Toque de despertar para desenvolver e manter uma postura ativa diante da realidade em crise



Inicio este apontamento lembrando que  para  Ezequiel Theodoro da Silva (2002) , o ser humano pode fugir aos padrões e, neste caso, todo o referencial que seja erguido a partir desses padrões tende ao desvio e à indignação sadia, cívica, de quem o lê. Assim, me autorizo a falar das dificuldades que me saltam aos olhos diariamente. Uma delas é a necessidade de se pensar seriamente na formação do docente. Eis um ponto crucial da crise na educação. Penso, enquanto educadora e sujeito, que se eu  não lutar contra  a alienação, se não buscar formas de pensar e criar uma escola socialmente  transformadora, de nada terá valido tanto empenho e tanto estudo. Isto posto,este apontamento pretende contribuir para o  despertar (ou ressurreição?) alguns professores brasileiros que -- infelizmente -- ainda continuam em estado de letargia, ofuscados em seu “bom senso” pela opressão .Ao passo que aumenta  a complexidade da vida do sujeito e do grupo, a educação é cada vez mais relevante, a tal ponto que, na sociedade contemporânea a educação está sempre presente em lugar de destaque. No mundo globalizado e competitivo  se faz (urgente) e  necessário rever com os conceitos sobre a educação. E não é  o uso de novas metodologias o fator principal  para melhorar o que existe, mas o exercício de repensar, desde as raízes, todo o sistema de educação É preciso rever a intencionalidade do docente explicitada  em sua prática.E isso implica, no fazer docente, conhecer a sua subjetividade e a influencia que esta exerce sobre a prática cotidiana Faço a mim mesma, em constância e desassossego, a seguinte pergunta: Em que medida a categoria docente aproveita a historiografia do seu passado acadêmico para construir novas práticas no presente? Esse quadro de perplexidade e angústia  sinaliza para a necessária ressignificação e reconstrução do papel identitário dos profissionais em educação, na perspectiva de que o desenvolvimento profissional pode-e deve- emergir de processos de reflexão crítica dos sujeitos como pessoas historicamente inseridas num contexto político-institucional próprio. Comecei a focar os sentidos desse trabalho no cotidiano e a seguir foi inevitável adentrar nos não-sentidos desse cotidiano.

Enquanto escrevo, penso que o  mais me chama a atenção no são as dissonâncias e as contradições que os docentes encontram entre as requisições dos afazeres da prática e as precárias possibilidades de suas realizações; dissonâncias entre seu papel profissional e as urgências das soluções cotidianas de problemas; suas angústias entre querer transformar o ambiente de trabalho e as resistências decorrentes das faltas de condições para tal;  enfim, entre o querer fazer  e o não saber como fazer. Penso que é impossível buscar e analisar as dificuldades para a compreensão dos processos de formação da identidade profissional  e das difíceis possibilidades de ressignificação desses processos sem antes haver uma reconsideração daquilo que se espera e daquilo que se quer em educação.. O que afinal, nós professamos? Onde está o sentido da escola para professores, pais e alunos? Acredito que somente na busca da clara compreensão dessas questões é que se poderá iniciar um trabalho de construção social da identidade do profissional docente.

Considero que um dos grandes problemas que pode estar dificultando aos  profissionais da educação é perceberem-se capazes da construção de um trabalho eficiente e produtivo na escola, seja a falta de sua formação inicial para o exercício desta atuação e isso reflete no aluno. Quantos cursos têm o objeito de analisar  o COMO SE APRENDE para que isto reflita no COMO SE ENSINA? Muitos profissionais do ensino, com raras exceções, não foram formados para tal. Formaram-se professores em diversas áreas do conhecimento, participaram de processo seletivo de ensino e são jogados no campo da educação, premidos pelas urgências do cotidiano, envolvidos em alguns projetos específicos ou atendendo a requisições pontuais da direção da instituição. O afeto (do professor para com o aluno e vice-versa), fica relegado a um segundo plano. A incomunicabilidade entre ambos se instala de maneira precisa, rápida e aterrorizante ( no meu ponto de vista). Esta situação por certo decorre das concepções epistemológicas que consideram que não há especificidade no trabalho pedagógico, fruto talvez dos pressupostos decorrentes da racionalidade técnica que desconsidera a complexidade dos fenômenos da práxis educativa. Isso como hoje já se sabe é um equívoco, bastante enfatizado por Pérez-Gomes (1992:100) quando afirma que os problemas da prática não podem ser reduzidos a problemas meramente instrumentais, que transformam a tarefa profissional a uma simplória escolha e aplicação de meios e procedimentos.

Para trabalhar com a dinâmica dos processos de ensinar e aprender, é preciso  ter a convicção de que qualquer situação educativa é complexa, permeada por conflitos de valores e perspectivas e que carrega  um forte componente axiológico e ético e  que demanda um trabalho impregnada  de clareza de objetivos e propósitos e com um espaço construído de autonomia profissional.Com isso, não significa que o profissional em educação que não tenha tido formação inicial na área das humanas, tenha que se utilizar dos saberes técnicos por anos a fio. Penso que é importante se fazer um profissional do magistério, uma vez que esta escolha esteja carregada de iniciativa para extrapolar o campo dos saberes tidos como definitivos. É  fundamental ao profissional estar atento e  perceber-se como aquele educador que precisa, no exercício de sua função, produzir a articulação crítica entre o educando  e seu contexto; entre teoria educacional e prática educativa; entre o ser e o fazer educativo, num processo que seja ao mesmo tempo formativo e emancipador, crítico e compromissado.Neste ponto, os limites e possibilidades do educador e da sua realidade pode ser entendido como a ação que evidencia o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis docente.

Entre educadores a formação contínua haverá que ser feita para que se conheça o papel ativo do educador, que através do autoconhecimento poderá reconstruir os condicionantes de sua existência, os pressupostos de suas escolhas cotidianas, bem como se reconstruir como pessoa, como identidade.

É bem sabido que historicamente a classe profissional docente tem sofrido com o desprestígio social da profissão, com a descaracterização da identidade coletiva da classe, com as dificuldades inerentes ao próprio processo de ensino frente às demandas sociais. Há que se entender as profundas dissonâncias do educador com a construção de seu papel social, de sua identidade profissional e pessoal. Enfrentar a discussão de sentido da escola, sugere algumas referências propostas por Imbert (2003:74) que redireciona essa questão a partir da discussão da práxis pedagógica como instrumento de reavivar, desnaturalizar a escola que temos. O referido autor se apóia em Tosquelles para afirmar a diferença entre uma instituição que opera por práticas arcaicas e aquela que introduz um projeto praxista em sua dinâmica. Diz o autor citado:

A práxis não é uma prática. Convém não se enganar a esse respeito. A práxis é elaboração coletiva, num grupo, das práticas vividas no quotidiano. A prática pode se situar no plano das elaborações primárias do pensamento, a práxis não. Ela pressupõe um coletivo: um coletivo articulado, nunca massificado ou aglutinado. (Tosquelles, 1984)

 

Imbert (2003 p.73), por sua vez, afirma que a mudança da escola e das práticas pedagógicas só poderá se realizar quando se operar uma transformação no imaginário dos educadores em sua dupla dimensão; ideológica e narcísica. Afirma o autor, que a práxis visa à desocultação das articulações simbólicas e imaginárias da instituição subverte o desconhecimento instituído no qual as pessoas e os coletivos perdem suas capacidades autônomas. Dessa forma, fica claro que a escola não se transforma (apenas) por projetos inovadores,  normalmente imposto por via burocrática. A escola só vislumbrará mudança verdadeiramente,  quando os educadores  perceberem que ela  pode e deve ser outra.A questão da práxis é para o autor a consolidação de um projeto de autonomia e esse projeto de autonomia implica em trabalhar o imaginário sobre o qual a instituição se apóia, como um exercício de re-historicizar a instituição. Para o autor, e eu concordo, o motor da educação é a práxis pedagógica, que funciona como um instrumento de produção de autonomia, na direção de produzir sujeitos que falam.

Parto do pressuposto de que a busca de novos sentidos, de superação das dificuldades encontradas e da pretensão de autonomia, que é própria do ser humano, deve contar com a consciência do seu inacabamento, como nos falava Paulo Freire. A práxis como exercício pedagógico permite ao sujeito, enquanto sujeito histórico e coletivo, acessar os caminhos de sua autonomia e assim oferecer aos sujeitos/alunos, a partilha da mesma. Existe  dificuldade sim, mas é preciso olhá-las de frente e vencê-las como um gladiador faria na arena diante de feras.As feras do cotidiano estão –e continuarão aí, soltas- mas há que vencê-las.

Para Roberto Carneiro (2001),vivemos um tempo especial.O autor afirma que a vertigem tecnológica se apossou do cotidiano em uma veloz e ascendente crise e um turbilhão de incertezas. no meio do “ fogo cruzado” . De um lado, a Educação permeada por  complexidades, interrogações e de outro lado, como a própria redendora ou a resposta para que se descubra uma forma melhor de viver.Ainda para Carneiro, o primado da estrutura sobre a gênese se traduz na sociedade atual, que apesar da instabilidade, é inventiva e inovadora, uma vez que se sobrepõe  à memória e o futuro domina o passado; modelos postos em questionamento.Em todas as áreas, desde a indústria, o Direito, a família e a própria Igreja estão  frente ao desafio da necessidade de se reorganizarem para (CON)viver e interagir em ambientes cada vez mais inteligentes e, que por isso, criam seus próprios espaços de autonomia.

Reforçadas as minhas dúvidas e certezas, recorro ao apelo inicial deste apontamento: Formar professores capacitados a atenderem à demanda de um mundo globalizado, permeado por incertezas. Na tarefa da reinvenção do sujeito em corpo e alma, cabe apontar como via as aprendizagens fundamentais que se adquire ao longo da vida, em ambientes que vão desde a própria casa, a rua, o bairro, o clube, a escola até que se chegue ao espaço profissional.  E nesse ponto, sinto a fragilidade dos valores postos à prova, a insegurança dos próprios formadores em relação a eles e a falta de argumentos fundamentados nos valores universais e perenes: o bem, a verdade  e a fé.

            Tenho me utilizado em constância das idéias de Ítalo Calvino nas quais propunha a perenidade de determinados valores literários para o próximo milênio (hoje o século XXI), listadas pelo autor na seguinte ordem: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Na concepção de Calvino, a leveza seria pressuposto fundamental para a produção literária e que desta forma o leitor vivencia aquilo que lê. Pois assim penso sobre o educar em sua complexidade: há que se ter leveza e estar encharcado de valores que “pesem” e que sejam sentidos como meio para estimular  a percepção de si e do outro. O educador  necessita de um liame verbal que transite no  campo do saber para evolver pelo discurso coeso, significativo que reúna leveza e volatividade num experimento ora linear, ora descontínuo de subjetividade.

            Ao fim e ao cabo, me arrisco a fazer  um apelo: de que se lance um olhar sobre a relação entre a análise direta do mundo, o universo ilusório e o mundo simbólico transmitido pela cultura para que nos dediquemos à interiorização de uma experiência sensível. Cabe ao educador “fugir aos padrões” ao optar por um despojamento responsável que o qualifique para formar e ser formado com lucidez frente às dificuldades de um mundo em  ebulição ou alienar-se em concepções ideológicas vazias de significado.

 

 

Referencial Bibliográfico

AMELINE,D. e FABRE, M. Manifesto a favor dos pedagogos. Porto Alegre. Editora Artmed, 2004.

FABRE,Michel.Existemsaberespedagógicos?In:HOUSSAYE,J;SOETARD,M;H

FREIRE, ANA MARIA ARAUJO. Paulo Freire: uma história de vida. Indaiatuba, Villa das Letras, 2006. Biografia completa de Paulo Freire, escrita por sua viúva.

GADOTTI, Moacir. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo, Scipione, 1989.(2.ed. 1991).

IMBERT, Francis. Para uma práxis pedagógica. Brasília.Palno Editora.2003.

SACRISTÁN, Gimeno; GÓMEZ, Pérez. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998

 

http://pt.micronations.wikia.com acesso em  20/08/09

 

 


Autor: claudia flores


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