É PROIBIDO FALAR EM DINHEIRO



É PROIBIDO FALAR EM DINHEIRO

Como o Capitalismo pós-moderno cortou todas as possibilidades de reivindicação de melhoria salarial da classe trabalhadora perante chefias e proprietários cada vez mais bem pagos.

 

 

A modernidade é uma época sui generis. Com toda certeza, nunca houve na história um tempo em que coexistissem tão “harmonicamente” a ironia e a hipocrisia, sendo a primeira mãe e filha da segunda. Galbraith chamou nosso tempo de “era da incerteza”, mas nós podemos chamá-la de “era da cretinice”.

Nunca, em nenhum outro momento do passado econômico-financeiro da humanidade, se viu ironia mais inquietante e desesperadora do que a que me possibilitou batizar a era da cretinice. E é provável que este texto nem traga nada de novo ao leitor, já que a prática que denuncia virou “a moda” e “a regra” no modus operandi do mercado atual.

Por razões obscuras e egocêntricas, os “donos” da riqueza mundial há décadas prepararam o terreno para que o Século XXI desembocasse exatamente no Sistema atual, o maior responsável pela pobreza e pela exclusão social. I.e, foram eles que criaram a ironia e a cretinice que exponho aqui, as quais consistem em estabelecer, com mão de ferro, a lei do silêncio e da antigreve, e/ou o regime da ditadura do mercado endeusado, e/ou a escravidão dos empregados mudos.

O modo mais cruel de enxergar tal realidade é constatar, com o queixo caído, que todo e qualquer empregado de hoje, seja de que nível e instituição, está tão acossado no seu “(sub) emprego” que não pode mais reclamar de nada, mesmo com razão, sob risco de demissão. E se a idéia era “choramingar” um reajustezinho qualquer, então aí é que a coisa está implícita ou explícita no título deste artigo.

A cretinice desta era está no fato de que, conscientes e mancomunados com a crueldade do atual Sistema, todos os patrões se sentem felizes com a nova moda (a moda da proibição de falar em $) e até adotam as estratégias mais maquiavélicas de dissuasão e conformação de seus empregados a um, digamos, “silêncio bajulatório”.

Porquanto a mais descarada e irritante estratégia, a grande cretinice, consiste no seguinte: “como a moda é não dar $ a ninguém, então a empresa sai a promover eventos festivos, comemorações de promoções e vitórias profissionais de algum funcionário babão, encontros de energização (com títulos chiques como ‘empowerment’), intervalos de meditação, psicoterapias grupais, cursos e mais cursos na área da auto-ajuda, palestras motivacionais, seminários de empreendedorismo individual, treinamentos em ‘agregação de valores’ e criatividade, debates de carreiras de sucesso com seus protagonistas, etc.”. Ora; é possível admitir que não há nada de mal nisso. Afinal, todos nós precisamos de motivação e empowerment. Mas o que só não entendo é porque uma empresa gasta “os tubos” dando treinamentos e mais treinamentos, na maioria das vezes sem consultar a vontade e o “saco” dos funcionários, e ao final proíbe terminantemente que, mesmo um bom funcionário (participante de todos os cursos), reivindique reajuste para si ou para  sua categoria! Por que afinal não se pode falar em dinheiro? E também por que a própria empresa não fala em dinheiro?

Ora; segundo me informei em pesquisas junto a dezenas de empresas “desavisadas” (fiz a pesquisa fingindo-me do lado dos empresários e como promotor de tais seminários) e junto a instituições que dão treinamentos, os tais cursos são caríssimos e a remuneração de seus executores e ministradores às vezes custam os olhos da cara! Isto é que é de doer!

Bastaria um empresário desses, do tipo que está querendo promover “toda a motivação possível” no seu quadro de pessoal, fazer uma pesquisa interna com a seguinte pergunta: “Você, caro funcionário, prefere receber um treinamento em matéria relativa às suas funções ou prefere que o $ a ser aplicado no treinamento seja dividido com o quadro de servidores?”.

Na pesquisa que fiz, ainda perguntei: “mesmo que na divisão cada um receba apenas R$ 10,00 (Dez Reais)?”... Adivinhem a resposta: 89,6% dos entrevistados disseram preferir ganhar os R$ 10,00 do que fazer um curso repetitivo sobre suas tarefas ou, pior ainda, sobre motivação!... Senti, desta forma, que até a palavra “motivação” hoje em dia causa náuseas e é detestada pela maioria dos trabalhadores, porque logicamente eles percebem a evidente cretinice de se falar em motivação e não se falar jamais em dinheiro! (O que motiva mais que $?)...

Todavia é preciso esclarecer um ponto. Na verdade os poucos (10,4%) que responderam afirmativamente, ou aqueles que disseram querer fazer os cursos, estavam e estão se sentindo tão acuados pelo medo da demissão e de integrar a massa falida de desempregados de uma malfadada republiqueta sul-americana, que nem tinham mais nervos para responder com a tranqüilidade e a honestidade devidas. Com isso, talvez nem seja exagero falar que 98 ou 99% dos entrevistados não desejariam tais cursos e sim um reajuste, classificando um aumento qualquer de, “este sim, o maior instrumento de motivação do mundo”. Sem contar os bajuladores compulsivos (que toda empresa tem), e se ainda restaram 1 ou 2%, estes poderiam ser de fato gente meio-doente, desses que perambulam em toda parte, os quais são usados por donos de circo quando saem a procurar “estranhas criaturas”, como o “homem elefante” (estas teratogenias sempre deram lucro).

Mas o ser humano NORMAL não é assim! O homem 100% humano é aquele que adora ter dinheiro para comprar sem medo. Um dinheiro que não sirva só para lhe matar a fome. Uma personalidade sadia se sente cada vez melhor, na medida em que vê o esforço de seu trabalho ser recompensado com um poder aquisitivo real, que lhe faça não apenas sobreviver, mas usufruir de outros bens – muitos deles imateriais – que lhe dão prazer e saúde mental. A coisa é tão séria que  nem mesmo os religiosos mais caridosos, os franciscanos mais despojados de bens, querem estar 100% anulados em relação a um poder aquisitivo mínimo, ainda que vindo da caridade alheia! Não é de admirar que o mundo esteja tão cheio de loucos tresvarridos, de gente sem alma, de mentes desequilibradas, de violências hediondas, de psicóticos, neuróticos, etc. Entretanto, infelizmente, os chamados “donos do capital” se acham tão poderosos que nem sequer se tocam com a possibilidade de esses loucos varridos um dia lhe baterem à porta! (É o caso de dizer: “durma-se com um barulho desses!”).

O mais doloroso é lembrar que se a vida está assim tão ruim para quem ainda se dá ao luxo de ter um (sub)emprego, nem fazemos idéia do quão aterrador é viver esta realidade desempregado. Estes, coitados, até podem falar de dinheiro, porque quem se aproxima deles sempre está vendo primeiro uma esmola e depois o seu rosto sofrido! Todavia o que eles não podem mais falar é em emprego, pois o mercado está às vésperas de abolir de vez esta palavra, e qualquer desempregado, por mais qualidades que tenha, agora sabe que as empresas não sentem mais nenhuma falta deles, e, se sentir, estão aí as massas de terceirizados-amordaçados.

Finalmente, esta é mais uma crônica ‘sem-vez-e-sem-voz’ neste (sub)mundo onde dominam o lucro e as oligarquias excludentes. Quantos já não deram suas vidas gritando gestos que queriam traduzir este texto e não foram ouvidos? Quantos não tinham exatamente isto para falar e calaram diante da impossibilidade de alcançar a grande mídia ou diante da ameaça, quase sempre velada, de entrar para o tal “Exército Industrial de Reserva”? Afinal, quem se importa? Nós não podemos mesmo mudar as coisas! Ou podemos? Mas desde o começo do mundo, “quem come do meu pirão ouve do meu carão”. A frase agora funciona assim: “coma só pirão e não ouça nenhum carão”.

 

 

 

Prof. João Valente de Miranda.
Autor: João Valente


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