, havia visto nos céus um pássaro diferente, um pássaro de fogo.

   Nesse momento ele abriu os olhos e sentou na cama, estava todo suado e na sua frente Leon estava com uma expressão assustadora no rosto.

   - Você está bem? – perguntou ele paralisado. Firezinho balançou a cabeça que sim. – Você ge-

meu a noite toda, baixinho, por isso não me incomodou, mas agora você deu um grito assustador.

   - Dei? – perguntou Firezinho. – Mais alguém ouviu?

   - Acho que sim, foi realmente alto.

   Não demorou muito e ouviram uma batida na porta do quarto.

   - Pode entrar – disse Leon.

   Era uma das cozinheiras, parecia assustada e envergonhada, entrou devagar no quarto com a porta entreaberta.

   - Ouvi um grito – começou ela – e me assustei, achei que um de vocês estivesse passando mal, mas pelo o que eu vejo, vocês estão bem.

   - Estamos, obrigado – respondeu Firezinho. Não queria contar seu sonho a ninguém, parecia lou-cura estar com medo de um sonho.

   - Certo – disse a cozinheira. – E seu pai também me pediu para avisá-los que ele já avistou a ilha e...

   - A ilha? – perguntou Leon mudando de expressão rapidamente, seu rosto ficou radiante.

   - É, a ilha – afirmou a cozinheira. – E como eu estava dizendo antes, o sr. Fire pediu que vocês fossem tomar café...

   - Café? – perguntou Leon. – Quem se importa com café quando se tem uma ilha para ir? – dizen-

do isso saiu correndo do quarto e quase derrubou a cozinheira.

   - Desculpe por isso – pediu Firezinho por Leon. – Ele está obcecado por essa ilha.

   - Deu pra vê – resmungou a cozinheira e saiu do quarto.

   Firezinho levantou-se da cama, escovou seus dentes, se trocou e saiu do quarto em direção à cozinha. Ao dá alguns passos viu que Leon estava junto do seu pai, pulava como um coelho.

   - Firezinho! – gritou Leon vindo em sua direção. – Por que você demorou tanto? Você está vendo a ilha? Bonita, né?

   - É sim – afirmou Firezinho. – Você já tomou café? – por algum motivo Firezinho não gostava da-

quela ilha, queria mudar de assunto.

   - Comi apenas uma maçã – respondeu o amigo.

   - Certo – ignorou o amigo. – Eu vou me alimentar direito.

   Dizendo isso, caminhou até a cozinha, sozinho. Seu pensamento estava fixo em apenas uma coisa: seu sonho. Quando pensava nele sentia como se tivesse borboletas dentro de sua barriga e elas estavam voando loucamente. Desejava contá-lo a alguém, mas sabia que ninguém iria dar importância, a não ser Leon, mas com essa ilha tinha certeza que ele não ouviria uma palavra do que ele dissesse.

   - Olá senhor! – falou uma cozinheira, aparentava ser a mais jovem de todas. – Suco? Pão? Fale o que deseja.

   - A senhora é muito gentil, digo, a senhorita... – disse Firezinho envergonhado.        

   - Não, senhora mesmo – disse a mulher. – Sou casada.

   - Tão jovem? – perguntou o garoto espantado.

   - Jovem? – perguntou a cozinheira dando uma risada – Não que eu descorde, mas dizer que  uma mulher de cinquenta e dois anos é jovem é muita gentileza sua.

   - Cinquenta e dois? – repetiu o garoto mais assombrado ainda. – Desculpe, mas sua aparência é de dezessete.

   - Todos dizem isso – falou a cozinheira servindo suco e bolo ao garoto. – Quer um conselho, Firezinho..., seu nome é Firezinho, não?

   - Não deixa de ser – respondeu o garoto sem tirar os olhos da cozinheira.

   - Certo então. O que quero dizer é que a alegria deixa uma pessoa de cem anos com aparência de vinte e a tristeza deixa uma pessoa de vinte com aparência de...

   - Cem? – perguntou o menino.

   - Eu ia dizer setenta, mas já que você disse cem, significa que você entendeu o que quero dizer.

   - Dá pra ver apenas no seu olhar que você..., digo a senhora...

   - Prefiro Sara, que é meu nome – falou a cozinheira. – Ou apenas você.

   - Certo então – continuou o garoto -, como eu ia dizendo, seu olhar já mostra que você é uma mulher alegre.

   - Obrigado Firezinho – agradeceu a cozinheira,  dando um sorriso para o garoto que o retribuiu envergonhado. – Posso chamá-lo de Firezinho, não?

   - Por favor – falou o garoto. – É realmente estranho ser chamado de senhor quando só se tem cinco anos. O Leon tem nove, mas adora...

   Firezinho parou de falar , havia algo estranho que ele não sabia o que era, algo como perda.

   - Você está percebendo algo diferente? – perguntou o garoto a Sara. – Algo como se...

   - O navio parou – respondeu Sara. -, devemos ter chegado.

   Sara tinha razão, o navio tinha parado. Firezinho sai correndo em busca do pai ou do amigo, alguém que pudesse afirmar se realmente tinham chegado. Não foi preciso perguntar  sobre o acon-

tecido, realmente haviam chegado.

   - Achei que não viria – disse Leon quando Firezinho saiu do navio. – A ilha é...

   Leon não tinha palavras para descrever a ilha, era realmente  linda.

   Árvores de todos os diversos tamanhos, uma terra fofa, a água ao seu redor era realmente limpinha, de vez em quando apareciam alguns pássaros, e o vulcão, seu topo era visto em qualquer lugar da ilha.

   - O vulcão – falou Firezinho com os olhos fixados nele.

   - Lindo, não? – perguntou Leon. – Não me canso de olhá-lo. Eu estava pensando em... – Leon começou a empurrar Firezinho para longe do Sr. Fire e do Sr. Charles – chegar mais perto. Você quer ir?

   - Não sei se deveríamos, pode ser perigoso.

   - Claro que não, olha Firezinho, meu pai e o seu pai estarão muito ocupados, nossas mães em uma conversa infinita, ou seja, ninguém vai se dar conta que sumimos.

   - Pode ser, mas... – Leon fez uma casa tão piedosa que Firezinho não resistiu. – Certo, vamos.

   - Assim que se fala.

   Os dois foram andando sem parar, os raios do sol incomodando seus olhos. Cada passo que davam parecia que as árvores não tinham fim e o vulcão se afastava.

   - Estou cansado – declarou Leon. Sentou-se debaixo de uma grande árvore e convidou Firezinho ao mesmo e como este também estava exausto, aceitou. – Será que já sentiram nossa falta? – Fi-

rezinho apenas sacudiu os ombros. – Acho que sim. Aquela história do seu pai, do Firezão, foi bem chocante, não? Digo, através dela acho que sei o motivo de meu pai trabalhar tanto e sei que com você é a mesma coisa.

   - Não estou entendendo.

   - Eu sei que você também entendeu o motivo pelo qual seu pai trabalha tanto e por isso acho que você deveria apoiar mais a sua família.

   - Apoiar? Como?

   - Entendendo o motivo pelo qual eles desmatam. Eles estão fazendo um favor a terra.

   - Que favor?

   - Retirando o peso das árvores de cima das coitadas, ora. Você acha que ela gosta?

   - Eu nunca tinha pensado nisso. Você deve ter razão.

   - Sério? Achei que seria mais difícil, digo..., vamos voltar.

   - Já? Achei que quisesse chegar no vulcão.

   - Eu queria, mas como você disse, pode ser perigoso. O vulcão pode entrar em erupção.

   - Eu me referia a animais selvagens, o vulcão deve estar extinto, pelo menos foi o que você me  disse.

   - Foi, mas meu pai pode ter se enganado.

   - Não quero ir agora, não cheguei até aqui por nada, eu vou até o fim.

   - Eu vou embora – Leon começou a se afastar devagar, parecia que estava contando os passos.

   - Leon – chamou Firezinho – se meus pais perguntarem por mim...

   - Não se preocupe, farei o que deve ser feito – completou o garoto sem olhar para trás.

   Depois de alguns minutos, nem os passos de Leon eram ouvidos por Firezinho. Agora ele estava só, entre as árvores e talvez alguns pássaros. Sentia-se tranquilo, o silêncio podia ser irritante para alguém acostumado ao barulho do trânsito, mas para Firezinho não passava de alguns minutos de sossego. Sabia que seus pais não se importariam pelo seu sumiço, estava acostumado.    

   - O Leon já deve ter chegado – falou o pequeno Firezinho para si próprio. Sua voz estava um pouco diferente já que estava há muito tempo sem usá-la.

   O sol parecia ter dado uma trégua, seus raios não incomodavam como antes. Firezinho sentiu um peso em seus olhos e os fechou devagar, sentiu seu corpo escorregar pelo tronco da árvore e adormeceu.

   Já era quase noite quando o menino acordou. Ficou desesperado, pois estava sozinho. Olhou  para a esquerda e a direita a procura de alguém que pudesse ajudá-lo, não havia ninguém; pensou em gritar, mas achou que seria perigoso se um animal selvagem o ouvisse. Não tinha escolha, teria que voltar sozinho para o navio. Começou a caminhar sem olhar para os lados, andava rápido sem se preocupar se ia cair.

    Mas de repente um vento muito forte passou por ele, acabou caindo sob uma árvore. Quando levantou-se viu um ninho de passarinho em um galho da árvore, parecia que ia cair.

   - Que lindo! – admirou-se. – Eu nunca tinha visto um.

   O ninho começou a balançar e para a surpresa de Firezinho acabou caindo. Havia um passari-

nho nele e acabou ficando preso entre dois galhos.

   - Coitado. Preciso salvá-lo, mas eu nunca subi em uma árvore.

   Mesmo com medo, começou a subir pela árvore de qualquer jeito, aliás, era uma vida em risco. Colocou o pé em um galho e segurou com sua mão direita em outro, seu pai poderia ter dito que não existiam heróis, mas era assim que ele estava se sentindo, um herói.

   - Pronto – falou quando conseguiu pegar o filhote de pássaro e colocá-lo de volta no ninho. Gos-

tou tanto de ficar sobre um galho que não desceu, mesmo sendo tardinha. – Meus pais não estão precisando de mim como você está, vou esperar seus pais chegarem e aí eu vou embora.

   Esperou vários minutos e nada dos pais do passarinho, então decidiu levá-lo junto para o navio.

   - Espero está fazendo o certo – disse enquanto caminhava e acariciava o passarinho. – Se seus pais voltarem vou entrar em um problema.

   Enquanto caminhava, dessa vez mais perto do navio, viu algo que prendeu sua atenção por al-

guns segundos: uma tocha de luz parecia ter cortado os céus, alguma coisa como um pássaro de fogo.

   - Devo estar realmente com fome – falou piscando os olhos várias vezes. Havia chegado onde o navio estava ancorado, todos estavam do lado de fora do navio e havia uma mesa no centro dessa área, estava repleta de alimentos, com certeza iriam jantar ao ar livre.  – Mamãe e papai não vão gostar nada de me verem chegando com você, eles odeiam animais, preciso correr e te esconder debaixo da mesa.

   Falando isso ao pássaro, fez o que disse que ia fazer e entrou debaixo da mesa, teve muita sor-

te pois ninguém o viu. Quando ia saindo de debaixo da mesa viu seis pernas ocuparem três cadei-

ras que estavam sob a mesa, uma delas era minúscula, as únicas pernas minúsculas da ilha eram as dele e as de Leon.

   - Nem acredito que conseguiu convencer o meu filho, Leon – disse uma voz grave muito conhecida de Firezinho: era a voz do Sr. Fire.

   - Também fiquei surpreso de como é fácil enganar o Firezinho – disse a voz fina de Leon.

   - Você é mesmo filho de seu pai – disse mais uma vez a voz do Sr.Fire, seguida por risos. – Deveria aumentar a mesada dele, Charles.

   Firezinho não podia acreditar que seu amigo havia mentido para ele, só que havia ainda um problema: qual a mentira que Leon havia contado?

   Ouviu- se um grito de mulher, se Firezinho não tivesse se enganado era a voz de Shirne, a mãe de Leon. Rapidamente as seis pernas desaparecem de debaixo da mesa, essa era a chance de Fi-

rezinho sair dali.

   Assim que saiu, correu e sentou-se em uma grande pedra que havia avistado. Sabia que quando Leon percebesse que ele estava ali ia vir correndo ao seu encontro. Não demorou muito e o previsto aconteceu.

   - Onde você estava? – perguntou quando chegou perto do amigo. – Perdeu algo incrível, uma jangada veio navegando sozinha até aqui – vendo que não tinha reação alguma no rosto de Firezi-

nho, Leon continuou. – Se não acredita olha lá, perto da mamãe, ela achou que fosse um fantasma

ou coisa do tipo.

   - Não disse que era mentira – resmungou Firezinho.

   - Você está bem? Está com um humor de...

   - Eu estou bem.

   - Certo – acreditou Leon. Sentou-se ao lado do amigo. – Estava pensando, as árvores daqui são realmente boas, pelo menos foi o que papai disse e me pergunto por que não plantam nessa área também.

   “Como assim plantar?” – pensou Firezinho.

   Estava muito claro, tudo aquilo que Leon falou sobre a terra devia ser a tal mentira, ele próprio tinha colocado tudo a perder, mas mesmo assim, queria escutar o próprio Leon admitir sua menti-

ra.

   - Você é um garoto inteligente, Leon – começou Firezinho. – Queria sua opinião em uma história.

   - Sou todo ouvido.

   - O que você faria se seu melhor amigo mentisse para você e por causa dessa mentira, por muito pouco, você não destruiu o que você mais gosta no mundo?

   - Deixa eu vê se eu entendi, vou formular em exemplo: se o Homem-Buraco, que é o melhor ami-

go do Homem-Tocha, pedisse para ele destruir o mundo e ele destruísse...

   - Não, ele não destruiu, descobriu que era mentira.

   - Ah, o Homem-Buraco mentiu para o Homem-Tocha dizendo..., ta complicado com exemplo, vou responder rápido... Eu nunca mais falaria com esse meu amigo.

   - Obrigada pela sua sinceridade – disse e já ia se retirando de cima da pedra. – E você me per-

guntou onde eu estava e eu não respondi, a resposta é: estava debaixo da mesa, daquela mesa.

   - Da mesa? Ei, essa história que você me contou é parecida com... – ele parou e encarou Firezinho. – Você escutou tudo o que seu pai me disse não foi?            

   - Escutei, sim e fiquei decepcionado com você.

   - Você tem que me entender – disse Leon se jogando de cima da pedra. – Papai me prometeu que ia falar com o Homem-Tocha para eu participar de seu novo filme, caso você não saiba o pró-

ximo filme é Homem-Tocha e Fogaréu, e Fogaréu é o sobrinho do Homem-Tocha e tem poderes de fogo só porque o tio tem, vê se entende, eu ia ser o Fogaréu. Além disso, vou ganhar mesada semanal pelo resto do ano.

   - Tudo bem, Leon, você vai realizar seus sonhos, enquanto eu vou continuar o mesmo solitário, bobão e fácil de enganar, como sempre fui. Agora se você me der licença...

   Mas uma coisa estranha estava acontecendo, havia um barulho estranho na ilha, parecia vir do vulcão. De repente lavas começaram a pular e sair do vulcão, era tudo tão rápido, mas como a área que estavam era longe do vulcão eles ainda tinham tempo.

   - O vulcão entrou em erupção – gritou Leon para o pai, já que os únicos que tinham visto a explosão eram ele e Firezinho.

   - Esse vulcão está extinto, não fale bes...

   Mas a lava já estava aparecendo na área que eles estavam. Quando todos viram, correram em direção do navio, exceto Firezinho que havia ficado paralisado de medo.

   Quando os restantes iam chegando ao navio, a água começou a borbulhar, o navio começou a se mexer sozinho e quando já estava a meio quilômetro da ilha afundou.

   A lava parecia ter dado uma trégua, parecia ter parado no lugar que estava, dando oportunidade para os turistas fugirem. Mas como?

   - A jangada – gritou o Sr. Fire. – Todos pulando para dentro da jangada, agora!

   Ninguém questionou, sabiam que era a única solução, mas Firezinho continuava paralisado parecia que queria ser queimado.

   - Firezinho, deixa de ser idiota e vem pra dentro da jangada – gritou Leon, enquanto o Sr. Fire e os outros davam impulso na jangada.

   O grito de Leon parecia ter acordado Firezinho. O garoto já ia correndo para a jangada, pois a la-

va começou a se espalhar novamente, mas por algum motivo parou.

   - O passarinho! – disse ele e voltou correndo para debaixo da mesa. Agarrou o filhote e saiu ao encontro da jangada.

   Era tarde demais; seus pais e os outros já estavam longe. Ainda deu para ver Leon empurrando o Sr. Fire para voltarem, mas não adiantou.

   Seria esse seu fim? Não sabia nadar, a mesa tinha derretido, não tinha para onde correr. O que teria feito de tão errado para ter seu fim assim? Não tinha mais chances, a lava já chegara a seus pés.

 

 

                                                      

   Sentia seu corpo queimar, principalmente sua cabeça. Abriu seus olhos lentamente, os raios do sol incomodavam muito. Sentou e olhou para seu pequeno corpo, não tinha nenhuma queimadura e estava conseguindo respirar.

   Ele não tinha morrido? Lembrou-se da lava faltando apenas um centímetro para alcançar seus pés e talvez pelo medo desmaiou, tendo acordado apenas agora.

   Será que ali era o céu? Parecia que ele já conhecia aquele lugar. Sim, era familiar .Percebeu as- sim que olhou ao seu redor: várias árvores e olhando para cima via-se um vulcão. Parecia à ilha, aquela que o  havia deixado-o sozinho no mundo ou até mesmo havia matado-o. Era difícil de dizer, não sabia o que havia acontecido.

   Começou a andar por aquele lugar. A cada passo sentia que era mais familiar ainda, até chegar em um local que o havia feito paralisar.  As árvores não faltavam nesse lugar, é claro, mas uma coisa se destacava: uma lagoinha onde a água era completamente azul. Parecia o lugar do sonho que teve, agora só o que faltava era seu cabelo estar pegando fogo e encontrar um pássaro que invés de penas tivesse fogo em seu corpo.

   Riu de seu sonho. Sentiu sede e não resistiu ao olhar àquela água limpinha na sua frente. Andou alguns passos e abaixou-se ao lado do lago. Olhou para os céus e nada de nenhum pássaro de fo-

go. Olhou para baixo e viu seu reflexo, estava como no sonho, seu cabelo estava pegando fogo.                                                                                  

   Começou a correr e a gritar, teria que pular dentro do lago. Já estava preparado, mas sentiu um puxão nas costas, algo havia evitado que ele se jogasse dentro do laguinho. Olhou para trás e viu o que faltava para seu sonho se realizar: o pássaro de fogo.

   Estava ali na sua frente, voando, um pássaro quase normal, tendo apenas fogo invés de penas. Segurava-o com tanta força que Firezinho nem se mexia.

   - Me larga – gritou o menino puxando a camisa. – Meu cabelo está pegando fogo, vou acabar me queimando.

   - Você não vai se queimar – falou o pássaro.

   Firezinho paralisou mais uma vez, devia está ficando maluco. Um pássaro falar? Sabia que exis-

tiam pássaros que falavam, mas esse não era um deles. Desistiu de tentar se soltar e se sentou no chão.

   - Ia ser muito pior se você entrasse na água – falou o pássaro. – Quando água e fogo se misturam, o fogo fica sem vantagem e...

   - Pode me dizer onde estou? – perguntou Firezinho sem se importar se interrompeu o pássaro ou não.

   - Na ilha vulcânica. Não se lembra?

   Firezinho nada respondeu. Agora sabia que estava vivo. Ainda não sabia como, mas estava.         

   Imaginar que viveria ali para sempre não lhe agradou. Como ia alimentar-se? Não tinha habilida- des em subir em árvores ou então caçar animais, sabia que nunca ia ter coragem de matar nem mesmo um filhote de  pássaro. Viver cercado por árvores seria uma experiência assustadora, sem a companhia de algum humano ou animal doméstico. Sem dúvida a presença de animais selva- gens ali não seria uma das coisas mais agradáveis. E naquele exato momento estava ali na sua frente, um pássaro de fogo que não parava de fitá-lo.

   - Se você vai ficar emburrado ai, prefiro deixá-lo sozinho – disse o pássaro já levantando vôo. Ficou alguns segundos no ar e desceu novamente. – Se eu não tivesse realmente o que fazer aqui eu já teria ido embora, mas sou obrigado a lhe dar explicações. Só que nesse clima que você está vai ser muito mais difícil pra mim.

   Firezinho continuou calado, tentava fingir que não escutava o que o pássaro dizia, mas era  impossível, pois ele tinha muita curiosidade em descobrir o que aconteceu enquanto ele desmaiou.        

   - Você deve estar se perguntando como sobreviveu a lava ou então por que o seu cabelo agora é fogo – disse o pássaro. – Para te explicar isto vou precisar estar calmo e não vou poder ser inter-

rompido. Vou falar devagar para você entender, não quero chamar os humanos de burros, mas nunca acreditei que sua espécie fosse inteligente.

   Firezinho fechou sua mão, seja quem fosse esse pássaro não podia desrespeitar alguém assim.

   - Até agora eu não acredito no que fiz, principalmente não acredito no que você fez. Todos os humanos que conheci eram maus, mas por incrível que pareça você parece ser diferente, sua atitu-

de foi diferente – o pássaro parou de falar, fitava o garoto que agora estava de olho fixo na água.

   “Você salvou um filhote de pássaro, arriscou sua vida para isso, eu vi tudo e demorei a acreditar – o pássaro preferiu olhar para o céu ao encarar o garoto que agora olhava para um mosquito que voava”.

   Firezinho sentiu seu rosto queimar, talvez fosse o sol ou então um de seus fios de cabelo estava tocando sua pele, mas rapidamente percebeu que era vergonha.

   - Vi que não havia sido impulso e sim determinação – continuou o pássaro. – Cheguei a sentir pena de você quando seus pais te deixaram, não sabia o motivo de te abandonarem por causa que você fez uma boa ação, mas então lembrei que você deve ser o único ser da sua espécie a sentir sentimentos pelos animais ou pela a natureza. Não tinha mais o que fazer a não ser te salvar, então voei e te levei até o local onde você acordou. Bom, quando te larguei, vi que estava desacor-

dado e achei que estivesse morto – dessa vez o pássaro ousou olhar para o menino, viu que este estava olhando de esguelha para si. – Resolvi fazer uma coisa ilegal, já que não tinha mais nada que eu pudesse fazer.

   A palavra ilegal fez Firezinho esquecer tudo de mau que estava pensando, fixou seus olhos no pássaro e evitou piscar.

   - Pode não parecer, mas nessa ilha há regras – falou o pássaro que parecia está meio diferente ao ver que o garoto o encarava. – Eu mesmo fiz algumas delas, pois eu sou o rei dessa ilha, eu sou Pássaro de Fogo, mas isso não vem ao caso agora, o que eu quero dizer é que nessa ilha é proibido salvar a vida dos humanos e eu fiz muito mais que salvar sua vida, e como já falei, achei que você estava morto e coloquei fogo em suas veias, o que significa que você não é mais humano é um ser que contém fogo no corpo, só falta arranjar um nome para alguém desse tipo.

   Firezinho sabia muito bem o nome que se dava a pessoas assim: mutantes. Era difícil de acredi-

tar que agora ele era um, mas uma coisa era certa, seu pai estava errado, existiam mutantes.

   - Eu só tinha isso para contar e dizer que caso queira um lugar para ficar ou alguém para ensiná-lo a dominar seus dons, conte comigo, porque, você pode agora soltar fogo pelo seu corpo, eu aconselho as mãos – Pássaro de Fogo levantou vôo novamente, parou no ar e virou-se para o garoto. – Já ia me esquecendo, a família Dourada vai adotar o filhote que você salvou e...

   - O que aconteceu com os pais do filhote? – perguntou Firezinho. Viu que não havia motivo algum para não falar com alguém que só o tinha ajudado.

   - Fugiram – respondeu Pássaro de Fogo. Estava surpreso pela atitude do garoto. – É típico de alguém que seja da família Peninha, fugir sem motivo e abandonar o filho. E como eu ia dizendo, a família Dourada quer que você escolha o nome do filhote.

   - Eu? – perguntou o garoto assustado, seu rosto novamente queimando.

   - É o que eles querem. Se você aceitar vem comigo.

   Dizendo isso, Pássaro de Fogo começou a seguir caminho, sendo seguido por Firezinho que corria rapidamente.

   Passaram por árvores enormes, claro que olhando para Pássaro de Fogo e não para o chão, Firezinho era furado pelos espinhos. Parecia que nunca iam chegar, as minúsculas pernas de Firezinho pareciam estar anestesiadas.

   - Sr. Pássaro de Fogo, vai demorar para chegarmos? – perguntou o menino.

   - Uma das nossas primeiras regras aqui na ilha é: não chamar de senhor o rei Pássaro de Fogo, trate-me apenas pelo meu nome.

   - Desculpe, queria apenas ser gentil e que chegássemos logo, não agüento mais andar.

   - Falta pouco, mas se você quiser parar um pouco.

   - Aceito – disse o garoto e se jogou debaixo da árvore mais próxima.

   Pássaro de Fogo posou ao lado do menino, era incrível como simples palavras ligaram os dois.

   - Quero perguntá-lo uma coisa – disse Firezinho. – Você é o rei dessa ilha, certo? Então foi você que fez o vulcão entrar em erupção?

   - Claro que não, bem que eu queria dominar os vulcões. Escute menino, eu não mando sozinho aqui nessa ilha a natureza me ajuda.

   - A natureza?

   - Isso mesmo. Escutei sua conversa com seu amigo, aquele garoto branquelo, e tive muita raiva das mentiras que ele te contou, mas ainda bem que você descobriu a verdade.

   - O que o Leon tem a ver com a natureza?

   - Não é o que ele tem haver agora, mas sim no futuro. Se ele assim só como filhote, imagina quando for pai, e...

   - Com os humanos não se diz filhote, são crianças.

   - Seja o que for dá no mesmo, só o que eu quero que entenda é que a natureza não permite que humanos ricos a destrua.

   - E humanos pobres?

   - Bom, isso é outra coisa, nunca entendi bem a natureza, ela apenas manda e eu obedeço.

   - Certo, acho que já podemos ir.

   Pássaro de Fogo tomou vôo novamente e antes de retornar a voar virou-se para o garoto.

   - Esqueci de te perguntar algo. Qual o seu nome mesmo?

   - Meu nome? FireBoy.

   - Não sabia que humanos também chamavam seus filhos assim.

   Firezinho não queria lembrar-se do passado, batizando-se de outro nome seria mais fácil esquecer. (continua)

    

      

    

     

  

              

 

        

  

         

      

         

  

 

 


Autor: Aline Diniz


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