LEI MUWAJI : O COMBATE AO INFANTICÍDIO NAS COMUNIDADES INDÍGENAS DO BRASIL



1 INTRODUÇÃO

Centenas de crianças indígenas foram rejeitadas por suas comunidades e enterradas vivas no Brasil nos últimos anos. Essa é uma prática antiga, encontrada em mais de 20 povos indígenas diferentes. Muitas dessas crianças são recém-nascidas. Outras são mortas aos 3, 5, e até 11 anos de idade. Centenas delas são condenadas à morte por serem portadoras de deficiências físicas ou mentais, ou por serem gêmeas, ou filhas de mãe solteira. Muitas outras são envenenadas ou abandonadas na floresta porque pessoas na comunidade acreditam que elas trazem má sorte.

O trabalho em questão tem por objetivo esboçar a Lei Muwaji, que tramita na câmara dos Deputados do Brasil, desde 2007, visando combater o infanticídio nas comunidades indígenas do Brasil, mostrando os vários aspectos que giram em torno da proposta dessa Lei, demonstrando a repercussão da proposta da Lei que coloca em discussão a pureza da cultura indígena X o direito à vida das crianças indígenas.

Desse modo, aborda o infanticídio a partir do depoimento dos próprios indígenas, reúne relatos de parentes de vítimas, de agressores e de sobreviventes. Ressalta a posição de Deputados, Desembargadores, antropólogos, advogados, religiosos, indigenistas e educadores. Com o intuito de levar essa discussão adiante - ouvir, discutir, refletir, com imparcialidade, e criar condições para que as comunidades indígenas possam resolver os conflitos que causam o infanticídio, ao mesmo tempo em que a problemática é trazida a baila, faz-se imprescindível analisar mais profunda e especificamente essa matéria.

Mostra ainda o caso de uma criança Indígena, chamada Hakani, que sobreviveu a tentativa de infanticídio promovido por sua tribo, os suruwaha.

2 O INFANTICÍDIO

Comumente usado para se referir ao assassinato de crianças indesejadas, o termo infanticídio nos remete a um problema tão antigo quanto à humanidade, registrado em todo mundo através da história. No caso das crianças indígenas, o agravante é que elas não podem contar com a mesma proteção com que contam as outras crianças, pois a cultura é colocada acima da vida e suas vozes são abafadas pelo manto da crença em culturas imutáveis e estáticas.

Diante de uma panorâmica mundial, o infanticídio é um problema reincidente. Recém nascidos com alguma deficiência física viram um fardo na África Central e Ocidental. Nesses casos a família reduz os cuidados e o bebê morre para alívio geral. Em Benin, não precisa muito para uma criança ser sentenciada à morte. Basta que na hora do parto, saiam primeiro os pés, os ombros ou as nádegas. Se a cabeça sair primeiro, mas com o rosto virado para baixo, se a mãe morrer no parto, se os dentes inferiores nascerem primeiro, ou se não nascerem dentes antes dos 8 meses, a criança também será executada. Na Índia a predileção por filhos homens leva a grávida a abortar se descobre que gerou uma mulher[1].

Para Goura[2] é uma coisa horrível derramar sangue de bebês em nome da tradição. Em determinadas tribos indígenas, quando uma mulher indígena sai para dar à luz, ninguém vai junto. Esse é um momento só dela. Ela procura uma árvore ou arbusto onde possa se apoiar, se agacha, e ali enfrenta suas dores. É ali, na hora do parto, que essa mãe tem a grande responsabilidade de decidir o futuro da criança.

Ela só poderá ficar com o bebê se ele for perfeito. Se por alguma razão ela volta para a casa sem o bebê nos braços, o silêncio é geral. Ninguém pergunta o que houve. Nem o pai da criança, nem os avós, nem a amiga mais próxima. A índia se afunda em sua rede, muitas vezes sem coragem ou forças nem para chorar. O assunto morre ali mesmo. Ninguém pergunta por que ela voltou sem o bebê.

A mãe terá que carregar sozinha, em silêncio, pelo resto da vida, a lembrança dessa maldição, dessa má sorte, dessa infelicidade. Às vezes ouve-se ao longe o choro abafado da criança, abandonada para morrer na mata. O choro só cessa quando a criança desfalece, ou quando é devorada por algum animal. Ou quando algum parente, irritado com a insistência daquele choro, resolve silenciá-lo com uma flecha ou um porrete. Depois disso o silêncio é absoluto[3].

Para Suzuki[4] o infanticídio é um tabu. Da mesma maneira que o assunto é evitado nas sociedades indígenas, é evitado também na nossa sociedade. Ninguém fala, ninguém enfrenta, ninguém toma posição. A posição mais cômoda continua sendo a da omissão - omissão muitas vezes maquiada de respeito às diferenças culturais.

Todavia, assevera Suzuki, que algumas mulheres indígenas resolveram abrir a boca sobre esse assunto, tão polêmico e ao mesmo tempo tão doloroso para elas. A partir da iniciativa dessas mulheres, o tabu começou a ser quebrado e o assunto passou a pauta de debates, tendo um espaço na mídia nacional, com matérias veiculadas em revistas com grande circulação.[5]

Com base no Censo Demográfico de 2000, pesquisadores do IBGE[6] constataram que para cada mil crianças indígenas nascidas vivas, 51,4 morreram antes de completar um ano de vida, enquanto no mesmo período, a população não-indígena apresentou taxa de mortalidade de 22,9 crianças por cada mil. A taxa de mortalidade infantil entre índios e não-índios registrou diferença de 124%. O Ministério da Saúde informou, também em 2000, que a mortalidade infantil indígena chegou a 74,6 mortes nos primeiros 12 meses de vida. Curiosamente, nas notícias do IBGE e do Ministério da Saúde não há qualquer explicação da causa mortis.

Muitas das mortes por infanticídio vêm mascaradas nos dados oficiais como morte por desnutrição ou por outras causas misteriosas (causas mal definidas - 12,5%, causas externas - 2,3%, outras causas - 2,3%).

Segundo a pesquisa de Rachel Alcântara, da UNB, só no Parque Xingu são assassinadas cerca de 30 crianças todos os anos. E de acordo com o levantamento feito pelo médico sanitarista Marcos Pellegrini, que até 2006 coordenava as ações do DSEI-Yanomami, em Roraima, 98 crianças indígenas foram assassinadas pelas mães em 2004. Em 2003 foram 68, fazendo dessa prática cultural a principal causa de mortalidade entre os yanomami.

A prática do infanticídio tem sido registrada em diversas etnias, entre elas estão os uaiuai, bororo, mehinaco, tapirapé, ticuna, amondaua, uru-eu-uau-uau, suruwaha, deni, jarawara, jaminawa, waurá, kuikuro, kamayurá, parintintin, yanomami, paracanã e kajabi.

3 O QUE É A LEI MUWAJI

É um Projeto de Lei que dispõe sobre o combate a práticas tradicionais nocivas e à proteção dos direitos fundamentais de crianças indígenas, bem como pertencentes a outras sociedades ditas não tradicionais. O PL 1057, apresentado pelo Deputado Henrique Afonso (PT-AC) em 2007, foi batizado de Lei Muwaji em homenagem à coragem da indígena Muwaji Suruwaha.

Pela tradição do seu povo, ela deveria ter sacrificado sua filha Iganani, que nasceu com paralisia cerebral. Mas Muwaji enfrentou não só os costumes de sua sociedade, mas toda a burocracia da sociedade nacional, para garantir a vida e o tratamento médico de sua filha.

Em seu artigo 1° o Projeto de Lei deixa claro que não serão aceitos quaisquer tipos de práticas tradicionais indígenas e de outras sociedades ditas não tradicionais, que não estejam em conformidade com os Direitos Humanos fundamentais, estabelecidos na Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos, in verbis:

Art. 1º. Reafirma-se o respeito e o fomento a práticas tradicionais indígenas e de outras sociedades ditas não tradicionais, sempre que as mesmas estejam em conformidade com os direitos humanos fundamentais, estabelecidos na Constituição Federal e internacionalmente reconhecidos.

Além de seu primeiro artigo, outros são os pontos do PL 1057 tidos como polêmicos. Como Por exemplo o de quem tiver conhecimento de ameaça à vida de alguma criança indígena fica obrigado a comunicar o fato, por escrito ou pessoalmente, à Funasa, à Funai, ao Conselho Tutelar da respectiva localidade à autoridade judiciária e policial. A pena para quem não o fizer é de um a seis meses de detenção ou multa.O Projeto de Lei estabelece ainda, como medidas cabíveis, demover os indígenas, sempre por meio do diálogo, da persuasão e de medidas educativas, e promover a retirada da comunidade, se for o caso, da criança ameaçada, e seu deslocamento para abrigos especiais criados para este fim, ou para a eventual adoção.

O texto proposto pelo deputado não criminaliza os indígenas, já que eles são inimputáveis perante a lei, como determina a Constituição brasileira e os Códigos Penal e Civil. O projeto também não obriga – ao contrário do que dizem os críticos – ninguém a interferir acintosa ou violentamente nas comunidades para salvar as crianças condenadas por razões culturais. Mas aponta para uma direção mais racional: obriga qualquer não indígena a comunicar às autoridades, por meio dos postos da própria Funai e da Funasa[7], se souber de casos em que crianças estejam com a vida ameaçada por ritos tribais.

Na justificação do PL 1057, o Deputado Henrique Afonso assevera que:

A presente proposição visa cumprir o disposto no Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990, que promulga a Convenção sobre os direitos da criança, a qual, além de reconhecer o direito à vida como inerente a toda criança (art. 6º), afirma a prevalência do direito à saúde da criança no conflito com as práticas tradicionais e a obrigação de que os Estados-partes repudiem tais práticas, ao dispor, em seu artigo 24, nº 3.

Em ato contínuo, fundamenta que diplomas legais como a Constituição Federal, em seu art.227, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 7º e, o Código Civil em seu art.1°, garantem a o direito à vida como o direito por excelência. Desta maneira, o Estado brasileiro deve atuar no sentido de amparar todas as crianças, independentemente de suas origens, gênero, etnia ou idade, como sujeitos de direitos humanos que são. Obviamente, as tradições são reconhecidas, mas não estão legitimadas a justificar violações a direitos humanos, como dispõe o art. 8, nº 2, do Decreto 5.051/2004, o qual promulga a Convenção 169 da OIT.

Ao pronunciar-se sobre a cultura diz que a cultura é dinâmica e não imutável, e que a cultura não é o bem maior a ser tutelado, mas sim o ser humano, no intento de lhe propiciar o bem-estar e minimizar seu sofrimento.

Os direitos humanos perdem, completamente, o seu sentido de existir, se o ser humano for retirado do centro do discurso e da práxis. Portanto, a tolerância (no sentido de aceitação, reconhecimento da legitimidade) em relação à diversidade cultural deve ser norteada pelo respeito aos direitos humanos. Desta forma, entende-se que práticas tradicionais nocivas, as quais se encontram presentes em diversos grupos sociais e étnicos do nosso país, não podem ser ignoradas por esta casa e, portanto, merecem enfrentamento, por mais delicadas que sejam.

Conclui sua justificação, dando ênfase a urgência de providências que este assunto demanda, visto que inúmeras crianças, as quais devem ter seus direitos e interesses postos em primeiro lugar, têm sido vítimas silenciosas de práticas tradicionais nocivas e sem que haja providências suficientes para cessar estas violações à sua dignidade e a seus direitos fundamentais mais básicos, dos quais elas são indiscutivelmente titulares.

4 O QUE PENSAM OS INDÍGENAS

Suzuki em seu artigo "Quebrando o silêncio" afirma que, os líderes indígenas de hoje têm consciência do caráter dinâmico das culturas. Eles não estão interessados em ficar parados no tempo nem confundem respeito à diversidade com tolerância universal. Eles estão preocupados em garantir a sobrevivência física e cultural de suas comunidades, enquanto querem, ao mesmo tempo, o diálogo inter-étnico. Estão abertos para implementar mudanças em suas comunidades, sempre que essas signifiquem melhorias na qualidade de vida e na dignidade dos povos indígenas. Muitos estão cansados de ouvir um discurso hipócrita de preservação cultural. Eles não querem essa preservação "folclórica", feita a todo custo.

Ao pronunciar- se sobre o infanticídio Eli Ticuna[8] diz que prefere morrer do que se vender a ideologias de fora que prejudicam o bem-estar do seu povo. Faz alusão ao fato de que segundo ele, as vozes que se levantam pra defender o infanticídio como pratica cultural aceitável, geralmente não são vozes indígenas. E continua dizendo que "o índio é um ser pensante, não está morto ou estático no tempo. Pregar a importância da cultura indígena, somente na perspectiva estática, em desequilíbrio com a realidade dinâmica é prejudicial para a sobrevivência das sociedades indígenas. Faz-se necessário valorizar a pessoa do indígena, acima da cultura."

Para Enilton André da Silva, professor da etnia Wapixana, há certos valores em uma comunidade que devem ser reforçados, mas que há outros que devem ser substituídos. Ele acredita que a escola é o espaço ideal para esse diálogo. "Nossa ética nunca será ensinada, mas sim construída através de lutas e do convívio nas comunidades. Na escola, os valores tradicionais recebem tratamento pedagógico, reforçando ou substituindo os valores de uma comunidade (...)[9]".

Para o índio Paltu Kamayura, a cultura não pára, ela anda. O pensamento também anda, igualzinho a cultura. Por isso é que hoje a gente está querendo pegar todas essas crianças, até as que têm defeito. Elas são gente, não são animal, não são filho de porco ou de tatu. Não é para enterrar mais. É para criar, porque se a gente ficar enterrando as crianças, nossa população nunca vai aumentar. Essa é a nossa preocupação hoje.

5 O QUE PENSAM OS ANTROPÓLOGOS

Segundo o professor Erwin Frank, "esse é o modo de vida deles e não cabe a nós julgá-los com base nos nossos valores. A diferença entre as culturas deve ser respeitada", defende o antropólogo.[10]

Para a Fundação Nacional do Índio- FUNAI, interferir na cultura indígena fere as convenções internacionais e legislação nacional vigente, Estatuto do Índio, Lei 6.001, de 19.12.73, mas especificamente no seu Capítulo 11, Artigo 58, que considera crime contra índios e a cultura indígena escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição cultural indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer modo a sua prática", prevendo detenção de um a três meses de prisão para o infrator.

Alguns indigenistas gostariam de evocar a noção de Relativismo Cultural para defender a posição de que a aplicação dos direitos humanos estaria subordinada à diversidade cultural. Com base no Relativismo Cultural eles afirmam que os valores humanos não são universais, mas variam de acordo com a perspectiva cultural de cada povo. Em outras palavras, de acordo com essa visão, direitos humanos seriam culturalmente relativos, e não universais.

Em sentido oposto, encontram-se O.N.G.'s em defesa dos direitos humanos que bradam por uma concepção universalista, pretendendo a interrupção dos casos de assassínios de crianças, imediatamente, por parte de ações do governo federal.[11]

Para o Desembargador Renato Mimesse do Tribunal de Justiça de Rondônia, os Índios estão pedindo ajuda e quando este tipo de ajuda é pedido não importa de onde ele venha. Ele precisa ser tutelado. E para isso a nossa Constituição é bastante, as nossas leis são bastante, porque se trata de garantir a vida , de garantir os princípios mais elementares, princípios universais , princípios que estão sujeitos a tutela do mundo todo.

Nesse sentido, se manifesta a Prof. Doutoranda em Direitos Humanos Maíra de Paula Barreto, que o governo deveria ter coerência, ou seja, se quer defender o relativismo cultural no Brasil, que denuncie os tratados de Direitos Humanos, o que significa retirar sua assinatura dos documentos da ONU.

Portanto, a discussão ainda vai perdurar se o uso do relativismo cultural como justificativa para a violação de um direito humano fundamental, como o direito à vida, constitui um abuso do direito à diversidade cultural, ou se Universalidade dos direitos humanos "são para todos, sem distinção. São direitos inatos, inerentes a todos os seres humanos, universalmente. Eles não são privilégios de alguns.

6 CASO HAKANI

Hakani nasceu em 1995, filha de uma índia suruwaha. Nos primeiros dois anos de sua vida ela não se desenvolveu como as outras crianças – não aprendeu a andar nem a falar. Seu povo percebeu e começou a pressionar seus pais para matá-la. Seus pais, incapazes de sacrificá-la, preferiram se suicidar, deixando Hakani e seus 4 irmãos órfãos.

A responsabilidade de sacrificar Hakani agora era de seu irmão mais velho. Ele levou-a até a capoeira ao redor da maloca e a enterrou, ainda viva, numa cova rasa. O choro abafado de Hakani podia ser ouvido enquanto ela estava sufocada debaixo da terra.

Em muitos casos, o choro sufocado da criança continua por horas até cair finalmente um profundo silêncio – o silêncio da morte. Mas para Hakani, esse profundo silêncio nunca chegou. Alguém ouviu seu choro, arrancou-a do túmulo, e colocou nas mãos de seu avô, que por sua vez levou-a para sua rede. Mas, como membro mais velho da família, ele sabia muito bem o que a tradição esperava dele. O avô de Hakani tomou seu arco e flecha e apontou para ela. A flechada errou o coração, mas perfurou seu ombro. Logo em seguida, tomado por culpa e remorso, ele atentou contra a própria vida, ingerindo uma porção do venenoso timbó. Para Hakani, ainda não era a hora de cair o profundo silêncio; mais uma vez ela sobreviveu.

Hakani, tinha apenas dois anos e meio de idade e passou a viver como se fosse uma amaldiçoada. Por três anos ela sobreviveu bebendo água de chuva, cascas de árvore, folhas, insetos, a ocasionalmente algum resto de comida que seu irmão conseguia para ela. Além do abandono, ela era física e emocionalmente agredida. Com o passar do tempo Hakani foi perdendo seu sorrido radiante e toda sua expressão facial. Mesmo assim o profundo silêncio não caiu sobre ela. Finalmente foi resgatada por um de seus irmãos, que a levou até a casa de um casal de missionários que por mais de 20 anos trabalhava com povo suruwahá.

Esse casal logo percebeu que Hakani estava terrivelmente desnutrida e muito doente. Com cinco anos de idade ela pesava 7 quilos e media apenas 69 centímetros. Eles começaram a cuidar de Hakani como se ela fosse sua própria filha. Eles cuidaram dela por um tempo na floresta, mas sabiam que sem tratamento médico ela morreria. Para salvar sua vida, eles pediram ao governo permissão para levá-la para a cidade.

Em apenas seis meses recebendo amor, cuidados e tratamento médico, Hakani começou a andar e falar. Aquele sorriso radiante voltou a iluminar seu rosto. Em um ano seu peso e sua altura simplesmente dobraram. Hoje Hakani tem 12 anos, adora dançar e desenhar. Sua voz, antes abafada e quase silenciada, hoje canta bem alto.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A natureza universal dos direitos humanos é inquestionável. Isso fica claro na Declaração de Viena (1993) no seu primeiro parágrafo.Onde todos os Estados Membros têm a obrigação de implementar a observância desses direitos, independente de suas perspectivas culturais.

Os direitos humanos estabelecem um padrão legal de proteção mínima à dignidade humana e a violação a esses direitos é sempre condenável, independente da cultura do violador. Eles representam uma conquista do consenso da comunidade internacional, não um imperialismo cultural de uma visão de mundo específica. Mesmo sendo universais, os direitos humanos apresentam flexibilidade suficiente para respeitar e proteger a diversidade e a integridade cultural.

Direitos culturais são legítimos, mas não são ilimitados. O direito à diversidade cultural é limitado até o ponto em que infringe qualquer outro direito humano. Isso significa que o direito à diversidade cultural não pode ser evocado para justificar a violação de um direito humano.

Assim, o uso do Relativismo Cultural como justificativa para a violação de um direito humano fundamental, como o direito à vida, constitui um abuso do direito à diversidade cultural.

Portanto, qualquer tentativa de justificar a tolerância ao infanticídio com base em direito à diversidade cultural não tem validade nem respaldo na legislação internacional. Está claro que o problema da perpetuação da prática do infanticídio não é basicamente um problema jurídico, mas sim uma questão bioética.

Mesmo assim, iniciativas como a do Deputado Henrique Afonso, do PT, que vem do Acre e já tem uma trajetória de apoio à causa indígena, podem ajudar.

Nesse sentido, a Lei Muwaji em todo seu bojo avança em sentido positivo quando propõe a obrigatoriedade da notificação nos casos de crianças em risco de infanticídio. Quando propõe também, a implementação de programas de educação em direitos humanos nas sociedades indígenas e o aprofundamento do diálogo inter-étnico com vistas à garantia da qualidade de vida e dignidade de crianças que são vulneráveis em suas comunidades.

Além disso, a Lei Muwaji, mesmo antes de ser aprovada, conseguiu despertar o interesse da sociedade e da mídia nacional e internacional para o assunto[12], como também, para o aprofundamento desse debate, produzindo frutos na conscientização da sociedade para a importância da aplicação do princípio da prioridade absoluta, preconizado pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, na defesa das crianças brasileiras, independente de etnia.

Fruto já do debate produzido pela Lei Muwaji, encontra-se em tramitação na Câmara Federal, proposta de Emenda Constitucional 303/08, do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), que condiciona o respeito aos direitos indígenas de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições ao respeito à vida. De acordo com o autor, a intenção é inibir a prática de infanticídio de ordem étnico-cultural, seja em caso de aborto seja em caso de homicídios de recém-nascidos.

No entendimento do deputado, ao não reforçar o respeito ao direito à vida no artigo 231, que trata dos direitos indígenas, a Constituição Federal deixa entender que as práticas de homicídio em contexto étnico-cultural específico, tais como o infanticídio, são aceitas pelo ordenamento constitucional.

A proposta terá a admissibilidade analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Se for aprovada, será examinada por uma comissão especial e, posteriormente, precisa ser votada em dois turnos pelo Plenário.

REFERÊNCIAS

ATINI – Voz pela vida, disponível em: http://www.atini.org > Acesso: 6 de fevereiro de 2009

Blog do Mércio: Índios, Antropologia e Cultura, disponível em: < http://merciogomes.blogspot.com/2008/06/jocum-faz-filme-criminoso-sobre-os.html> Acesso em: 6 de fevereiro de 2009

Consulta Tramitação das Proposições, disponível em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=2007&Numero=1057&sigla=PL > Acesso em: 6 de fevereiro de 2009

Experimentando, refletindo e agindo, disponível em : http://fome29.blogspot.com/2008/11/hakani-uma-voz-pela-vida.html> Acesso em: 6 de fevereiro de 2009

Missão, o veneno lento e letal dos Suruwahá.disponível em : http://brasil.indymedia.org/media/2008/07//425032.pdf> . Acesso em: 6 de fevereiro de 2009

Movimento indígena em favor da vida , disponível em : <http://www.movimentoindigenaafavordavida.blogspot.com > Acesso em: 6 de fevereiro de 2009

Uma Voz pela vida de Hakani, disponível em: < http://www.hakani.org > Acesso: 06 de fevereiro de 2009.




[1] O Mapa da Violência Contra Criança no Mundo, Revista Cláudia, Ed. Abril, outubro/2006;

Fears of Witchcraft fuel infanticide in Benin, Mail & Guardina online, July 2005, Benin.

[2] Boni Goura, antropólogo social da etnia Baatonou, que trabalha junto a outros ativistas sociais com o objetivo de abolir o infanticídio em Benin.

[3] "Quebrando o silêncio" disponível em http://veredasmissionarias.blogspot.com/2008/01/e-book-para-download-quebrando-o.html

[4] Márcia Suzuki, casada com Edson Suzuki, é mãe de Hakani e presidente do Conselho Deliberativo da Atini - VOZ PELA VIDA.

[5] Revistas Consulex – outubro 2005, Problemas Brasileiros, do SESC/SP de maio-junho 2007; Cláudia, julho de 2007; Veja, agosto 2007, dentre outras.

[6] IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

[7] FUNAI - Fundação Nacional do índio;

FUNASA - Fundação Nacional de Saúde

[8] Líder Indígena

[9] RCNEI, 1998:101,103

[10] Folha de Boa Vista – Infanticídio é uma tradição milenar dos Yanomami – 10 de março de 2005.

[11] Tramita no congresso o projeto de lei 1057, denominado Muwaji dispondo sobre as praticas infanticidas em tribos indígenas, com forte participação da ONG ATINI.

[12] noticiário inglês Telegraph, a revista inglesa Reveals, a BBC de Londres, o documentário da tevê holandesa, as revistas Veja, Isto É e outras.


Autor: José de Ribamar Lima da Fonseca Júnior


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